Sem lei

Política atrasa regulamentação da internet no país

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18 de junho de 2011, 9h21

Uma regulamentação jurídica para a internet não deve sair tão cedo. Enquanto o Marco Civil da Internet, que visa definir direitos e responsabilidades dos internautas e empresas na web, sequer consegue ser transformado em anteprojeto de lei, um embate entre governo e oposição na Câmara dos Deputados atrasa a votação da proposta sobre crimes digitais, deixando a rede mundial de computadores sem regras específicas.

A ideia do Marco Civil nasceu no próprio Ministério da Justiça. Foi criado um site para receber sugestões públicas de redação de um projeto de lei que tratasse especificamente das boas práticas, tanto de pessoas quanto de empresas e provedores, na internet, num processo chamado de consulta pública. Depois de pronto, o texto será enviado ao Congresso Nacional e votado. O site, no entanto, tem mais de dois anos de idade e, por conta de alterações feitas durante a consulta, ou por atraso do governo, nunca chegou à Câmara.

O Ministério da Justiça informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o texto do Marco Civil da Internet estava em sua fase final no fim do ano passado, pois já havia passado pela consulta pública e recebido os pareceres dos ministérios envolvidos (Justiça, Ciência e Tecnologia, Planejamento, Comunicações e Casa Civil, que definirá a redação final do Marco). Mas, com a eleição da presidente Dilma Rousseff e a mudança no comando das pastas, a proposta teve de voltar à fase dos comentários ministeriais, já que os ministros agora são outros.

Segundo a assessoria do MJ, o Marco Civil, hoje, está novamente no Sistema de Geração e Tramitação de Documentos do Governo Federal (Sidof), usado pelos ministérios para comentar as propostas do governo. Em comunicado enviado à ConJur, o MJ afirmou que o Marco está, mais uma vez, em fase final “e deve ser encaminhado em breve para a Câmara dos Deputados”.

A Câmara, por sua vez, está, desde 2008, ocupada com o Projeto de Lei 84/99. O PL foi escrito em 1999, pelo então deputado federal Luiz Piauhylino e, em 2003, foi aprovado e encaminhado ao Senado. Lá, ficou aos cuidados do então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que fez algumas alterações no texto original e escreveu um Projeto de Lei Substitutivo. Depois de aprovado pela Casa, o substitutivo foi enviado de volta à Câmara para nova aprovação, agora das alterações feitas pelo Senado.

Essa nova versão ficou conhecida como Lei Azeredo, e logo foi apelidada pela bancada petista de “AI-5 Digital”, em referência à censura à livre circulação de informações da Ditadura Militar. Criticavam, principalmente, a falta de clareza do texto, que dava margem para entender que o compartilhamento de arquivos é proibido e que a responsabilidade pelos conteúdos impróprios publicados na web era dos provedores, e não dos órgãos de fiscalização.

Quem estava à frente do debate, do lado do governo, era o deputado federal Paulo Texeira (PT-SP), hoje líder do partido na Casa. À época, o PT foi contra a aprovação do PL 84, alegando que ele incitava a criação de um Estado policial na internet, num momento em que não havia nada em que fossem garantidos os direitos dos internautas — papel que seria do Marco Civil.

Hoje, quem cuida do projeto no PT é o deputado federal Alessandro Molon (RJ), que prefere debater o assunto com especialistas e esperar uma posição do governo sobre o Marco Civil da Internet, antes de aprovar a Lei Azeredo, como revela pessoa ligada à discussão que não quis ser identificada na reportagem. “Do jeito que está, não tem condições [de o Projeto ser aprovado]. Vamos ampliar a discussão para a sociedade, enquanto aguardamos o Marco Civil para conciliar os interesses de todos”, disse a fonte.

Até o fim do ano passado, a Lei Azeredo estava sob a relatoria do então deputado Julio Semeghini (PSDB-SP), hoje secretário de Gestão Pública do estado de São Paulo, que tentava costurar um acordo com o PT e reescrever o PLS 84 de forma a eliminar os pontos polêmicos. Nunca conseguiu.

Hoje, quem representa o PSDB na discussão é o próprio Eduardo Azeredo, agora como deputado federal por Minas Gerais. Ele assumiu o cargo em fevereiro deste ano e, à frente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara — posição antes ocupada por Semeghini —, já emitiu, nesta terça-feira (14/6), parecer favorável ao seu próprio texto, que agora segue para a Comissão de Constituição, Justiça, presidida por Molon.

Em entrevista por telefone, Azeredo disse à ConJur que está “cansado de esperar” por um entendimento. Ele acredita que as críticas à sua versão do projeto vêm de “uma resistência na linha anarquista, do pessoal que não quer nenhuma legislação, no argumento de que não tem que ter nada pra internet”. Para ele, as reclamações são de pessoas que “querem achar chifres em cabeça de cavalo”.

O deputado também critica a bancada governista, que espera o envio do Marco Civil. No seu entendimento, um projeto não influi no outro, pois, segundo ele, o Marco trata apenas de definições e o PLS é a tipificação de crimes digitais. Azeredo afirma que há, de fato, demanda pela descrição dos crimes digitais em lei. “O mundo inteiro discute isso, e o Brasil não deveria estar tão defasado”, reclama.

Em seu último parecer sobre o PLS 84, Azeredo tirou as expressões “de rede de computadores” e “dispositivos de comunicação”, assim como a parte que dá aos provedores de acesso à internet a responsabilidade de comunicar as autoridades sobre conteúdo ilegal, que, segundo ele, estavam causando polêmica.

Sobre a previsão de algum dos projetos finalmente dar um passo adiante, seja para a aprovação final ou para a votação em plenário, todos os consultados pela reportagem têm a mesma resposta: “é difícil dizer”.

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