Marcha da Maconha

Supremo discute limites do amicus curiae

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13 de junho de 2011, 15h17

O Supremo Tribunal Federal deverá decidir, na quarta-feira (15/6), se os cidadãos podem organizar manifestações com o objetivo de chamar a atenção para o debate em torno da descriminalização do uso de drogas sem que isso seja confundido com apologia ao crime. Na prática, os ministros decidirão se é legal a organização da chamada Marcha da Maconha.

No mesmo julgamento, os ministros discutirão uma questão lateral importante sobre os limites do papel do chamado amicus curiae, que aparece com cada vez mais frequência na tribuna do Supremo em causas polêmicas de interesse nacional. Isso porque uma das associações admitidas com amicus curiae na ação pede, entre outras coisas, que o STF conceda Habeas Corpus de ofício para que seja permitido o cultivo doméstico da maconha e seu uso para fins medicinais e religiosos.

Em sua tradução literal, a expressão significa amigo da Corte. Na literatura jurídica, o amicus curiae é descrito como um terceiro interessado na causa que pede o ingresso no processo para dar ao tribunal elementos para melhor fundamentar sua decisão.

Na sessão em que o tribunal equiparou a união homoafetiva à união estável entre casais convencionais, por exemplo, advogados da associação Conectas Direitos Humanos e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil fizeram sustentações orais. As entidades não faziam parte do processo, mas puderam dar suas razões a favor e contra a união entre pessoas do mesmo sexo. Foram admitidas como amici curiae.

No processo em que se discute a Marcha da Maconha, o ministro Celso de Mello, relator, permitiu a participação de dois amici curiae: a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). É no pedido da Abesup que os ministros definirão os limites da atuação do terceiro interessado no processo.

O pedido da associação vai muito além do que defende originalmente a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, autora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 187), que discute a legalidade da marcha. A procuradora requer que o tribunal deixe claro que discutir a descriminalização do uso ou a legalização das drogas não significa fazer apologia ao crime. Ponto!

Diante disso, pode o terceiro interessado no processo requerer a ampliação do pedido original? Para a maior parte dos estudiosos do assunto, não. O papel do amicus curiae se limita ao de trazer ao processo mais fundamentos em defesa da tese que abraçou para que o tribunal decida a causa com uma visão ampla sobre ela.

Para o advogado e professor de Direito Constitucional Saul Tourinho Leal, o amicus curiae não é parte do processo e, portanto, não tem capacidade postulatória. “Ele pode recorrer apenas do despacho que indefere sua entrada na ação”, afirma. O professor ressalta que isso não reduz a importância da participação da sociedade no processo de interpretação constitucional, mas que as associações não têm legitimidade para inovar o pedido original.

O advogado Rodrigo Lago, integrante do blog Os Constitucionalistas, concorda com Tourinho Leal. “No caso, o tema é totalmente estranho ao processo. O que está em jogo é a liberdade para discutir a descriminalização do uso de drogas, não a descriminalização em si”, alerta. Para Lago, permitir que o amicus curiae amplie o pedido original criaria um atalho indevido para que associações que não podem, de acordo com as regras constitucionais, ajuizar com Ação Direta de Inconstitucionalidade ou ADPF, na prática, façam o equivalente a isso.

É a mesma opinião da advogada Damares Medina, autora do livro Amicus Curiae — Amigo da Corte ou Amigo da Parte?. Para a advogada, o pedido da ADPF dialoga com a liberdade de expressão. Por isso, não poderia, por meio do amicus curiae, ampliar tanto o debate.

“O amicus curiae não pode inovar no pedido. A legitimidade para isso é vinculada às partes do processo. No caso, para analisar a descriminalização do plantio doméstico ou uso medicinal da maconha, o Supremo teria de analisar outros diplomas normativos que fogem completamente ao pedido original”, afirma Damares.

Legalidade da marcha
A ação de Deborah Duprat foi ajuizada em julho de 2009, quando ela ocupava interinamente o cargo de procuradora-geral da República. O debate no Supremo deve girar em torno de três princípios constitucionais caros à sociedade: o direito de liberdade de reunião, proteção das minorias e a garantia de exercer a livre manifestação do pensamento.

A vice-procuradora pediu que o Supremo dê interpretação conforme à Constituição ao artigo 287 do Código Penal. A norma prevê pena de detenção de três a seis meses ou multa para quem fizer, “publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”. Deborah Duprat pede que a interpretação seja feita “de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos”.

Em seu relatório, o ministro Celso de Mello destaca um dos argumentos de Deborah Duprat para justificar a necessidade da atuação do Supremo: “Nos últimos tempos, diversas decisões judiciais vêm proibindo atos públicos em favor da legalização das drogas, empregando o equivocado argumento de que a defesa desta idéia constituiria apologia de crime”.

O ministro Celso de Mello liberou seu voto para inclusão na pauta do Supremo no dia 12 de maio, nove dias antes de a Polícia Militar de São Paulo ter reprimido com violência a Marcha da Maconha organizada em São Paulo. A manifestação havia sido proibida por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo a pedido do Ministério Público. Os desembargadores consideraram que o evento se destina a fazer apologia ao uso de drogas.

Com a decisão do Supremo, as controvérsias em torno da marcha serão pacificadas. O STF já decidiu, em ocasiões anteriores, que o direito à manifestação deve ser livre. Em junho de 2007, o tribunal derrubou decreto baixado pelo então governador Joaquim Roriz, que proibia manifestações com a utilização de carros sonoros na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios, na Praça do Buriti e nas vias adjacentes.

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