Soberania nacional

Itália não pode contestar decisão de Lula sobre Battisti

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8 de junho de 2011, 18h08

O governo da Itália não tem competência para questionar, no Supremo Tribunal Federal, um ato do chefe do Poder Executivo brasileiro na condução da política internacional. Essa foi a primeira decisão tomada nesta quarta-feira (8/6), pelo STF, no julgamento que decidirá o destino do italiano Cesare Battisti, ex-militante de grupos de extrema esquerda na Itália.

Por seis votos a três, os ministros rejeitaram a Reclamação ajuizada pela Itália contra a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que negou a extradição de Battisti autorizada pelo Supremo novembro de 2009. O ministro Marco Aurélio, que levantou a questão preliminar, afirmou que “inconcebível um Estado estrangeiro impugnar um ato do presidente da República nas suas relações internacionais”.

O julgamento ainda está em curso. Os ministros irão decidir, ao julgar o pedido de liberdade feito pela defesa de Cesare Battisti, se o ato do presidente Lula respeitou os limites do tratado de extradição assinado entre Brasil e Itália. Em novembro de 2009, por cinco votos a quatro, os ministros do STF decidiram que Battisti não sofrera perseguição política em seu julgamento à revelia na Itália e que, por isso, o refúgio concedido pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro, era ilegal.

O pedido de sua extradição feito pela Itália foi autorizado. No mesmo julgamento, também se decidiu que a decisão final de efetivar ou não a extradição é do chefe do Poder Executivo. Ou seja, o presidente da República pode se negar a extraditar, mas deve observar as previsões do tratado firmado com o país que requereu a extradição. Isso é o que está em questão agora.

A discussão sobre a legitimidade da Itália para contestar o ato do presidente foi tensa. O ministro Marco Aurélio afirmou que permitir que um ato do presidente da República seja questionado no Judiciário por um Estado estrangeiro poderia criar uma crise institucional. De acordo com o ministro, ao decidir, o Supremo estaria “substituindo-se ao presidente da República e conduzindo o que cabe apenas ao chefe do Poder Executivo Nacional, que é a condução da política internacional”.

Para o ministro Marco Aurélio, quem defere ou recusa a extradição é o presidente da República, a quem compete manter relações com estados estrangeiros. “Não vejo como um governo estrangeiro para questionar esse ato”, disse.

O ministro Joaquim Barbosa fez uma analogia com caso do ex-presidente de Honduras, Manuel Zelaya, que foi acolhido na embaixada brasileira depois de ser deposto do governo, em 2009. “Poderia um país da região se insurgir contra a decisão de acolher aquele chefe de Estado na embaixada? Poderia o STF desconstituir aquela decisão? Claro que não! A situação é parecidíssima”, afirmou.

O clima esquentou quando, depois de os ministros rejeitarem a Reclamação da Itália, o ministro Ricardo Lewandowski interrompeu o relator do caso, Gilmar Mendes, para perguntar o que estaria em julgamento. O ministro Marco Aurélio lembrou que a prisão de Battisti foi determinada pelo Supremo e, por isso, o tribunal deve se manifestar sobre sua liberdade.

O ministro Gilmar Mendes, então, já visivelmente irritado com as intervenções dos ministros, reagiu: “Agora se corta com naturalidade a palavra do relator. Tenho ouvido pacientemente falas às vezes não muito inteligentes”. Seguiu-se uma discussão entre Marco Aurélio e Gilmar Mendes. O presidente da Corte, Cezar Peluso, acalmou os ânimos e devolveu a palavra ao relator.

Mendes afirmou que nunca na história do país um presidente deixou de cumprir a extradição concedida pelo Supremo. "Nem nos regimes militares", completou a ministra Ellen Gracie. "Sempre se cumpriu a extradição", reforçou Gilmar Mendes.

O ministro Joaquim Barbosa, depois, voltou a interromper o relator e disse que a questão estava decidida. Barbosa ressaltou que Battisti está preso há quatro anos e que o tribunal deveria decidir o que fazer com ele. "A discussão da extradição já perdeu o sentido", afirmou. Mendes retomou a palavra: "Vossa Excelência terá de escutar ou se retirar".

Além do ministro Gilmar Mendes, os ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie admitiram a Reclamação da Itália, mas ficaram vencidos. Para os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Marco Aurélio. Para a maioria, um Estado estrangeiro não pode questionar um ato do presidente da República em suas relações internacionais.

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