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"O futuro chegou e o Brasil agora é respeitado"

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5 de junho de 2011, 9h35

Spacca
Caricatura_Mussnich - Spacca

No futebol, o "meia" é o jogador que coordena a ligação entre a defesa e o ataque. Ele desburocratiza, facilita, cria caminhos. Se a metáfora servir para o universo de fusões e aquisições de empresas, o advogado Francisco Antunes Maciel Müssnich, de 56 anos, veste a camisa 10. Pelas suas mãos passaram operações como as aquisições do controle acionário do Banco Panamericano pelo BTG Pactual e do controle da Gávea Investimentos, de Armínio Fraga, pelo JP Morgan, além da venda do Hospital São Luiz para o grupo Rede D’Or, do Pactual, e a compra de ativos da Devon Energy, gigante do petróleo nos EUA, pela British Petroleum por US$ 7 bilhões, isso só para falar das mais recentes. O currículo inclui ainda a criação da Braskem, a compra da Brasil Telecom pela Oi, e as fusões entre Itaú e Unibanco e entre Sadia e Perdigão.

A comparação futebolística é do gosto de Chico Müssnich. "Do ponto de vista cultural, talvez jogar futebol faça do brasileiro um povo mais solidário", diz, ao prescrever a forma como prefere ver os advogados de seu escritório trabalharem. A paixão nacional o levou ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, onde julga há mais de cinco anos. "Essa realmente é uma prova de loucura. Mas vou dizer: eu adoro aquilo, é algo que faço com prazer, levo a sério para burro." Para completar, seu escritório, o Barbosa, Müssnich & Aragão, venceu a disputa para representar a Confederação Brasileira de Futebol em questões jurídicas sobre a Copa do Mundo de 2014.

Mas a expertise é mesmo a área societária. Só neste ano, o advogado ganhou quatro indicações em publicações internacionais pelo seu trabalho: Chambers Global, Chambers Latin America, Latin Lawyer 250 e IFLR 1000. No primeiro trimestre, o escritório atuou em pelo menos sete negociações que envolveram, ao todo, US$ 8 bilhões. Apenas a aquisição de participação no capital da Oi, fechada pela Portugal Telecom em janeiro, movimentou US$ 5 bilhões.

Famoso pela firmeza durante as reuniões de acionistas mais complicadas, Müssnich se considera "bangunceiro", mas atribui a fama de "briguento" à temperatura das negociações. "Não é dureza. É que como eu entendo as questões colocadas pelo outro lado, fica difícil enganar a mim e ao meu cliente", explica, mas admite: "Nenhuma negociação comigo é monótona."

O tipo de negociação preferido revela o perfil. Müssnich afirma gostar de takeover, a tomada de controle das companhias por meio da compra de ações — o que quase sempre ocorre de forma hostil. "Troco tudo por um debate. Brinco com meus colegas do escritório que, às vezes, é melhor o problema que a solução."

O bom momento econômico do país reflete nos negócios. O BM&A hoje conta com sedes no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Ao todo, são 332 advogados. Só no Rio são 179. Em São Paulo, 137. "Nosso plano é desenvolver ainda mais em São Paulo", adianta.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor acompanha negócios societários desde o início das privatizações. O que mudou desde então?
Francisco Müssnich — Primeiro, a escala. O tamanho das operações feitas hoje é de “megabilhão”. Mudou ainda a tecnologia de fazer o negócio. Há novos instrumentos e novos participantes, com novas ideias. Isso tudo cria variáveis completamente diferentes, que exigem que você seja muito bom entendedor do negócio que está assessorando como advogado. Também há uma maior participação do Estado, que coloca outro viés nas negociações. Outra questão é que talvez o brasileiro veja as empresas, principalmente as americanas, com menor importância. A gente se vê mais forte, mais preparado, mais focado. Eles, grandes, já tiveram várias crises. É como diz o ditado de Corneille, do livro El Cid, que eu adoro. “Ton bras est invaincu, mais pas invincible”, que quer dizer: “o teu braço ainda não foi vencido, mas não é invencível”. Isso é uma coisa que eu levo para toda a minha vida, porque provoca uma atitude em relação ao cliente.

ConJur — De que forma?
Francisco Müssnich — O cliente adora que você morra por ele, que você vista a camisa dele, que você até mesmo seja ele. Até porque você o protege, como um para-raios. Essa é a grande diferença entre o advogado e o cara que simplesmente é especialista na cláusula “X”. O advogado entende qual é sua missão e qual é a visão que o cliente tem daquele negócio. Sem isso, ele nunca vai conseguir ser um bom profissional.

ConJur — O bom momento econômico do Brasil facilita as negociações?
Francisco Müssnich — O futuro chegou. Isso muda a atitude dos estrangeiros com relação ao Brasil. Facilita o fato de o Brasil ter investment grade, ter um sistema jurídico estável e ser uma democracia de 120 milhões de votantes, que elege soberanamente seu presidente da República. Muda também a perspectiva do país. O Brasil é um país que as pessoas respeitam. O grau de profissionalização do serviço de advocacia no Brasil é extraordinário. Se falássemos inglês, os advogados brasileiros seriam imbatíveis no mundo. Tem uma história muito engraçada, que quem me contou foi um dos meus filhos, o Francisco, há muitos anos. Ele também é estudante de Direito e trabalha na concorrência, no Ferro & Castro Neves. Quando ele era garoto, contou uma piadinha sobre um gato perseguindo um rato. O rato entrou atrás do armário e fechou a porta. O gato começou a arranhar a porta e miar. Passado algum tempo, o rato escuta um latido. Abre a porta, achando que era o Rex, amigo dele. Então o gato o pega. O rato, espantado, diz: “mas eu escutei latido de cachorro”. O gato responde: “hoje em dia, quem não fala pelo menos duas línguas, está ferrado”.

ConJur — O que torna o advogado brasileiro diferente?
Francisco Müssnich — O jogo de cintura. Tem conhecimento, técnica, e uma cultura que lhe dá um pouco mais de paixão, e isso faz com que ele vista mais a camisa. Não têm, talvez, uma disciplina tão estrita quanto advogados ingleses e americanos. Mas essas outras qualidades são fundamentais. 

ConJur — E gosta de trabalhar?
Francisco Müssnich — Trabalha para burro, tanto o paulista quanto o carioca. Dizer que carioca não trabalha é uma lenda. Na advocacia, você precisa ter um foco extraordinário nos negócios, ainda mais nessa área de fusão e aquisição. Meu sonho seria, um dia, ter uma cama maravilhosa aqui para poder dormir na hora em que estivesse muito cansado. No escritório, há muito tempo resolvi ter um kit chuveiro. Na operação em que vendemos a Brasil Telecom para a TIM [em 2005]— que depois foi anulada pela Justiça —, virei cinco noites seguidas, sendo que em duas delas dormi só três horas. O que me mantinha aceso era banho, banho, banho. 

ConJur — Sua fama de excêntrico tem razão de ser?
Francisco Müssnich — Há vários adjetivos atribuídos a mim. Briguento, duro na queda, inteligente, preparadíssimo, duro nas negociações, que compreende completamente o negócio do cliente, sabe negociar o que o cliente deseja, rápido e, mais do que tudo, engraçado. Nenhuma negociação comigo é monótona, são todas muito divertidas, todo mundo ri muito. Tem algumas histórias que contam por aí que não são verdadeiras. Há uma que diz que eu peguei os acionistas minoritários de uma companhia e recomendei um avião, mas o avião ia para Curitiba, e a assembleia era em Salvador. Isso é mentira. Mas há outra que realmente aconteceu. Em uma assembleia em Brasília, em 2005, me reuni com uns caras que tinham algum tipo de esquema para conseguir uma liminar, e estavam só ganhando tempo até a decisão chegar. Eram dois advogadozinhos mequetrefes, cafés-com-leite. Meu cliente era o acionista controlador da companhia. Eu percebi a estratégia, mas eles se recusaram a sair, estavam só enrolando. Então falei: “não tem problema, eu dou quórum e tenho a gravação de que você compareceu”. Peguei os livros societários e fui embora. Contam que eu saí correndo, mas é mentira. Eu não fugi, mas por que precisaria ficar ali até receber uma liminar? E as câmeras da empresa mostraram claramente que eu saí antes da concessão da liminar. 

ConJur — O senhor se considera duro nas negociações?
Francisco Müssnich — Não é dureza. É que como eu entendo as questões colocadas pelo outro lado, fica difícil enganar a mim e ao meu cliente. Sou advogado de muitas empresas brasileiras. Muitas vezes, chega um estrangeiro, acostumado a fazer negócio do jeito dele, com coisas que são importadas sem reflexão pelo advogado local, conceitos que não conseguem sobreviver aqui, que não podem coexistir com o Direito brasileiro, e precisam ser eliminados. São pegadinhas de linguagem, que a gente tira de letra. O cara vem com o argumento de que aquilo é padrão. Padrão para quem? Cada negócio tem seu próprio padrão. Também não existe a história de que a cláusula de um negócio feito 20 anos atrás tem que ser a mesma de um atual. Isso é conversa para boi dormir. Não vence, nem convence.

ConJur — Há advogados com quem gosta de se encontrar nas negociações?
Francisco Müssnich — Tem alguns contra os quais eu gosto muito de atuar, que me divertem muito. Tem outros que eu não gosto tanto. Eu adoro negociar com o João Ricardo [de Azevedo Ribeiro], do Mattos Filho. É um bom parceiro, um cara muito bacana, engraçado, constrói como eu. Temos uma relação de muitos anos, estabelecemos uma confiança recíproca, isso é importante. Gosto muito do Julian Chediak, que até acabou de montar um escritório novo no Rio de Janeiro. Também nos damos supercerto. Gosto do Luiz Alberto Rosman, sucessor do Bulhões Pedreira, que era quem trabalhava com o Bulhões Pedreira. Aqui em São Paulo, me dou muito bem com o Alexandre Bertoldi, do Pinheiro Neto. É um cara ótimo, bom parceiro, bom de trabalhar do lado e contra. 

ConJur — Qual foi o negócio mais difícil do qual participou?
Francisco Müssnich — A compra da Gávea Investimentos [empresa de gestão de fundos criada pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga] pelo banco americano JP Morgan [em 2010] foi uma negociação muito longa, muito complexa. Tinha muitos detalhes, vários tipos de fluxo. A compra do Banco Panamericano [pelo banco BGT Pactual, em janeiro] foi uma operação, apesar do curto período, muito intensa, também difícil. Trabalhei com o Mauro Sampaio, meu sócio. Mas toda operação é trabalhosa, exige alguma coisa nova que a sua experiência já viu parecido, mas nunca viu igual. 

ConJur — Que áreas do escritório mais têm crescido?
Francisco Müssnich — Chamamos de área de arbitragem, mas ela está dentro do conceito de contencioso geral, embora tenhamos pessoas com especialidade, como o André Abbud e o Octávio Fragata [Martins de Barros], que são pessoas com arbitragem na veia. Outra área é a de Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], que cresceu muito e vai crescer ainda mais, porque a lei do Cade [Lei 8.884] vai mudar substancialmente. O controle deixará de ser “pós” para ser “ante”. É uma mudança fundamental. As grandes operações vão estar previamente sujeitas, e a forma de contratar vai mudar significativamente.

ConJur — Isso não pode atrasar os negócios?
Francisco Müssnich — É possível. Em compensação, teremos um grau de certeza muito maior. Hoje, é possível que uma operação seja fechada, mas dois anos depois venha o susto. 

ConJur — O escritório formou recentemente um grupo multidisciplinar para cuidar de assuntos que envolvem a área de infraestrutura. Por quê?
Francisco Müssnich — Na parte de infraestrutura, é preciso ter um conhecimento muito especial de Direito Administrativo. O escritório tem grande advogados de Direito Administrativo, um deles é o Álvaro Jorge, que tem liderado essa área. A regra vale para qualquer projeto: saneamento, construção de aeroportos, trens, trem-bala e qualquer tipo de concessão de serviço público ou permissão em que o Estado deixe o particular explorar uma atividade econômica que, de acordo com a Constituição, é incumbência do poder público. 

ConJur — Tem clientes envolvidos com obras do PAC?
Francisco Müssnich — Indiretamente. As grandes construtoras desse tipo de obra geralmente usam muito advogados internos, porque têm departamentos jurídicos grandes, muito bons. Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa têm advogados internos que sabem muito bem o que estão fazendo. São quase escritórios de advocacia, porque têm todos os tipos de problema: meio ambiente, tributário, civil, administrativo, arbitragem. Apenas quando se trata da parte societária da própria empresa, aí vão para fora. 

ConJur — Levando em consideração o volume de negócios dos últimos anos, qual a perspectiva do escritório para o futuro?
Francisco Müssnich — Vai subir em relação ao ano passado. O Brasil está em uma onda crescente muito acelerada. Espero que não tenhamos problemas com inflação, mas estou gostando da postura da presidente Dilma, discreta, fazendo um trabalho gerencial muito forte. O Brasil precisa disso. 

ConJur — Há planos de ampliação?
Francisco Müssnich — Nosso plano é desenvolver ainda mais em São Paulo. O Rio de Janeiro cresce muito. Nós queremos um modelo mais BTG. O Pactual, quando abriu em São Paulo, ficou grande no Rio e em São Paulo. Nós queremos manter os dois lugares. Nossa aposta é muito grande também em Brasília, onde temos um excelente advogado, que é o Antenor Madruga. E temos também Belo Horizonte, trabalhando com mineração, que é uma aposta de risco que fizemos. Graças a Deus, começa a dar certo. 

ConJur — Pretendem expandir para outras Regiões?
Francisco Müssnich — Por enquanto, não. Não quer dizer que não vamos fazer, mas por enquanto não estamos com esse foco. 

ConJur — Quais foram os primeiros grandes negócios do escritório?
Francisco Müssnich — Fizemos a venda do Mappin, do Ricardo Mansur. Minha cliente, Cosette Alves, antiga controladora, recebeu 100% do preço, que foi de US$ 25 milhões. Fiz a fusão da Copene com todas aquelas empresas, em uma assembleia complicadíssima para a criação da Braskem. Isso inclusive me valeu um processo criminal, porque o outro lado arrumou uma liminar, e eu disse que não iria receber a citação, porque era só o presidente da assembleia. Continuei o processo e a incorporação foi feita. Graças a Deus o processo foi arquivado. 

ConJur — Como o escritório começou?
Francisco Müssnich — Começamos com uma boutique de Direito Societário. Foi uma confusão danada. Estávamos em um lugar que era quase uma casa de favela, bagunçada, com mesa ao comprido, sem nenhuma divisória. Era na Avenida Rio Branco, no edifício Almirante Paulo, número 52, no 28º andar. Quando publicamos o anúncio de que o escritório tinha se formado, colocamos só os telefones, porque ficamos com medo de mencionar o endereço e os clientes fugirem. Fizemos uma reforma que durou três meses, depois passamos para outro imóvel. Compramos um andar do Garantia, número 32. Então vendemos para não ter imóvel dentro da sociedade, que dá a maior confusão. A sociedade só tem os livros, o capital é humano. E a gente aluga lá. Foi uma história bacana. Ainda quero contar a história do escritório como no livro Skadden: Power, Money, and the Rise of a Legal Empire [Skadden: Poder, Dinheiro e a Ascensão de um Império Jurídico]. 

ConJur — Como é a relação com os outros sócios?
Francisco Müssnich — Eu tenho uma liderança que compartilho com o Paulo [Cezar Aragão], com o Plínio [Simões Barbosa], com o Luiz Antonio [de Sampaio Campos]. Sou o mais bagunceiro dos quatro. Por ser o mais bagunceiro, talvez faça um pouco mais de barulho. Mas temos uma relação excepcional. Sou padrinho de casamento do Paulo, do terceiro casamento. E o primeiro emprego do Plínio Barbosa quem arrumou fui eu. 

ConJur — Grandes bancas têm perdido advogados com certa frequência ultimamente. O escritório tem sentido isso?
Francisco Müssnich — Raramente perdemos advogados para a concorrência. Fiquei triste recentemente porque perdemos um para o Eike [Batista]. Mas a empresa vem com uma mala de dinheiro, não teve como reter o rapaz, que é um jovem talento, garoto novo, que acabou de fazer mestrado na USP. Uma pena. Eu disse a ele que teria um futuro brilhante. Mas eu tenho a filosofia de que você cria seus filhos — e eu vejo essa “molecada” toda como meus filhos — para o mundo. Alguns vão ficar, outros vão sair. Se você perguntar por aí, todo mundo que saiu do escritório, que teve relação de algum jeito comigo, vai ver que todos são meus amigos até hoje, 99% viraram meus clientes. A gente dá um treinamento muito bom. E como no Direito Societário o segundo colocado está 120 mil léguas atrás, as empresas gostam dos nossos meninos. 

ConJur — O dinheiro é o único motivo?
Francisco Müssnich — O que retém o advogado não é só dinheiro, mas trabalhar, por exemplo, com um cara como eu. Isso é bacana para o garoto, ter um treinamento legal. O que retém é a perspectiva, de longo prazo, de uma carreira muito definida, sem apadrinhamento. Um processo linear, transparente, ético, retém também. E retendo um talento, você retém outros também, que percebem que você está conseguindo mantê-los. Vira uma grande bola de neve, e é o que faz o escritório ser bacana. Você só perde o cara que é muito ambicioso, que quer grana mais rápido. Só que para o advogado, a grana vem com mais tempo. Não é como um banco de investimento, mas se pode ganhar bastante. Eu fui, por duas vezes, convidado para trabalhar no Banco Pactual. Em uma delas eu recusei, mas na outra aceitei, e depois voltei atrás. Nunca deixei de ser advogado deles. O que eu gosto mesmo é de ser advogado. Uma mistura de advogado, banqueiro, negociador, reestruturador, conselheiro. 

ConJur — Como manter a proximidade no relacionamento com os clientes em um escritório grande?
Francisco Müssnich — O cliente quer um serviço da melhor qualidade, com o menor custo. Nossa filosofia é dar um serviço de valor agregado, o que torna o custo maior. Meu cliente sabe diferenciar a qualidade do meu serviço da dos outros. Ele é fiel a mim porque ele sabe que o tempo inteiro está recebendo um serviço diferenciado, observado nos mínimos detalhes. Olhamos o negócio do cliente de fato. O cliente não vem para cá para eu fazer o dia-a-dia. Outros escritórios fazem isso. Ele vem porque a gente tem a fama de resolver qualquer problema complexo, e resolvemos mesmo. E o cliente paga satisfeito quando a gente resolve. O duro é cobrar uma conta desse tamanho quando a operação não sai. Mas é claro que, se contratou, é preciso cobrar. 

ConJur — Por que grandes escritórios têm candidatado cada vez mais tributaristas para fazer parte de tribunais administrativos fiscais?
Francisco Müssnich — Pelo mesmo motivo que os escritórios têm pessoas que vão para a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e voltam, vão para o Cade e voltam, vão para outras agências e autarquias e voltam. É uma experiência interessante, boa para os escritórios e bom para o governo, porque areja, dá um equilíbrio maior a esses conselhos. Vejo isso com muita alegria. Esse tipo de treinamento é importante para os advogados, principalmente para quem vai trabalhar na área fiscal. É preciso entender a cabeça do fisco, como funciona a Procuradoria da Fazenda, quais são os maiores erros dos advogados que vão fazer defesa oral. E traz know how para nos ajudar quando precisarmos fazer defesas. Em relação ao Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda], é perceptível que as decisões sobre a mesma matéria dependem da composição. Não está existindo uma uniformidade, o que deixa algumas lacunas e gera certa insegurança tanto para o Estado quanto para os contribuintes. 

ConJur — As restrições da OAB à atuação de escritórios estrangeiros no Brasil fazem sentido em um mundo globalizado?
Francisco Müssnich — A OAB está defendendo o mercado de trabalho dos advogados brasileiros, que tem advogados excelentes, e que investiram muito dinheiro. Não sou contra a concorrência, desde que ela ocorra nos termos da lei. Hoje, um escritório estrangeiro pode estabelecer uma embaixada aqui, e pode dar consultoria em Direito Internacional, se quiser. Basta seguir o provimento da OAB e registrar seus advogados como consultores internacionais. Essa é a regra do jogo. A Índia, por exemplo, não permite advogados estrangeiros. E é muito difícil para um escritório brasileiro ir para Nova York para concorrer com os de lá. Não tem a menor chance. Qual é o escritório brasileiro que está no Chile, na Argentina? Não tem nenhum. O argumento de que precisamos abrir as portas para receber o mesmo tratamento lá fora é só hipotético, não é real. Não dá para você investir, pagar um montão de impostos aqui, depois vir um concorrente seu, que não paga imposto nenhum, que não está sujeito às mesmas regras. 

ConJur — Que área do Direito é hoje mais promissora?
Francisco Müssnich — A societária, relativa a fusões e aquisições. Com o Brasil crescendo, há negócios em todos os segmentos, até mesmo nos micro e pequenos, que necessitam de um advogado. Nesse nicho, ainda são os contadores os responsáveis, porque os empresários ainda não têm a cultura de contar com o advogado. Mas isso está mudando, e tem gente procurando advogado desde o início da empresa, para que ele acompanhe o crescimento, e tenha o histórico quando o negócio for grande. A área fiscal também teve um crescimento muito grande nos últimos tempos, porque há muitas questões sendo submetidas ao Carf. Na área de litígio, a arbitragem é a que mais cresce. Além disso, a criação de fundos e os assuntos ligados à CVM, com defesas administrativas, fizeram com que essa área também crescesse muito. 

ConJur — Conciliar o poder de voto do acionista minoritário e a proteção ao controlador é a grande questão das discussões na área societária?
Francisco Müssnich — O Brasil evoluiu muito na questão do “governo interno”. Eu não gosto da expressão “governança corporativa”, gosto de “governo interno”. É uma expressão portuguesa, que deixa mais claro o sentido da estrutura. “Governança” soa como alguém chamando a governanta para dentro de casa. Hoje, no novo mercado, entram companhias já com o capital disperso, pulverizado. São companhias que não pertenciam a nenhum outro mercado, viraram companhias abertas já com o capital disperso. Por isso, temos hoje uma real valorização das ações ordinárias. Apesar de ações preferenciais estarem sendo cada vez mais turbinadas, enriquecidas, concentradas com direitos, quase que cheias de urânio, ainda falta muito para chegarem lá. Se você me perguntar hoje que cláusula colocaria em um acordo de acionistas se tivesse uma única chance, diria que a drag-along, criando uma obrigação de venda conjunta. Se meu sócio se comporta mal comigo, entrego nós dois a um terceiro. Não há melhor instrumento de alinhamento que esse, que concatena os interesses e os participantes do bloco acionário e equilibra o poder que as duas partes têm, porque dá direitos iguais da chamada obrigação de venda conjunta. 

ConJur — A ideia é manter constantemente o acordo?
Francisco Müssnich — Exatamente. Isso é alinhamento. Você, acionista minoritário, deixa o controlador tocar. Se não está satisfeito com ele, você diz: “Eu vou embora e você também”. Mas acho muito difícil que alguém aceite, porque é uma característica do ser humano não ceder poder. Estou falando muito mais em um mundo ideal, conceitual. 

ConJur — Como manter o sigilo em operações tão importantes quanto às de fusões e aquisições?
Francisco Müssnich — O advogado que trabalha com esse assunto sabe que não pode comprar nenhum tipo de ação, nem conversar sobre o trabalho, nem com a sua mulher. É uma regra que temos aqui. Fazemos operações gigantescas, que estão no mercado todo dia. O acesso também é restrito. Quando chega um cliente novo, passamos um memorando interno para um número pequeno de sócios para saber se existe conflito com outros clientes. Conheço uma história curiosa de um banco que estava em uma operação, e desconfiou de que alguém vazava informações. Ele então mandou quatro informações diferentes para os quatro escritórios de advocacia que trabalhavam no caso, até que veiculou-se uma notícia que citava as informações passadas para um deles. 

ConJur — A Justiça brasileira tem capacidade para resolver esse tipo de situação?
Francisco Müssnich — Negociações como essa são resolvidas por arbitragem. De dez ou 12 anos para cá, todos os meus contratos têm cláusula de arbitragem. A arbitragem tem algumas vantagens. O maior cliente da Justiça é o Estado. É humanamente impossível para um juiz, por mais bem preparado que ele seja, entender de inventário, execução, Direito Societário, concorrência pública. A arbitragem é especializada, focada, com um painel, mais de uma cabeça refletindo sobre o mesmo caso. Há também uma aura de proteção às informações devido à confidencialidade. A arbitragem é a grande reforma do Poder Judiciário, principalmente para as grandes questões econômicas, societárias, de “cachorro grande”. 

ConJur — A arbitragem brasileira está no nível das demais?
Francisco Müssnich — Temos uma arbitragem que cresce, também em número de casos. As câmaras no Brasil estão se preparando para essa nova jornada. Temos a CCI no Brasil, a Câmara Brasil-Canadá, o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem do Rio de Janeiro, a FGV. Em São Paulo há a Câmara da Fiesp, e a da Bolsa de Valores, que está passando por uma completa restauração para arbitragem no novo mercado. Essa precisava realmente de uma dose muito grande de reforma, uma lipoaspiração completa, porque tinha um regulamento muito técnico, muito ruim. É preciso ter um regulamento que dê condições de produzir prova. A nomeação dos árbitros tem que ser um pouco mais séria, mais organizada. 

ConJur — Seus contratos privilegiam a arbitragem brasileira?
Francisco Müssnich — Eu coloco várias arbitragens no Brasil. Quando você negocia com estrangeiro, geralmente não consegue fazer com que prevaleça a sua língua, mas o vernáculo fica em segundo plano. Há arbitragem no Brasil em inglês. Quando não consigo, tenho um viés de ir para a Europa. Paris é um centro muito bom para arbitragem, um país latino. Também aceitaria Londres, mas gosto mais de Paris. 

ConJur — E Nova York?
Francisco Müssnich — A lei americana, para este tipo de questão, é muito bairrista, protege muito o americano. Em matéria societária, a legislação mais evoluída dos Estados Unidos é, disparado, a de Delaware, centro da disputa societária nos Estados Unidos. A Corte de Delaware tem pessoas espetaculares. Para ser juiz lá, é preciso ter sido advogado durante 20 anos na área societária. Poderia ser um exemplo para o Brasil. 

ConJur — Devido às facilidades para se abrir sociedades sem identificação dos sócios, Delaware foi considerado um paraíso fiscal pela Receita Federal brasileira.
Francisco Müssnich — Não é paraíso fiscal, isso é um equívoco. O estado tem tributação acima de 25%, não tem nada de paraíso. Em todo lugar nos Estados Unidos existe a possibilidade de fazer o que eles chamam de LLC [sigla em inglês para companhia de responsabilidade limitada], como na Califórnia, no Arizona, em Nova Iorque, Washington. O LLC de Delaware é mais usado porque as leis societárias são mais flexíveis. A LLC é uma entidade transparente, é o que chamamos de see through, você “vê através”. É um tipo diferente do que existe aqui, se assemelharia quase a uma sociedade em nome coletivo. Há como que uma transparência do sócio em relação à pessoa jurídica, digamos assim. 

ConJur — Existe a possibilidade de a jurisprudência arbitral vir a ser mais conhecida, a despeito das regras de confidencialidade?
Francisco Müssnich — Tecnicamente, não existe sigilo em arbitragem. O sigilo quem faz é a própria parte. O que existe é cláusula de proteção às informações. Já há algumas decisões publicadas, e as pessoas sabem quais são elas. Os advogados conhecem e circulam, então a jurisprudência se torna pública por outros meios. Há também ementários que as pessoas conhecem, mas sem identificar as partes. As pessoas vão transmitindo isso dentro do ambiente arbitral. Quem faz arbitragem conhece a jurisprudência. 

ConJur — Quando foi que o senhor escolheu a área societária como foco na profissão?
Francisco Müssnich — Comecei minha carreira trabalhando no foro. Davam-me muitas pesquisas para fazer, e eu gostava muito de Direito Tributário. Fui advogado fiscal durante 15 anos, fazendo defesa de contribuinte sobre Imposto de Renda, ISS e ICMS — que naquela época chamava ICM —, com sustentações orais em vários tribunais administrativos e judiciais. Depois comecei a trabalhar com essa parte societária, e fui evoluindo. Então passei a gostar de fazer oferta takeover [mudança de controle societário pela compra de ações, de forma amigável ou hostil]. Defendi muitos takeover. É uma das coisas que mais gosto de fazer. Às vezes isso é difícil quando há forças ocultas ou interesse governamental. 

ConJur — E quando decidiu fazer Direito?
Francisco Müssnich — Ainda pequenininho. Fui o orador da minha turma no colégio e na faculdade. Sempre defendi os fracos e oprimidos, sempre tive essa liderança. A palavra para mim era um instrumento poderoso. Também sempre escrevi muito bem e li muito. E troco tudo por um debate. Brinco com meus colegas do escritório que, às vezes, é melhor o problema que a solução.

ConJur — Em seu livro Cartas a um Jovem Advogado, o senhor diz que o advogado precisa ser bom em Matemática. Por quê?
Francisco Müssnich — Isso é fundamental, não apenas para calcular uma conversão de debêntures, a taxa de juros de caixa de uma companhia, algum índice de aumento de capital ou um bônus de inscrição. A Matemática dá uma enorme capacidade de raciocínio, uma vantagem inigualável. Escolher o Direito porque se odeia Matemática é uma estupidez monumental. 

ConJur — No livro, o senhor faz uma série de recomendações ao profissional recém-formado. Acrescentaria algo?
Francisco Müssnich — Uma coisa que talvez não tenha explorado tanto é o fato de que existe lugar ao sol para todos. Você pode conseguir tudo sendo um grande advogado e deixando que outros colegas seus, tão bons quanto você, também sejam. Isso é o que faz a diferença, você ter essa segurança do seu conhecimento, da sua capacidade, e admirar e respeitar o seu colega, que tem algo muito similar ao seu. 

ConJur — A concorrência na profissão é muito agressiva?
Francisco Müssnich — Bastante. Mas não tenho esse problema. Eu participo de qualquer mercado. Se quiser ir para um duelo comigo e me der a faca, eu luto com faca. Se quiser metralhadora, luto com metralhadora. 

ConJur — Como manter o respeito na hora da disputa?
Francisco Müssnich — Dentro do escritório, quem sabe de um caso deve compartilhar com o colega. Aprendeu alguma coisa, compartilhe. Isso faz o time, não existe ninguém sozinho. Quem joga futebol tem essa percepção muito claramente. Se o cara é “fominha”, já escuta: “passa a bola, rapaz!” Do ponto de vista cultural, talvez jogar futebol faça do brasileiro um povo mais solidário. Estou lançando aqui uma teoria antropológica, mas possivelmente isso tenha alguma ligação (risos).

ConJur — A paixão pelo futebol foi o que o levou a entrar no Superior Tribunal de Justiça Desportiva?
Francisco Müssnich — Essa realmente é uma prova de loucura. Fui convidado para integrar o tribunal porque ele estava em um momento de crise. Foi uma briga para eu tomar posse, o que só aconteceu depois que se pacificou tudo, seis meses depois da minha indicação. Não pedi nada, não fazia parte da minha agenda. Mas vou dizer: eu adoro aquilo, é algo que faço com prazer, levo a sério para burro, tenho milhões de votos. Também tenho uma equipe excelente que me ajuda a ser um bom juiz no pleno.

ConJur — O senhor se dedicou também ao Código de Justiça Desportiva. Como foi?
Francisco Müssnich — Por indicação do ministro Orlando Silva [Esportes], fui um dos relatores do Código. Fizemos a transação desportiva, que vem sendo aplicada com sucesso. Mudou também o conceito de faltas, as penalidades estão mais razoáveis, não são mais aplicadas por prazo, só por partidas, o que é uma diferença muito grande. 

ConJur — A Justiça Desportiva tem ganhado prestígio?
Francisco Müssnich — Pela Constituição Federal, a nossa Justiça tem uma situação privilegiada. Ela é reconhecida até pelo Supremo Tribunal Federal, que conhece nossa celeridade. O STJD é um tribunal extremamente sério e atuante. As pessoas acham que a Justiça Desportiva é um negócio novo, uma área nova do Direito. Isso ela é, mas com um alcance mais limitado. Não trata da construção de um estádio. Trata da transferência de atletas, das punições, discussões na Fifa. 

ConJur — Como responsável pela assessoria jurídica da Copa para a CBF, diria que existe risco de a administração pública ter de assumir responsabilidades não previstas nos investimentos para a Copa do Mundo de 2014?
Francisco Müssnich — A Copa é 100% um evento privado. A Fifa é detentora dos direitos da Copa do Mundo. Tudo que estiver relacionado à organização da Copa não tem nada a ver com o Estado. Mas existe uma norma negociada entre a Fifa e o governo que resulta de compromissos previamente assumidos para se sediar a Copa do Mundo. O governo está cumprindo tudo o que contratou. Outra questão é como se alinha interesses do país com os da Fifa. O Brasil tem que ter estádios, mas a Fifa não quer que eles virem um elefante branco depois da Copa. Então, devem ter alguma função econômica. É preciso ter transporte, segurança, aeroportos e infraestrutura. Então, não existe Copa do Mundo, mesmo sendo ela privada, sem que o governo faça a parte que lhe cabe. 

ConJur — Quando Daniel Dantas foi demonizado pela mídia, o senhor  disse que tudo ia se esclarecer como uma grande perseguição. Hoje, temos no Supremo um inquérito para apurar uma suposta indução privada na operação Satiagraha, e um pedido de Habeas Corpus alegando a suspeição do juiz do caso. Os fatos serão finalmente esclarecidos?
Francisco Müssnich — Existe uma questão ideológica com relação a esse assunto. O tempo está esclarecendo, e isso é muito claro. O Daniel foi usado de maneira torpe e covarde como o demônio da privatização. Esses HCs todos que ele tem vão dar ganho de causa a ele. O bem vence o mal sempre, eu acredito nisso. O Supremo é um tribunal seríssimo, competentíssimo.

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