Escravos da droga

No Rio, Judiciário manda estado internar dependentes

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3 de junho de 2011, 8h35

Para combater os efeitos das drogas na cidade, a prefeitura do Rio de Janeiro decidiu internar compulsoriamente em clínicas de reabilitação crianças e adolescentes viciados em drogas. Tal medida já tem sido adotada pelo Judiciário, que vem obrigando o Estado a internar dependentes que rejeitam tratamento. Provocados por parentes assistidos pela Defensoria Pública fluminense, os juízes de Vara de Fazenda Pública do Rio têm entendido que entre uma "aparente" liberdade da pessoa e o direito à saúde, prevalece o último.

Ao se deparar com a questão, o juiz Ricardo Starling, da 13ª Vara de Fazenda Pública, ressaltou que o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que é preciso parecer médico atestando a necessidade de internação compulsória e que esta deveria ser usada como último recurso. A questão que se coloca, segundo Starling, é se o Judiciário pode conduzir um dependente até uma clínica para que seja realizado um exame detalhado.

"No caso de dependentes de crack, é aparente o conflito entre a liberdade e a saúde. Na verdade, a liberdade do viciado em crack já está restringida pela droga. O viciado é um escravo da substância entorpecente. Não consegue se autodeterminar, apenas tenta desesperadamente suprir a necessidade da referida substância. Se a liberdade já está restringida, nada impede que o estado ou o município o conduza para uma clínica para realizar um exame médico detalhado", disse na decisão.

Ao julgar o caso em que a avó pedia a internação da neta, viciada em crack, além de remédio para o tratamento, o juiz considerou que havia fortes indícios de que a jovem já não consegue se autodeterminar. Antes de avaliar a possibilidade da internação compulsória, entende o juiz, é preciso que a mulher seja submetida a um exame por clínica especializada da rede pública e que seja oferecida a ela a internação de forma voluntária.

"Constatado, no referido exame médico, a ausência da liberdade em virtude do grau de dependência, e a necessidade de tratamento para salvar a vida da ré, esta deve ser imediatamente encaminhada para internação em clínica ou estabelecimento público especializado ou, na ausência destes, em clínica particular às custas do Poder Público", considerou na decisão.

O juiz levou em conta um laudo emitido por uma psicóloga do Centro Estadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos da Secretaria Estadual de Saúde do Rio, que aponta a situação de risco da jovem, e o fato de já ter sido feita tentativa de internação voluntária sem sucesso.

Também fez uma analogia entre as situações de dependentes químicos e de pessoas portadoras de transtornos mentais. "A Lei 10.216/2001 prevê a internação compulsória como forma de proteção às pessoas portadoras de transtornos mentais, sem fazer qualquer restrição ao fato da pessoa ser maior de idade, e sem indicar a necessidade de prévia interdição."

O juiz entendeu que é possível aplicar tal lei dependendo do grau de dependência do usuário. "O transtorno mental é um dos efeitos do consumo de tal substância, sendo tratada pelo Ministério da Saúde como questão que afeta a saúde mental." Na decisão, o juiz também chama a atenção para o aumento do consumo de crack.

A mesma solução foi adotada pelo juiz João Felipe Mourão, 4ª Vara de Fazenda Pública do Rio, ao julgar um pedido da mãe que recorreu à Justiça para que o filho fosse internado de forma compulsória. O juiz determinou que o estado e município conduzissem, ainda que contra a vontade, o dependente para fazer exames médicos e psicológicos.

Já em outro processo, o juízo da 1ª Vara de Fazenda Pública também determinou a internação de um menor cuja mãe ingressou com ação no Judiciário pedindo a internação compulsória do dependente. Embora não houvesse laudo, o juiz levou em conta informações da ONG onde ele ficou internado por determinado período. O juiz Luiz Henrique Marques aplicou a Constituição no que se refere ao direito à saúde e dever do Estado de, através de políticas públicas, reduzir o risco de doenças.

Tratamento prolongado
No Tribunal de Justiça, o desembargador Carlos Santos de Oliveira, da 9ª Câmara Cível, manteve decisão da 5ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes (RJ). Ele considerou atestados médicos emitidos pelo Sistema Único de Saúde que comprovavam a dependência em crack. 

O TJ-RJ também já apreciou a limitação pelo plano de saúde do prazo de internação de dependente químico. Na ocasião, a Unimed Rio recorreu de uma decisão de primeira instância que havia garantido ao segurado cobertura de internação superior aos 15 dias por ano previsto pelo plano.

A empresa argumentou que a Resolução 11, do Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu), permitia limitar o tempo de internação hospitalar em casos de tratamento de dependência química.

O desembargador Marcelo Buhatem, relator do recurso, entendeu que se a própria lei não estabelece limite de tempo para a cobertura de internação de pacientes, não é uma resolução que estabelecerá. A decisão do relator foi confirmada pelos integrantes da 4ª Câmara Cível.

"Como visto, o consumo de drogas e as farmacodependências refletem, em larga escala, um grave problema social e de saúde pública, sendo que restringir o tratamento desta doença, através de cláusulas contratuais limitativas do tempo de internação do segurado, é fazer, sem sombra de dúvidas, com que o contrato de plano de saúde não atinja sua almejada função social", disse, depois de citar números sobre o problema.

Política pública
Nesta quinta-feira (2/6), a juíza Ivone Caetano, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio, afirmou, em entrevista coletiva, que, quando se trata de criança e adolescente, é desfavorável ao direito de ir e vir. Segundo reportagem da Veja, a juíza disse que concorda com o tratamento impositivo. "É a única forma de se tentar salvar uma vida", disse.

O Ministério Público também divulgou nota em que manifesta a concordância com a iniciativa da prefeitura do Rio. A promotora de Justiça Ana Cristina Huth Macedo afirmou que o MP não vislumbra irregularidade na proposta. "Esta é uma medida em prol da vida da criança e do adolescente. Se a família não é capaz de agir, somos obrigados", disse.

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