Nova Justiça

É preciso impor limites para a subida dos processos

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  • Pablo Cerdeira

    é advogado e professor de Evolução Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

20 de julho de 2011, 19h03

Spacca
Caricatura: Pablo Cerdeira - Colunista - Spacca

Que o Poder Judiciário brasileiro está atolado em processos, não é nenhuma novidade. Mas isso não é uma jabuticaba. Diversos outros países enfrentam problemas semelhantes. Exemplo crítico é a Índia, comumente agrupada ao Brasil em análises econômicas como membro do BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China.

Segundo estudo elaborado por Amanda Dudenhoeffer, aluna da FGV Direito Rio e que integra a equipe de pesquisadores do Supremo em Número, para dar conta do estoque de cerca de 45 mil casos acumulados, os ministros da Suprema Corte indiana precisariam de 320 anos de julgamentos sem receber novos processos. Apesar de impressionante, esse número é pouco mais de metade da quantidade de processos acumulados em nosso STF: aproximadamente 83 mil.

Com seis vezes mais habitantes que o Brasil (1,2 bilhão contra 200 milhões), o acúmulo de processos na Suprema Corte indiana pode ser considerado “pequeno”, ao menos em termos relativos quando comparado ao brasileiro. Mas isso demonstra que a Índia tem um sistema judicial mais eficiente que o nosso? E por quê?

Antes de responder a essas duas questões, é preciso notar que apesar de, em termos populacionais, a Índia ser muito diferente do Brasil, sua estrutura judiciária guarda fortes semelhanças à nossa, ao menos no que toca à Suprema Corte. Assim como aqui, lá a corte constitucional também tem competência para controle concentrado e difuso. Ou seja, julga processos de interesse geral e processos de interesse particular incluindo todas as matérias de direito. Tal qual no Brasil — conforme demonstraremos no II Relatório Supremo em Números, existem muitas decisões relacionadas a peculiaridades regionais que terminam por desaguar na Corte Suprema.

Mas as semelhanças param por aí.

Entre os dois países existem profundas diferenças. Com relação ao número de casos novos recebidos para julgamento por ano, a Suprema Corte da Índia contou “apenas” pouco menos de 7 mil em 2007, enquanto nosso STF recebe mais de 30 mil.

Diversos fatores — sociais, culturais, econômicos — influenciam para que a Suprema Corte indiana, que atende uma população seis vezes maior que a brasileira, receba menos de 25% dos processos do STF. Mas um dado específico chama a atenção: a quantidade de magistrados por habitante. Enquanto “países desenvolvidos” têm mais de 100 magistrados para cada milhão de habitantes, a Índia tem apenas 13,5. O Brasil está na média internacional, com 80. Neste quesito o Brasil está, inegavelmente, em vantagem com relação à Índia.

O aumento da oferta jurisdicional, especialmente nas instâncias inferiores, como já vimos ocorrer no Brasil, por vezes, ao invés de reduzir os processos no STF, terminam por produzir o efeito inverso. Trata-se da chamada “demanda reprimida”. Já vimos isso acontecer com os Juizados Especiais, por exemplo, que terminaram por gerar aumento da demanda no Supremo.

Mas outro dado conexo ao número de magistrados por habitante também merece nota: segundo a experiência indiana, o incremento no número de ministros da Corte Constitucional não resultou em redução no número de processos em estoque. A Suprema Corte indiana passou gradativamente de uma composição de 7 para 29 ministros, e seu acúmulo de processos não foi reduzido.

Os dados comparativos entre Brasil e Índia demonstram a existência de uma relação curiosa entre magistrados e habitantes: por um lado, o número muito baixo de juízes nas instâncias inferiores pode resultar em um artificial número baixo de processos na Corte Suprema, como ocorre na Índia. Por outro, o aumento no número de ministros na Suprema Corte, isoladamente, não parece ser capaz de sanar o problema gerado por uma entrada de processos maior do que a saída.

Pode-se, portanto, mapear algumas premissas e uma conclusão:
(i) se o Brasil ainda precisa aumentar em 25% o número de magistrados para chegar à proporção ideal de 100 juízes para cada 1 milhão de habitantes, atendendo assim à demanda social por justiça;

(ii) se, como demonstra a Índia e outros casos brasileiros, isso impactará no número de casos que chegam até a Suprema Corte;

(iii) se o aumento de ministros nas Cortes não impacta na redução de casos aguardando julgamento, também como vimos de dados indianos, não trazendo mais celeridade ao sistema;

Então, pode-se concluir que a solução para sociedades complexas e de grande população, como a indiana e a brasileira, passa por modificações na lógica judicial, e não apenas por reformas pontuais. Em ambos os casos, tanto no Brasil como, especialmente, na Índia, é preciso alargar a base da pirâmide judicial, o primeiro atendimento, o judiciário de instâncias inferiores, garantindo oferta. Mas é preciso também, em paralelo, impor alguns limites até onde as discussões podem ser levadas, sob pena de se sobrecarregar o topo da pirâmide. Sobrecarga esta que não parece sanável nem mesmo com a multiplicação no número de ministros.

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    é advogado e professor de Evolução, Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

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