Conflito de métodos

Desembargador do TJ-SP contesta mutirão do CNJ

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19 de julho de 2011, 22h00

Um curto circuito entre os organizadores do mutirão carcerário provocou o pedido de afastamento do desembargador Fábio Gouvêa, da Coordenadoria Criminal e de Execuções Criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo. O mutirão está programado para começar nesta quarta-feira (20/7) em São Paulo, sob o comando do Conselho Nacional de Justiça. O Conselho pretende verificar os processos de presos do regime fechado. De acordo com o desembargador, o novo mutirão poderá colocar em liberdade presos que cometeram crimes graves e que sequer passaram pelo regime semiaberto.

Fábio Gouvêa entregou carta de afastamento da coordenadoria ao presidente do Tribunal de Justiça. No documento, ele pede "a cessação" de sua "designação" do cargo. Explica que o motivo da saída é a discordância "em gênero, número e grau" da metodologia do CNJ para a execução do mutirão carcerário em São Paulo. A Justiça paulista já vinha realizando mutirões de presos desde pelo menos 2008. Nos últimos três meses colocou nas ruas pelos menos cinco mil presos que cumpriam pena no regime semiaberto. O estado reúne a maior população carcerária do país, com 170 mil presos. Um em cada três presos brasileiros cumpre pena em São Paulo.

Parte do grupo comandado pelo desembargador Fábio Gouvêa, discorda da proposta do CNJ que, ao contrário da política posta em prática pela Coordenadoria Criminal e de Execuções, quer realizar mutirão entre os presos do regime fechado. De acordo com o desembargador, o novo mutirão poderá colocar em liberdade presos que cometeram crimes graves e que sequer passaram pelo regime semiaberto. Esse regime de cumprimento de pena é uma espécie de corredor intermediário que avalia a condição de cada preso para ganhar o regime aberto e iniciar a volta à liberdade.

"O mutirão carcerário tem uma ótica distorcida", afirmou Fábio Gouvêa. "O CNJ jamais enfrentou uma realidade penitenciária como a de São Paulo com mais de 170 mil presos", continuou o desembargador. "Temo que com a metodologia do CNJ, da qual discordo, a sociedade seja prejudicada com a saída abrupta de pessoas que não tem a menor condição de voltar à liberdade", concluiu Fábio Gouvêa.

O conselheiro Walter Nunes, do CNJ, diz que não há sentido em fazer mutirão com presos do regime semiaberto se esse trabalho foi feito recentemento pela força-tarefa do Tribunal de Justiça. Nunes disse que desconhecia qualquer divergência com a metodologia aplicada pelo CNJ. "O método de condução dos mutirões carcerários é único para todo o país", afirmou Nunes.

"Para nós, o mutirão carcerário no estado de São Paulo é um grande desafio, que levou a mobilização de uma grande equipe e, por conta dessa realidade singular de São Paulo possuir a maior população carcerária, estamos prevendo um trabalho de pelo menos cinco meses", destacou Nunes.

Mutirão carcerário
Pela metodologia de trabalho do CNJ, pelo menos 50 mil presos podem ganhar as ruas nos próximos cinco meses no estado de São Paulo. A partir desta quarta-feira, juízes, promotores e defensores públicos começam o mutirão carcerário, que pode durar até o final do ano. A força-tarefa vai avaliar a situação de 94 mil condenados em regime fechado e que cumprem pena em presídios paulistas. Parte desses presos poderá ganhar o direito à liberdade.

Coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, o mutirão envolverá uma estrutura sem precedentes. O conselheiro Walter Nunes, do CNJ, afirmou que a expectativa é a de que a operação leve cinco meses. Dezessete juízes e 50 funcionários do Judiciário vão analisar cerca de 94 mil processos. Também estão previstas inspeções em 149 presídios do estado de São Paulo.

"Será um trabalho longo. São Paulo é o maior desafio a ser enfrentado em termos de mutirão", afirmou Nunes. O conselheiro disse que não é possível ainda fazer estimativas sobre quantos presos poderão ser beneficiados pela operação. A quantidade de presos (170 mil) equivale à quantidade de detentos existentes na Inglaterra e no País de Gales, somados. Um em cada três presos brasileiros cumpre pena em uma casa prisional paulista.

A expectativa é de que o trabalho dure cinco meses, outro recorde. "Em geral, os mutirões carcerários duram um mês. A previsão é de que a mobilização dure até 20 de dezembro", afirma o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF/CNJ), juiz Luciano Losekann.

De 2008, quando os mutirões foram criados, até agora, o CNJ já analisou 276 mil processos no Brasil. De acordo com informações do Conselho, foram liberados nos mutirões ao todo 30,5 mil presos, número que representa 11% do total de processos avaliados. Outros benefícios foram concedidos a 56,1 mil presos.

Nunes disse que a resistência inicial de parte dos juízes ao mutirão já foi resolvida. "Às vezes, alguns juízes ficam mais melindrados. Depois que se faz uma reunião interna, se explica a metodologia, a resistência desaparece. Inicialmente fica se pensando que vem juiz de fora para rever as decisões. Mas isso não acontece."

O primeiro mutirão carcerário com apoio do CNJ em São Paulo aconteceu há dois anos, em julho de 2009, na região de Campinas. Na época, a corte de Justiça paulista destacou os juízes Paulo Sorci (da 5ª Vara das Execuções Criminais da Capital), Geraldo Lanfredi (2ª Vara das Execuções Criminais da Taubaté) e Davi Márcio (da 1ª Vara das Execuções Criminais de Bauru). O trabalho feito pelo Judiciário paulista levou o Conselho Nacional de Justiça a convidar o juiz Paulo Sorci para ajudar nos mutirões do CNJ. 

O trabalho levou a abertura de cerca de duas mil vagas no sistema penitenciário da região, que tem uma população carcerária estimada em 20 mil detentos. Os benefícios dados foram de progressão de regime, liberdade e redução da pena. Das decisões dadas no mutirão, cabe recurso (Agravo em Execução) ao Tribunal de Justiça. 

Um juiz paulista afirmou que o mutirão carcerário não é ideia nova, nem original e que desde 2008, o Judiciário paulista vem realizando com frequência esse trabalho. Naquele ano, o TJ paulista fez mutirão nas regiões de Taubaté, Jundiaí e Ribeirão Preto. A revisão da situação dos presos levou a abertura de 3.784 vagas no sistema prisional. O trabalho foi feito em 119 dias úteis, quando foram analisados 12.671 processos. 

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