Justiça Tributária

Somente aplicar a lei pode não ser razoável

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

11 de julho de 2011, 16h30

Spacca
Caricatura: Raul Haidar - Colunista - SpaccaJustiça é algo muito simples: basta dar a cada um o que é seu. Isso vale em qualquer época ou situação. Se de fato estamos num estado democrático de direito, todos devemos obediência à Constituição. Os advogados juram tal obediência na colação de grau e o repetem ao ingressar na OAB. Políticos também fazem o juramento.

Tudo isso parece óbvio, mas em diversas situações práticas servidores públicos e mesmo operadores do direito (juizes, procuradres, delegados) desejosos de cumprir a lei ignoram normas claras da Constituição ou lhes dão interpretações equivocadas. Isso precisa mudar até mesmo para reduzir o volume de recursos às instâncias superiores.

A Constituição tem como cláusula pétrea (art. 5º , LXXVIII) norma que garante a todos, no âmbito judicial e administrativo…a razoável duração do processo. Assim, qualquer lei ou decisão que admita uma duração ilimitada do processo é absolutamente inconstitucional. O servidor ou autoridade que guarda processos em seu armário a ponto de permitir ou viabilizar sua prescrição, comete ato em desacordo com a norma. Isso sem falarmos na possibilidade de ser o processo engavetado para atender a interesses ilegais.

Na área tributária, há inúmeros exemplos de processos que ainda hoje demoram mais que o razoável, ignorando o princípio da razoabilidade, já presente no sistema constitucional brasileiro há muito tempo. Chega de teoria. Vamos aos casos concretos.

Processo administrativo
Indústria de São Paulo defendeu-se face a auto de infração de ICMS e seu processo administrativo levou 15 (quinze) anos para ser julgado pelo TIT (Tribunal de Impostos e Taxas). Na execução fiscal, o contribuinte teve bens penhorados e invocou a prescrição intercorrente, mas o Tribunal de Justiça não a reconheceu. Admitiu-se que o tribunal administrativo julga quando quiser! Se isso é legal, é imoral. A jurisprudência, contudo, tem registrado que:

“PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO-ARTIGO 151, III, CTN – Durante a reclamação ou recurso administrativo , está suspensa a exigibilidade do credito administrativo, não correndo prescrição – Entretanto, quando se está diante de incomum inércia, com a paralisação incompreensível do procedimento durante sete anos, sob pena de se aceitar a própria imprescritibilidade, não há como deixar de reconhecer a prescrição.”(TJRS-Ap. 597200054, Rel. Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa)

Execução fiscal
Os casos mais comuns quanto ao processo judicial ocorrem nas execuções fiscais. Empresa comercial paulistana, desativada há alguns anos, tem diversas execuções ainda pendentes. Recentemente um dos sócios, depois de ter bloqueados valores disponíveis em sua conta, ingressou no feito pedindo unificação dos processos e o reconhecimento da prescrição em todos eles. O caso ainda não tem solução. O sócio, que tem 80 anos de idade, espera viver o suficiente para não deixar a encrenca para suas filhas. Encrenca que não existiria se aqueles princípios fossem corretamente aplicados.

Multas prescrevem em 5 anos
A lei pode ser mal feita, mas não ser mal aplicada. Quem faz a lei é povo por meio do Legislativo, onde não existe necessidade de grandes conhecimentos técnicos ou jurídicos. Mas o Executivo não pode sancionar uma lei ruim, abrindo mão do poder de veto, e depois dizer que o Legislativo é culpado. Nesse e na maioria dos casos encontrar o culpado não resolve o problema. Cabe ao intérprete da lei interpretá-la e para isso há no CTN (Código Tributário Nacional) um capítulo inteiro (arts. 107 a 112) que trata exatamente disso. A analogia é um dos instrumentos que o CTN autoriza e que podem auxiliar o estudioso que queira realmente dar a cada um o que é seu. Se a lei devesse ser aplicada ao pé da letra, máquinas poderiam decidir processos e gorilas alfabetizados poderiam também julgar.

Exatamente por isso chamamos a atenção dos leitores para uma interpretação errada da lei, que ocorre especialmente no âmbito das prefeituras e das chamadas agencias reguladoras (Subab, p.ex.) , que procuram receber multas antigas, dizendo que a prescrição só atinge tributos. Para não cansar ninguém, vai um exemplo de decisão:

O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 280.229-RJ, julgado em 16/4/2002, sendo Relatora a Min. Eliana Calmon, decidiu que:

“Não tem aplicação à hipótese dos autos a prescrição constante do Código Civil, porque relação de direito material que deu origem ao crédito em cobrança foi uma relação de Direito Público, em que o Estado, com o seu jus imperii, impôs ao contribuinte multa por infração. Pode-se perfeitamente afastar da disciplina jurídica o Código Tributário Nacional, mas não se pode olvidar a existência do Decreto nº 20.190 de 6/1/1932, que estabelece a prescrição qüinqüenal para as dívidas dos Estados.”

Parece que falta a muitos operadores do direito um interesse maior em obter Justiça. Se assim for, é muito triste. Advogados são essenciais para ajudar na administração da Justiça, da qual somos instrumentos. Já os demais integrantes das carreiras jurídicas são pagos para isso e juraram defender a Constituição. Simples assim.

Autores

  • é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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