ato jurídico perfeito

Verdade real se sobrepõe a coisa julgada

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

9 de julho de 2011, 12h21

[Artigo publicado na coluna Letras Jurídicas do jornal Folha de S. Paulo de 9 de julho de 2011.]

Em decisão recente do Supremo Tribunal Federal, como relator o ministro Dias Toffoli, surgiu situação em que os princípios da coisa julgada, dos direitos da personalidade e da verdade incontroversa estiveram em confronto.

O processo correu em segredo de Justiça, mas foi possível saber, sem identificar as partes, que, numa primeira ação de investigação de paternidade, o mérito não veio a ser apreciado porque a perícia do DNA não foi realizada. Aconteceu que o custeio da prova não foi satisfeito por aquele ao qual a paternidade foi atribuída.

Para o leitor não ligado aos assuntos do Direito Processual, cabe lembrar que, às vezes, ocorre que o julgamento não chega à essência da questão debatida por impedimentos próprios do processo, sem dizer, assim, quem tem razão. Em concreto, resultou desse defeito, a matéria constitucional submetida à Corte Suprema.

Na investigação da paternidade, os tribunais têm aceitado o exame de DNA, sigla em inglês tirada do nome do elemento probante (em português seria ADN, correspondendo a ácido desoxirribonucleico) para comprovar ou negar a paternidade alegada.

O exame científico, a que se destina, verifica se houve a transmissão de dados hereditários do apontado ascendente, a quem se diga seu descendente. Permite definir se a filiação existe ou não.

As variáveis suscitadas são numerosas. Servem de exemplo a família de diretores do jornal "Clarín", de Buenos Aires, e o suposto terceiro filho do príncipe de Mônaco, que ele ainda não reconheceu.

Há até referências no mundo do Direito a casos em que o homem reconheceu o filho, independentemente da prova do DNA, a qual, realizada posteriormente, não confirmou a paternidade. Em outros, o suposto pai, depois da realização da prova, soube que os elementos nela utilizados não eram seus.

Na questão submetida ao STF, distribuída ao ministro Toffoli, o autor, depois da ação em que não conseguiu custear a perícia, moveu outro processo, no qual o resultado do DNA evidenciou que o pretenso filho não tinha vínculo de sangue com o peticionário. Este, mesmo assim, viu-se vencido na instância estadual, sob a alegação de que a paternidade reconhecida é irrevogável, nos termos que o Código Civil acolheu nos artigos 11, 1.609 e 1.610.

A jurisprudência vem sendo formada por série expressiva de diversas situações de fato, algumas das quais até põem a perícia em questão, à vista do modo em que se desenvolveu. No caso recente, decidido pelo STF, discutiu-se questão no qual aquele que foi tido por herdeiro de um alegado pai teve acolhida sua pretensão.

Todavia a prova científica, afinal realizada, mostrou que não existia a relação paterno-filial entre as partes envolvidas, como autor e réu.

Confirmada a negativa da paternidade, registrou-se o choque entre dois princípios: o do ato jurídico perfeito (reconhecimento aceito pelo pretenso pai), ou da coisa julgada (o acusado não desconstituiu a alegação da mãe da criança, em nome de seu filho) com o princípio da verdade incontroversa.

O suposto pai terminou vitorioso porque a verdade real predominou. Afastou- se a coisa julgada anterior para reconhecer a inexistência de paternidade alegada, que ofendia direito fundamental da personalidade do recorrente.

Autores

  • Brave

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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