PEC dos recursos

As desigualdades nas PECs dos Recursos

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9 de julho de 2011, 10h31

O substitutivo à PEC dos recursos apresentado pelo senador Aloysio Nunes Ferreira trata de forma especial os políticos que são detentores de mandatos e de cargos públicos. Para estes, as decisões dos tribunais em ação criminal não serão imediatamente cumpridas, diferentemente do previsto para os demais brasileiros, que ficarão inteiramente à mercê dos julgados estaduais.

A PEC dos recursos impõe que as decisões dos tribunais estaduais sejam cumpridas imediatamente, mesmo quando interpostos recursos aos tribunais superiores. O substitutivo do senador paulista institui recurso ordinário ao STJ e ao STF contra as decisões dos tribunais estaduais que condenarem criminalmente quem possui foro privilegiado, como prefeitos, secretários de estado, governadores e deputados estaduais.

Com todas as letras, o parecer do senador anuncia “o único reparo a fazer é que, com respeito às hipóteses de foro especial por prerrogativa de função, a antecipação do trânsito em julgado poderia fragilizar o duplo grau de jurisdição”. Em outras palavras, para os políticos a decisão dos tribunais estaduais não será cumprida de imediato. Isso valerá apenas ao cidadão comum.

O argumento da necessidade do duplo grau de jurisdição não prospera, basta ver que o STF julga em instância única diversas autoridades, como os próprios senadores e deputados federais. O substitutivo possui, em verdade, uma mensagem implícita, a de que a justiça estadual pode até ser a última palavra para os brasileiros, excetuando aqueles que necessitam de uma proteção especial, os detentores de cargos e mandatos públicos. Uma justiça para todos e outra, diferente, para os políticos. Uma república que promete constitucionalmente aplicar o princípio da igualdade não pode ter tamanha distorção no tratamento dos nacionais.

Nesse sentido, a PEC dos recursos não terá aplicação para os políticos. Eles aprovam a idéia de retirar a eficácia dos recursos, desde que haja essa proteção a seus próprios interesses. Além dos políticos, também ficam “a salvo” dos efeitos da proposta os desembargadores dos tribunais, os juízes de direito e os membros do Ministério Público, também detentores de prerrogativas de foro nos processos criminais. Isso por si só demonstra a fragilidade e impropriedade da aludida proposta.

Merece destaque também que o aludido substitutivo proíbe que o Ministro do STJ ou do STF possa suspender o cumprimento de decisão de tribunal estadual, ainda que abusiva e absurda. Exemplificando para melhor compreender, se o tribunal determinar indevidamente o seqüestro da conta de uma pessoa ou mandar transferir definitivamente um bem, mesmo que o cidadão vitima do erro judiciário demonstre no recurso que essa decisão é completamente indevida, ela será cumprida. Isso porque, pelo substitutivo, apenas o órgão colegiado do tribunal superior poderia suspender tal decisão. Quem entende um pouco de funcionamento dos tribunais, sabe que não haverá tempo hábil para o colegiado se reunir antes do dinheiro ser levantado ou o bem transferido.

Não se pode esquecer que o advento das Súmulas Vinculantes, Repercussão Geral e Julgamento de Recursos Repetitivos, vem diminuindo o número de recursos nos tribunais. O novo CPC, aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara, também possui medidas adequadas para acelerar o processo, como o aumento do valor da multa por recursos protelatórios e a submissão do efeito suspensivo dos recursos ao crivo do relator nos tribunais.

O Judiciário mais necessita de um choque de gestão que prime pelo planejamento e transparência do que medidas milagrosas que cerceiam direitos do cidadão. O funcionamento em dois turnos, o trabalho de segunda a sexta e apenas trinta dias de férias por ano são exemplos do que poderia ser implantado para agilizar os julgamentos. E, como proposto pelo Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB, a fixação de prazos obrigatórios para os tribunais apreciarem os recursos.

O direito a ampla defesa, cláusula pétrea constitucional, e, portanto, inalterável, inclui o acesso a recurso eficaz. Isso significa a possibilidade de se proteger contra os absurdos judiciários. Pouco adianta a existência dos recursos se eles não possuem eficácia para conter os abusos. E, o que é mais importante, tal direito não pode ser assegurado apenas aos políticos, retirando-o do cidadão.

O substitutivo do senador Aloysio Nunes, data vênia, não possui o espírito republicano que se espera dos representantes do povo em tempos atuais. A sociedade não aceitará tamanha desigualdade, quando se pretende que as decisões dos tribunais estaduais sejam aplicadas a todos, excetuando os senhores doutores políticos e autoridades condenados em ações penais. Uma justiça para mim e outra para você não é tolerável em um Estado que se diz democrático e de direito. Tal privilégio injustificado se constitui em mais uma razão para a rejeição completa da malsinada proposta que retira o direito do cidadão ao recurso eficaz contra abusos judiciários.

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