Letras Jurídicas

Oração aos Moços e o processo judicial eletrônico

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4 de julho de 2011, 15h55

Spacca
Robson Pereira - Coluna - Spacca - Spacca

Se fosse uma entidade criada para representar os cidadãos que buscam a via judicial para a garantia dos seus direitos, a fictícia Associação Nacional dos Usuários de Justiça seria a maior do país em números de filiados. E uma das mais poderosas também. Hoje, contabilizando-se apenas os sócios ativos, seriam perto de 20 milhões. Talvez perdesse para a soma de todas as associações de defesa do consumidor, embora grande parte desses certamente estivesse incluída naquela. E vice-versa, evidentemente.

Já no artigo 2º do estatuto da hipotética associação seria explicitado que a ANUJ tem entre os seus objetivos lutar para que todas as ações judiciais de seus filiados sejam resolvidas com base no tríplice princípio do menor prazo, maior qualidade e menor custo. E tomaria por empréstimo um pequeno trecho da Oração aos Moços, que Rui Barbosa encaminhou há exatos 90 anos aos formandos de uma turma da Faculdade de Direito de São Paulo.

"A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta", escreveu Rui Barbosa, em um discurso que é considerado não só um testamento político, mas também uma brilhante reflexão sobre o papel do magistrado e a missão do advogado. Enfermo, ele não pôde comparecer à cerimônia realizada no mesmo auditório da faculdade onde estudou e se formou em 1870.

Tempo e qualidade, custo nem tanto, não por coincidência, são variáveis sempre presentes quando o tema em discussão são as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, na tentativa hercúlea de reduzir a montanha de processos judiciais e tornar mais célere a prestação de justiça à sociedade brasileira. Os que são favoráveis às metas argumentam na mesma linha da Oração aos Moços. Os que são contra, longe de contestar os ensinamentos de Rui Barbosa aos jovens bacharéis da década de 20 (a formatura foi em março de 1921), consideram que Justiça não é linha de montagem e que qualidade e prazo são incompatíveis quando se trata de missão tão sensível.

São argumentos respeitáveis e sinceros, concorde-se ou não com eles. Mas a ANUJ, repita-se, quer mais rapidez, com mais qualidade e com menor custo para a sociedade e não considera que os três vértices sejam inconciliáveis. Pelo contrário. Basta que o Direito deixe-se beneficiar pelo fabuloso desenvolvimento tecnológico e alcance um estágio de modernização compatível àquele já conquistado por praticamente todos os demais segmentos da sociedade.

A solução para a aparente divergência — muito mais de método do que de princípio — pode estar em um CD, com um manual de instrução e a versão 1.0 de uma ferramenta, entregue pelo CNJ na semana passada aos 90 tribunais brasileiros. O software, conhecido como Processo Judicial Eletrônico ou PJE, é um sistema de automação exclusivamente desenvolvido para atender o Judiciário brasileiro. Na prática, vai transportar para o ambiente digital rotinas hoje realizadas no ambiente físico, eliminando várias tarefas processuais e, consequentemente, tornando mais ágil a tramitação dos processos judiciais. É a Justiça 2.0.

Estima-se que os “atos meramente burocráticos e ordinatórios” chegam a consumir 70% do tempo gasto na tramitação de um processo. Assim, qualquer contribuição tecnológica capaz de cortar tamanho desperdício terá reflexo significativo também no PIB processual: a soma de todos os custos envolvidos, desde o ajuizamento até o trânsito em julgado. Liberado da enfadonha e pouco produtiva burocracia processual, acredita-se que o julgador poderá dedicar-se àquilo que a sociedade espera dele: Justiça mais rápida e com qualidade.

O processo eletrônico traz algumas mudanças significativas na gestão dos tribunais. No método antigo — o atual — um processo permanece mais tempo na secretaria do que no próprio gabinete.  Sem a camisa de força dos atos processuais e burocráticos, essa situação se inverte, com ganhos significativos na atividade jurisdicional. Some a isso o fato de o processo permanecer ao alcance dos operadores de Direito 24 horas por dia, sete dias por semana, onde quer que estejam os seus personagens principais.

Claro que dúvidas surgirão e que não serão poucos aqueles que, diante do novo, sempre manifestarão a preferência pelo conforto oferecido pelo método tradicional. Mas quem já passou por isso sabe que, assim como é impossível deter a tecnologia, mais dia menos dia se pegará perguntando como conseguiu passar tanto tempo sem ela. Aos poucos, todas as peças vão se encaixando e o mosaico fica completo. Por que não com o Direito? Por que não com a Justiça? 

Abaixo algumas sugestões de leitura para quem ainda não se sente preparado para atuar com o Processo Judicial Eletrônico:

Advocacia 2.0 – Alexandre Atheniense, Omar Kaminski, Gilberto Fischel, Manuel Matos, Marco Antônio Gonçalves, Anna Luiza Boranga e José Roberto de Toledo.
Sete especialistas em informática jurídica mostram, em três DVDs, como será a justiça virtual com o processo eletrônico e os caminhos que os advogados e demais operadores do Direito devem seguir para potencializar a atividade jurídica com o uso da tecnologia.

Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico – José Carlos de Araújo Almeida Filho
Um dos primeiros livros sobre o tema. O autor cobre praticamente todas as áreas do processo eletrônico, mostrando como a tecnologia pode contribuir para a celeridade e a economia processual. Um capítulo específico foi dedicado à assinatura eletrônica, essencial para a confiabilidade e segurança do sistema.

Processo Judicial Eletrônico – Edilberto Barbosa Clementino
Princípios processuais, documentos eletrônicos, autenticidade e adequação do processo eletrônico são alguns dos temas explorados pelo autor. O livro também destaca os custos decorrentes não só do retardo, como também do longo caminho percorrido pelos autos, desde a primeira instância até a coisa julgada.

Comentários à Lei do Processo Eletrônico – José Eduardo de Resende Chaves Júnior
Para o autor, o meio eletrônico abre uma nova perspectiva para o Direito e representa um atalho para a tão propalada reforma do processo brasileiro, iniciada, na prática, com a promulgação da Lei 11.419/2006, que inaugurou oficialmente o processo eletrônico no país.

Comentários à Lei 11.419/06 e as Práticas Processuais por Meio Eletrônico nos Tribunais Brasileiros – Alexandre Atheniense
Além de comentar todos os artigos da Lei do Processo Eletrônico, o autor apresenta uma visão ampla e contextualizada sobre como é possível praticar diversos atos processuais nos tribunais brasileiros por meio eletrônico, 24 horas por dia, sem o eventual deslocamento presencial.

Oração aos Moços – Rui Barbosa
Exatos 50 anos depois de ter se formado, ao lado de Afonso Pena, Castro Alves, Joaquim Nabuco e Rodrigues Alves, entre outros, Rui Barbosa tem a oportunidade de retornar ao Largo de São Francisco. Doente, não comparece, mas manda aos formando um discurso que logo se tornaria um clássico. O texto está disponível na internet, mas o livro integra a categoria daqueles que não podem faltar em uma boa estante.

Na Internet:
O CNJ e o Processo Eletrônico – Institucional
O CNJ compara o Judiciário atual a um caminhão pesado, que gasta muito combustível e leva mais tempo para chegar ao seu destino. Em breve será um veículo de passeio, com um motor mais leve, que consegue levar a carga ao destino mais rápido e com um custo menor.

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