mudança mental

Dilemas da justiça: a lei sem espírito

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2 de julho de 2011, 13h18

Parafraseando, paradoxalmente, o célebre estudo de Montesquieu sobre o Espírito das Leis e a independência por meio da soberania entre os poderes, o tempo contemporâneo nos permite afirmar que vivemos, em pleno século XXI, a etapa da lei sem espírito.

Com efeito, a partir da Constituição de 1988, carta política cidadã, almejava-se uma estabilidade, após o período autoritário, a qual somente forma alcançada, de maneira relativa, em termos macroeconômicos e da estabilização da moeda.

Desta forma, a própria constituição recebeu mais de 60 emendas, em seu tempo de vigência superior a 20 anos, enquanto que se formos comparar com aquela do modelo norte-americano, simples, enxuta e sintética, houve total reforma constitucional divorciando o espírito que a sedimentou das alterações implementadas.

Seguindo igual linha de caminho, o Supremo Tribunal Federal acenou, em decisão unânime, a favor da união homoafetiva, provocando interpretação dispare, sendo que alguns magistrados, a pretexto, estão convolando a relação em casamento.

Mais de perto, o Supremo Tribunal Federal, segundo as informações da mídia, também pretende modificar a questão do aviso prévio, o qual corresponderia ao tempo trabalhado e aumentaria proporcionalmente em favor do empregado.

Discute-se, também, se a descriminalização da droga não traria menor impacto e nenhuma repercussão em atenção ao problema social agravado e o abandono da sociedade, e, principalmente do Estado em razão do descaminho provocado pela substância entorpecente.

O Estado cada vez mais fragilizado, na etapa neoliberal, agora sofre ataques invasores nos seus sistemas de segurança e pretende, igualmente, criminalizar os hackers, de molde a coibir o procedimento e evitar que as informações de Estado cheguem às mãos de terceiro.

Convive-se na latinidade continental com uma enorme e desabrida tolerância, sendo leniente a sociedade, a qual tudo permite e faz vistas grossas, sem enxergar, com realidade, a natureza do problema.

E não se trata de criminalizar, ou descriminalizar as condutas, o que necessitamos é o difundir o verdadeiro espírito legal compatível com a nossa época e deixar de lado o combate às conseqüências sem atacar as causas.

Essa etapa significa uma real e verdadeira desintoxicação da sociedade e principalmente do Estado, o maior causador dos problemas que nos afligem, trabalhando com medidas provisórias, enfraquecendo o legislativo e empurrando graves dificuldades para serem solucionadas no âmbito judiciário.

A disfunção entre os poderes é manifesta, não ocorre qualquer alinhamento, além do que os Tribunais de Contas não desempenham a contento seus respectivos papéis, haja vista o maciço volume de escândalos e de improbidade administrativa diariamente veiculada.

Letargia e leniência conduzem ao papel de mero observador de conseqüências, cuja causa nunca combatemos, cogitamos sempre traduzir por meio de leis, ou reformas, as circunstâncias negativas as quais vivenciamos.

Dizem muitos estudiosos que o problema da jurisdição, basicamente, está atrelado ao formalismo do nosso Código de Processo Civil.

Modificam-se as leis, editam-se resoluções, elaboram-se medidas provisórias amiúde, portarias, circulares e, seguindo o espírito francês, quanto mais se muda a mesma coisa permanece.

Esse caos legislativo, muitas vezes provocado pela não obediência do parlamento à sua real função causa entrechoque de interesses com os demais poderes, trazendo à baila muitos questionamentos a respeito da constitucionalidade e legalidade das medidas.

Sobrecarregam-se inocuamente os tribunais, as cortes superiores, e a maioria das causas sem qualquer relevância, fazendo que sejamos campeões em números de processos, mas em contrapartida, também de injustiça social.

A distribuição de renda é inócua e as últimas décadas, apesar de alardearem os governantes o ingresso de 30 milhões na faixa de consumo, apenas lhes trouxe o acesso ao crédito e o endividamento da família brasileira, hoje em torno de 70%.

Em razão dessa anomalia o número assustador do endividamento se agiganta e as taxas de inadimplência igualmente, sem que o governo faça alterações ou que busque minorar essa realidade.

Precisamos, urgentemente, de um tratamento de choque, de uma total desintoxicação que nos liga ao combate das conseqüências e não nos chama a descoberta das causas, tratando de forma paliativa contingências distintas.

Quando cogitamos a respeito da droga, e do usuário, não nos esqueçamos os males provocados em diversas famílias e a total ausência do Estado não apenas para reprimir, mas também para prevenir essa desgraça que assola milhares de lares brasileiros.

É chegado o tempo e já tarde, por sinal, para que a sociedade encerre bandeira única na construção de um plano de interesse nacional, coletivo, deixando de lado os egoísmos e os materialismos provocados pela assimetria da globalização.

Visualizado esse quadro, cujo retrato não é animador, sobram esperanças para que a sociedade, dotada de um mínimo de cultura, educação, e, sobretudo de discernimento, possa melhorar o nível de escolha dos seus representantes e ao mesmo tempo se organizar para reduzir a carga tributária, impedir aumentos incompatíveis com as taxas inflacionárias e submeter-se à humilhação do superendividamento.

O Brasil deseja firmemente, e todos concordam nesse aspecto, a prosperidade de alcançar a quinta economia do planeta, porém, os passos serão decisivos, mormente quando nos deparamos com mais de 10 milhões de brasileiros na linha de miséria.

Não se estanca o estado de miserabilidade combatendo-o diuturnamente, mas eliminando a sangria dos gastos públicos, controlando-se melhor e mais de perto a corrupção, com tolerância zero para o grau de impunidade que nos assola.

Estamos nos preparando para abrigar dois grandes acontecimentos, a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, porém, se pretende relativizar procedimentos licitatórios, em prol de poucos, em detrimento de muitos.

A redução da desmesurada roubalheira, e o controle do grau de corrupção exigem um esforço permanente do Estado, da sociedade e dos cidadãos.

Nenhuma lei, por melhor que seja, terá o condão da reconstrução nacional, necessitamos de uma radical mudança de mentalidade, de extiparmos as mazelas e a partir daí redefinirmos a nossa permanência como um país emergente, ou, combatendo todas as causas, passarmos definitivamente a integrar o 1º Mundo.

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