Advogados nos tribunais

TJ-RJ pode exigir provas da qualificação de candidatos

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12 de janeiro de 2011, 18h33

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pode passar a exigir credenciais que comprovem a qualificação dos advogados indicados pela OAB para ocupar as vagas do tribunal destinadas ao quinto constitucional da advocacia. Tudo depende da aprovação da proposta do desembargador fluminense Ricardo Rodrigues Cardozo, que será submetida à avaliação de uma comissão do tribunal.

Cardozo elaborou minuta de resolução que regula o processo de escolha dos candidatos indicados pela OAB, enviou-a aos seus colegas por e-mail na semana passada e colocou lenha em uma fogueira que teima em se manter acesa há alguns anos. Não é de hoje que tribunais contestam a legitimidade das listas encaminhadas pela Ordem.

A Constituição determina que um quinto dos cargos de desembargadores e ministros de tribunais superiores seja composto por membros do Ministério Público e por advogados com, no mínimo, 10 anos de efetiva atividade em suas carreiras.

No caso dos advogados, a OAB abre o processo de seleção, exige certificados de boa conduta e sabatina os candidatos. Em seguida, os elege. Os seis mais votados compõem uma lista que é entregue ao tribunal. Cabe à corte, então, escolher três nomes e encaminhá-los ao chefe do Executivo, que nomeia um deles.

A discórdia está exatamente na eleição da OAB. Juízes reclamam que a entidade pauta suas escolhas por critérios políticos, em detrimento da qualidade dos candidatos. O descontentamento é revelado pela cada vez mais frequente devolução de listas pelos tribunais com a justificativa de que os indicados não preenchem os requisitos mínimos para assumir o posto de desembargador ou de ministro.

Há três dias, por exemplo, o TJ do Rio devolveu à seccional fluminense da OAB uma lista sêxtupla porque os candidatos não obtiveram o número mínimo exigido de votos para compor a lista tríplice que seria enviada ao governador. Dos seis candidatos da primeira lista, apenas a advogada Patrícia Serra obteve votos suficientes para a indicação. Com a devolução, a votação de outras duas listas foi suspensa porque o preenchimento dos cargos tem de obedecer à ordem cronológica de envio.

Prova de qualidade
Em sua proposta (leia a íntegra abaixo), Cardozo afirma que “a aferição do notório saber jurídico, da reputação ilibada e da prática forense por 10 anos não é exclusiva da Ordem dos Advogados e deve ser apreciada, também, por este tribunal”.

Por isso, o tribunal passaria a exigir dos candidatos documentos semelhantes aos que são exigidos pela OAB no momento da inscrição para a disputa para entrar na lista. Entre as exigências, estão diversas certidões de bons antecedentes, prova de títulos e “comprovação do período de 10 anos de atividade jurídica, mediante a juntada de cinco peças processuais por cada ano de atividade advocatícia”.

Questionado pela revista Consultor Jurídico, Cardozo afirmou que há um “descontentamento generalizado” em relação às listas enviadas pela Ordem. Sobre as três mais recentes listas enviadas pela OAB do Rio, o desembargador afirmou que “existem bons nomes, de pessoas com mestrado, doutorado e prática jurídica, mas alguns com currículos muito fracos”.

O presidente do TJ do Rio, desembargador Luiz Zveiter, é contra a proposta. Em sua avaliação, os critérios devem ser estabelecidos pela Ordem e é da entidade a prerrogativa de avaliar os currículos. Por isso, é provável que a proposta não seja analisada em sua gestão, que termina em fevereiro.

Para o presidente da seccional fluminense da OAB, Wadih Damous, a proposta é inconstitucional. “Esses requisitos já são exigidos pela OAB, que é a quem cabe fazer a análise dos critérios exigidos pela Constituição”. Damous afirmou que espera que a proposta seja repelida pelo tribunal e que acredita que isso acontecerá porque “a maioria dos desembargadores prestigia o quinto”. Caso seja aprovada, a OAB irá contestá-la judicialmente.

Não é a primeira vez que desembargadores do Rio de Janeiro tentam criar um filtro para a seleção de advogados indicados pela OAB. Em fevereiro do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça suspendeu a Resolução 2/2010 da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A regra instituiu concurso para a admissão do quinto constitucional.

De acordo com a norma, os advogados e membros do Ministério Público indicados por lista sêxtupla para ocupar vagas de desembargador no TJ-RJ teriam que passar por um exame de conhecimentos jurídicos gerais. A regra, contudo, não prosperou.

Choque de classes
O embate entre a magistratura e a advocacia em torno do quinto constitucional é histórico. Em 2005, o Tribunal de Justiça de São Paulo mandou a OAB-SP refazer uma lista.

Em Mandado de Segurança ajuizado no Supremo Tribunal Federal, a entidade conseguiu decisão liminar, confirmada por unanimidade pelos ministros, para que o TJ paulista formasse sua lista tríplice a partir da lista enviada pela OAB ou que justificasse os motivos da recusa. O tribunal justificou os motivos da recusa. Entre eles, um dos candidatos da lista havia sido reprovado em mais de meia dúzia de concursos para juiz.

No Superior Tribunal de Justiça, a OAB também vem enfrentando dificuldades. Há quase três anos o tribunal não preenche as vagas destinadas à advocacia. São três vagas abertas atualmente, que estão sendo ocupadas por desembargadores convocados.

Agora, o STJ promete votar as listas para o preenchimento de três cadeiras reservadas a advogados na Corte no dia 7 de fevereiro. A data foi definida na última sessão do ano da Corte Especial, presidida pelo ministro Ari Pargendler.

No fim de novembro passado, depois de uma hora de reunião secreta, o Plenário do STJ decidiu adiar a votação das listas para preencher as vagas. Oficialmente, o tribunal informou que o motivo do adiamento foi institucional. O STJ divulgou nota na qual afirmou que a decisão se deveu “à existência de fatos supervenientes que levaram o tribunal a ampliar a discussão”.

Na sessão secreta do STJ, Pargendler pediu que funcionários e advogados presentes deixassem o Plenário com a justificativa de que seria feita uma reunião do conselho. Havia cerca de 50 advogados. Uma hora depois, as portas do Pleno se abriram e a sessão havia sido encerrada sem a votação das listas.

Os advogados ficaram inconformados com a falta de informações. “Isso é um desrespeito” foi a frase mais leve ouvida nos corredores do tribunal. Alguns candidatos que compareceram ao STJ também demonstraram insatisfação com a falta de qualquer comunicado oficial ao final da sessão.

O adiamento foi provocado por uma intervenção do ministro Gilson Dipp, que afirmou ter recebido, apenas 15 minutos antes da sessão, informações graves sobre um dos candidatos a ministro. Ari Pargendler disse ter recebido as mesmas informações e alegou que, por prudência, o melhor caminho seria adiar a votação para colher informações mais detalhadas sobre o currículo dos candidatos.

Mesmo reunidos a portas fechadas, os dois ministros não disseram aos colegas de que advogado se tratava e que as informações seriam submetidas à comissão que analisa os currículos e a vida pregressa dos candidatos, formada pelos ministros Asfor Rocha, Felix Fischer e Aldir Passarinho Junior.

A decisão não foi tranquila. Dos 29 ministros presentes, 13 votaram por dar continuidade à sessão e votar as listas, para acabar de vez com uma novela que completará três anos em fevereiro. Os próprios ministros que formam a comissão que analisa os currículos votaram a favor de definir já as listas. A maioria, contudo, decidiu adiar a escolha.

O que descontenta parte dos ministros é o fato de que as fichas dos candidatos não estão completas. Há informações de que advogados que fazem parte das listas apresentaram nos gabinetes decisões que os absolvem de processos criminais tomadas depois de as listas já estarem formadas.

O STJ e a OAB travam a batalha para o preenchimento das vagas do quinto constitucional da advocacia desde fevereiro de 2008, quando o tribunal devolveu à entidade a lista enviada para preencher a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Pádua Ribeiro. Para a maioria dos juízes, os candidatos não possuíam as qualificações necessárias para se tornar ministro do STJ.

Na ocasião, nenhum dos candidatos obteve o número mínimo de 17 votos para fazer parte da lista. Desde dezembro de 2008, as vagas destinadas a advogados no tribunal são ocupadas por desembargadores convocados. A OAB recorreu ao Supremo Tribunal Federal, mas perdeu a briga e decidiu refazer a lista.

Como havia mais duas cadeiras vagas no STJ, a entidade marcou uma única sessão para formar três listas. No dia 12 de setembro do ano passado, depois de 12 horas de discussões, o Conselho Federal da OAB escolheu os 18 advogados que disputam as três vagas. Foram sabatinados 41 candidatos.

A expectativa de que a batalha teria fim em novembro era grande. Apesar de ministros já terem cogitado a devolução de uma das listas por considerá-la problemática e afirmarem que há, entre os escolhidos pela OAB, advogados que respondem a ações penais, apostava-se em uma definição.

Parte dos membros do STJ defende a formação de uma só lista com cinco ou nove nomes para ser enviada à Presidência da República, mas a possibilidade de os excluídos entrarem com ações judiciais levou os ministros a repensar essa opção.

Leia a minuta da resolução proposta pelo desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo:

RESOLUÇÃO TRIBUNAL PLENO nº , de janeiro de 2011.

CONSIDERANDO que art. 94 da CF reserva um quinto dos lugares dos Tribunais dos Estados aos advogados com notório saber jurídico e com reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes;

CONSIDERANDO que recebidas as indicações, o Tribunal Pleno formará lista tríplice;

CONSIDERANDO que a aferição do notório saber jurídico, da reputação ilibada e da prática forense por dez anos não é exclusiva da Ordem dos Advogados e deve ser apreciada, também, por este Tribunal;

CONSIDERANDO que este controle é essencial para que se limite o acesso a mais alta Corte Estadual àqueles que, realmente, estão capacitados à judicatura;

CONSIDERANDO que se exige dos candidatos à magistratura de carreira prova da prática forense, títulos e certidões para verificação da conduta privada e social;

CONSIDERANDO que nada obsta que este mesmo controle se faça em relação aos candidatos advogados, pois é a própria Constituição Federal que o exige;

CONSIDERANDO que em relação aos candidatos provindos do Ministério Público, o art. 94 da Constituição Federal só exige mais de dez anos de carreira;

CONSIDERANDO, por fim, ser necessário criar mecanismos para o exercício deste controle.

RESOLVE:

Art.1º – Enviada pela Ordem dos Advogados do Brasil a lista sêxtupla de que trata o art. 94 da Constituição Federal, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro determinará a publicação de aviso no Diário Oficial no qual conste o prazo de dez dias para que os candidatos apresentem os seguintes documentos:

a) o currículo do candidato, com prova hábil dos títulos;
b) comprovação do período de dez anos de atividade jurídica, mediante a juntada de cinco peças processuais por cada ano de atividade advocatícia;
c) prova de não haver sofrido penalidades ou praticado atos desabonadores no exercício de cargos públicos, advocacia e atividades públicas e privadas, no último decênio, mediante a apresentação das respectivas certidões;
d) prova de inexistência de antecedentes criminais no último decênio, mediante a apresentação de certidões dos distribuidores das Justiças Federal e Estadual dos locais das respectivas residências, tanto quanto a inquérito como a ações penais;
e) prova de inexistência de título protestado e ações cíveis, comerciais e fiscais, relativamente ao último decênio, mediante apresentação de certidões dos distribuidores das Justiças Federal e Estadual dos locais das respectivas residências.

Art. 2º – A presidência constituirá COMISSÃO ESPECIAL composta por três desembargadores, presidida pelo mais antigo na carreira, que terá o prazo de dez dias após o término do decêndio previsto no caput do artigo anterior, para examinar a documentação recebida e relatar ao Tribunal Pleno sobre o preenchimento ou não pelos candidatos indicados, dos requisitos do art. 94 da Constituição Federal, sugerindo, se for o caso, sua rejeição.
Parágrafo único – O exame da documentação é facultada a qualquer desembargador que desejar fazê-lo, independentemente da autorização do Presidente da Comissão.

Art. 3º – Após o prazo previsto no artigo anterior, o Presidente do Tribunal designará dia e hora para a sessão do Tribunal Pleno destinada à formação da lista tríplice.
Parágrafo único – Aberta a sessão, o Presidente do Tribunal dará a palavra ao Presidente da Comissão Especial para apresentar o relatório e conclusão. Só após será procedida a votação da lista tríplice.

Art. 4º – No quadro de votação eletrônico constará uma opção para rejeição da lista.

Este ato entra em vigor na data da sua publicação.

Rio de Janeiro,

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