SEGUNDA LEITURA

Certificado digital para advogados é a solução?

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9 de janeiro de 2011, 11h10

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Sérgio Tejada Garcia - Coluna - Spacca - Spacca

Desde o ano de 2001 está em marcha uma revolução no Poder Judiciário, no início lenta, silenciosa e claudicante, mas que cresceu rapidamente e teve o ano de 2010 como marco da grande virada, no qual tribunais da estatura do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho embarcaram definitivamente na era do processo eletrônico e da virtualização dos atos judiciais. O que iniciou como experiência bem ou mal sucedida em juízos isolados, ou em um tribunal aqui, outro ali, agora se transformou em um movimento sem volta e todos querem implementar a Justiça Sem Papel o mais rápido possível.

Entretanto, a Justiça não se faz sem os advogados, pois no dizer do artigo 133 da Lei Maior do Brasil, “o advogado é indispensável à administração da Justiça”. Portanto, os advogados são, não só partícipes fundamentais no processo de modernização da Justiça brasileira, como também devem preparar-se tecnologicamente para esse novo formato de prestação jurisdicional, sob pena de perderem o trem da história e até verem suprimidas suas habilidades profissionais.

E entre os tantos temas relevantes que aguçam o debate dos juristas da era da Justiça Informatizada, um em especial está merecendo análise menos apaixonada e mais técnica do ponto de vista jurídico, que consiste no uso, ou não, de certificação digital pelos advogados. Os especialistas em informática geralmente afirmam que a única forma de garantir a segurança das transações eletrônicas dos advogados é a assinatura digital gerada debaixo da cadeia da ICP-BR (Infraestrutura de Chaves Públicas do Brasil), que é administrada pelo ITI (Instituto Brasileiro de Tecnologia da Informação), uma autarquia federal criada pelo Poder Executivo através da Medida Provisória 2.200/2000 e que funciona subordinada à Casa Civil da Presidência da República.

E, ao que tudo indica, esse argumento da segurança tem impressionado respeitáveis juristas, que acabam contornando os insuperáveis óbices jurídicos para também defenderem a exclusividade da certificação digital ICP-BR, não só para assinatura de documentos digitais por advogados, como também para acesso aos sítios de processo eletrônico.

O desacerto da tese é evidente, pois a própria MP 2.200 admite, no parágrafo 2º do artigo 10, outras formas de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, que não o certificado digital ICP-BR. Ora, se outros formatos de assinatura digital fossem inseguros, a norma legal não os autorizaria.

E são inúmeros os exemplos de transações eletrônicas no Brasil, com elevado nível de segurança, e que não usam certificado digital. Atualmente quase todas operações bancárias do país são feitas pela internet ou por caixas eletrônicos, e não há um banco sequer, nem mesmo os públicos, que exija certificado digital para as movimentações financeiras de seus clientes. E certamente a circulação de dinheiro é uma das transações mais delicadas em termos de segurança.

O próprio governo federal utiliza, em muitos casos, outras formas de validação de assinatura eletrônica, como é o caso do pagamento de aposentados e pensionistas do INSS, cujos recibos de saques são todos eletrônicos. Outro exemplo é o Sistema de Comércio Exterior da Receita Federal. Aliás, a declaração de Imposto de Renda sequer utiliza alguma forma de certificação digital e neste ano 95% das declarações foram feitas pela internet. Imagine se o governo resolvesse obrigar todos os contribuintes a possuírem certificado digital para fazerem suas declarações de Imposto de Renda? É mais ou menos o que estão querendo fazer com os advogados, sob o argumento da segurança.

Na prática, hoje a exigência de certificado digital ICP-BR constitui-se em um grande problema para os advogados. Isto porque a tecnologia ainda não está suficientemente difundida e madura e não é incomum surgirem incompatibilidades entre os sistemas operacionais dos cartões (ou tokens) e os diversos assinadores, ou entre estes e os diversos sistemas dos tribunais. Frequentemente os assinadores colidem com os tipos ou com as versões de navegadores de internet. E se qualquer um desses problemas ocorrer, por mais segura que possa parecer a assinatura digital, o advogado estará impedido de atuar, o que poderá gerar a perda de prazos ou até mesmo do próprio processo, caso ocorra prescrição ou decadência.

Certamente foi por essa razão que a Lei 11.419/2006, no inciso III de seu artigo 1º, faculta o uso de, além do certificado digital, assinatura eletrônica baseada em cadastramento dos advogados diretamente no Poder Judiciário, de modo que esse mesmo certificará a autoria e a integridade da assinatura eletrônica do causídico, seja para assinatura de documentos, seja para acesso ao processo eletrônico.

Não cabe argumentar que essa faculdade seria ilegal, pois no âmbito do processo a regra que vigora é a Lei 11.419, já que a MP 2.200 não tem força normativa processual por expressa vedação constante do artigo 62, parágrafo 1º, “b” e “c” da Constituição Federal. E, ainda que a Lei 11.419 não tivesse tratado do tema, a certificação da autenticidade dos atos processuais e a assinatura eletrônica dos advogados não poderiam ser reguladas por medida provisória, já que a fé pública desses atos é prerrogativa do Poder Judiciário. Aliás, já que essa é a regra em vigor para o processo de papel, não poderia ser diferente quando os autos são digitais.

Resta assim evidenciado o equívoco de alguns tribunais que, sem uma análise jurídica mais cuidadosa, tentam transferir para as autoridades certificadoras a responsabilidade pela certificação da autoria e integridade de documentos judiciais digitais, baixando resoluções nas quais condicionam o acesso dos advogados ao processo eletrônico exclusivamente mediante a utilização de certificado digital. Estão, sem perceber, abrindo mão de um poder indelegável que é a de dar fé pública aos atos judiciais.

É certo que a Lei 11.419 não veda o uso da certificação digital no processo eletrônico. Ao contrário, até o incentiva, porém na dicção de seu artigo 2º, deve haver prévio cadastramento presencial do interessado perante o Poder Judiciário. Daí que, quando se tratar de certificação de advogados, a questão deve passar, necessariamente por um concerto entre a Justiça e a OAB, que pode até suprir o mencionado cadastro, já que seu objetivo é confirmar que o usuário possui as credenciais que diz ter. E ninguém melhor que a OAB para garantir que alguém é advogado.

O Conselho Federal da OAB já se adiantou nessa tarefa, pois criou a AC-OAB (Autoridade Certificadora da OAB) debaixo da ICP-BR, de modo que se for condicionado o uso de certificação digital para advogados para acesso ao processo eletrônico, necessariamente deverá ser um certificado fornecido pela OAB e não qualquer outro. Ocorre que são aproximadamente 700 mil advogados no Brasil e menos de 10% deles tem hoje o seu certificado AC-OAB, de modo que haveremos de conviver também, necessariamente, com a outra forma de assinatura eletrônica prevista no artigo 1º da Lei 11.419, pelo menos até que todos os advogados disponham de certificado e fiquem resolvidos os problemas operacionais dos assinadores digitais mencionados.

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