Crimes societários

Ser sócio de empresa não basta para ser réu

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8 de janeiro de 2011, 7h59

A necessidade da individualização de condutas nos crimes societários ganhou mais um capítulo. No último 2 de dezembro, o empresário José Radomysler, acusado de participar de um esquema de contrabando na Zona Franca de Manaus, conquistou no Superior Tribunal de Justiça a anulação da Ação Penal. O ministro Gilson Dipp, relator do caso, entendeu que "embora não se exija, nas hipóteses de crimes societários, a descrição pormenorizada da conduta de cada agente, isso não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada".

Antes da nova decisão do STJ, nenhuma das outras três ações penais pelas quais Radomysler respondia vingou, por inépcia. Todas tramitaram na 4ª Vara Federal do Pará. Uma foi anulada pelo STJ e outras duas pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, o empresário sofreu a quarta denúncia, na qual foram somadas as acusações anteriores.

O empresário era acusado de formação de quadrilha e descaminho ou contrabando, crimes previstos nos artigos 208 e 334 do Código Penal, além de prestar declaração falsa às autoridades fazendárias e fraudado a fiscalização tributária, ferindo a Lei 8.137, de 1990.

Em 2002, a Receita Federal e a Polícia Federal em Manaus apreenderam caixas contendo 464.038 produtos importados acabados, como CD players e rádios das marcas CCE, Lennoux Sound e Audax. No entanto, o material, vindo da China, foi declarado como insumo, a serem montados no Brasil. Uma situação parecida aconteceu em Belém. Na época, a empresa alegou que as mercadorias chegaram assim por um erro do importador.

Para a defesa do empresário, as quatro denúncias eram marcadas pelos mesmos problemas: as condutas de Radomysler estariam sendo postas em xeque simplesmente pelo fato de ele ser sócio da DM Eletrônica, que fornecia os equipamentos às empresas. Além do mais, a petição inicial não deixou claro de que forma, concretamente, ele poderia ter concorrido para a prática dos crimes pelos quais é acusado.

Os advogados Alberto Zacharias Toron e Fernando da Nóbrega Cunha alegaram, no pedido de Habeas Corpus, que a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região causou constrangimento ilegal contra o acusado. Para os criminalistas, a denúncia, genérica, não destrinchara o papel de cada sócio nos crimes.

Individualização das condutas
Segundo os advogados, "a inicial acusatória, não descreve — a teor do que dispõe o artigo 41 do Código de Processo Penal — como, de que maneira, teria se materializado a apregoada ‘participação ativa’ do paciente nas atividades da empresa e nem tampouco o que essa apregoada participação teria a ver com delitos relativos às fraudes na importação objeto da denúncia".

Toron e Cunha lembram que a jurisprudência vem passando a exigir, no âmbito dos crimes societários, a pormenorização das condutas supostamente criminosas. "A mesma jurisprudência vem repudiando iniciais acusatórias que se limitam a denunciar pela mera condição de sócios dos acusados, sem ao menos demonstrar sequer a mínima vinculação dos agentes com o ilícito imputado", argumentam.

Esse seria o caso da acusação do empresário Radomysler. Segundo a tese dos advogados, acatada pelo STJ, "o representante do Ministério Público Federal, prescindindo da apuração das responsabilidades individuais dos acusados — e, consequentemente, da sua descrição na inicial —, acabou por denunciá-los indistintamente, apenas porque figuram como integrantes do quadro social da empresa".

Em 2009, no julgamento de outro Habeas Corpus, a desembargadora Jane Silva, então ministra do STJ, tocou na possibilidade de responsabilizar alguém, independentemente de dolo ou culpa, tomando como norte a causalidade material. "O simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria de uma empresa, por si só, não significa que ela deva ser responsabilizada pelo crime ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade objetiva repudiada pelo nosso Direito Penal", escreveu.

Mais para a frente, no mesmo voto, ela diferencia a denúncia geral, que é aceita, da genérica. "Na primeira atribui-se um determinado ato criminoso a todos os denunciados, por tê-lo praticado em conjunto; na segunda, mostra-se que ocorreram ações que levaram ao resultado delituoso, atribuindo-o a todos os diretores, sem estabelecer a correspondência concreta entre aquele e as ações de cada um dos que as produziram, impedindo-lhes a defesa, fulminando a denúncia da inépcia formal", explica.

Com base em jurisprudência e doutrina novas sobre o tema, o ministro Gilson Dipp, em se voto, manifestou pensamento semelhante: "O simples fato de constar como sócio, gerente, ou administrador de empresa não autoriza a instauração de processo criminal […] se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da Ação Penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição da empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva".

O ministro cita, ainda, o Código de Processo Penal Adotado (Editora Saraiva, 2010) de Damásio de Jesus. O penalista escreve que não basta que os crimes sejam apontados. Para ele, "a autoridade policial e o Ministério Público devem narrar na portaria ou denúncia, com clareza e exatidão, o comportamento típico e o eventual resultado naturalístico, com todas as suas circunstâncias".

Na mesma linha segue o ministro Arnaldo Esteves Lima, do STJ. De acordo com ele, "nos crimes societários, embora não se exija a descrição minunciosa da conduta do acusado, é necessário que haja narrativa dos fatos delituosos, de sua suposta autoria, do vínculo de causalidade (teorias causalista e finalista) e do nexo de imputação (teorias funcionalista e constitucionalista), de maneira a permitir o exercício da ampla defesa".

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilson Dipp.

HC 171.976

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