RETROSPECTIVA 2010

CNJ amadurece rumo ao seu ponto de equilíbrio

Autor

  • Marcelo Nobre

    é advogado ex-conselheiro do CNJ defende no Conselho de Ética da Câmara o presidente da casa o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ).

1 de janeiro de 2011, 7h04

Este texto sobre o Conselho Nacional de Justiça faz parte da Retrospectiva 2010, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.  

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Prestes a virar mais uma página da sua recente e muito atuante existência, o Conselho Nacional de Justiça neste ano de 2010 deu um salto rumo ao mais profundo desejo da sociedade brasileira em relação ao Poder Judiciário, além do fim do nepotismo e da fixação do teto remuneratório já conquistados.

O seu pouco tempo de existência exige uma atenção redobrada, pois os estudiosos do tema ensinam que o período mínimo necessário para a consolidação das instituições é de 10 anos.

Isto significa dizer que todos os “pais” do CNJ, principalmente aquele que representa o pai biológico e adotivo, a sociedade brasileira, precisam acompanhar muito de perto os próximos anos de vida de seu filho ilustre.

É inacreditável que uma corte com uma estrutura tão pequena, seja no aspecto de recursos humanos (88 servidores), seja no aspecto dos recursos materiais e com competência em todo território nacional, possa realizar tantos avanços no Judiciário brasileiro em tão pouco tempo: cinco anos e seis meses.

Para isso basta recordar o que era o Judiciário antes da existência do CNJ. Mesmo com toda atuação firme do Conselho nestes mais de cinco anos, uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas mostrou que metade dos brasileiros avalia mal o Judiciário, seja pela morosidade, seja pela desconfiança. Este é um dos grandes desafios do CNJ para o futuro.

Os valorosos membros da magistratura que já dirigiram um órgão do Judiciário sabem a dificuldade natural de fazer com que uma estrutura pesada e acostumada a funcionar de um determinado jeito se adapte rapidamente a outro jeito de condução. Estes experientes dirigentes sabem muito bem, também, o quanto o relógio do tempo do mandato é veloz. É quase impossível conhecer toda a máquina administrativa, imprimir mudanças e colher os resultados em apenas dois anos.

Por isso é que estou convencido de que o mandato dos dirigentes de tribunais deveria ser de três anos. Pela mesma razão entendo que o tempo de mandato dos Conselheiros do CNJ também deve ser repensado. Pois dois anos é pouco para o exercício de um mandato público com atuação nacional. Da mesma forma precisamos nos debruçar sobre a questão tormentosa acerca da mudança da composição do CNJ. Hoje a mudança é realizada com a saída de 12 conselheiros ao mesmo tempo, o que faz com que situações graves surjam como, por exemplo, a perda da memória das relevantes discussões da composição anterior e a mudança de entendimento sobre questões que já estão pacificadas, gerando, conseqüentemente, o abalo na previsibilidade das decisões.

Posso dizer isso com muita tranquilidade e desinteresse, por dois motivos. O primeiro em razão da minha própria experiência, pois o meu mandato não coincide com os dos demais membros. O segundo, em respeito à previsão constitucional que, de forma salutar, não permite uma terceira recondução. Como se isso já não bastasse, aqueles que exerceram dois mandatos no CNJ não poderão nunca mais concorrer novamente, nem em outra classe.

Muitos reverberam as situações divulgadas pela mídia sobre o início da gestão do presidente Cezar Peluso. Todavia, lembro-me bem do conturbado começo da gestão do ministro Gilmar Mendes como presidente do CNJ. Quantas dificuldades. Foram dois secretários-gerais em apenas 11 meses. Portanto, o ministro Gilmar só encontrou a paz interna necessária para tocar os grandes projetos do CNJ quando conquistou a harmonia da máquina. Ouso dizer que o seu grande legado foi realizado no último ano de sua gestão. Com o presidente Peluso não está sendo diferente. O seu primeiro secretário-geral foi trocado com apenas três meses no cargo. E os seus primeiros oito meses passaram voando e com turbulência.

Contudo, uma coisa é certa. Todos os ex-presidentes do CNJ são seus grandes defensores. Isso significa dizer que quem vivencia o CNJ, o aprova.

Quando realizamos em fevereiro último o III Encontro Nacional do Judiciário com a participação do então futuro presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, e dos dirigentes dos mais de 90 tribunais do país, definimos, em conjunto, as 10 metas do Judiciário.

Em seguida, iniciou-se um período exaustivo de trabalho em razão do final do mandato do presidente Gilmar. O objetivo da correria era aproveitar a harmonia que imperava perante os membros do colegiado e os inúmeros setores da administração. O resultado foi, dentre outros, a aprovação neste período de quatro meses — de janeiro a abril — de 10 resoluções e duas recomendações.

Em abril, portanto, o presidente que ficou conhecido como obstinado, criativo, o defensor intransigente das garantias individuais dos cidadãos, o criador do mutirão carcerário e também por ter protagonizado momentos polêmicos passou a presidência para o preparado ministro Cezar Peluso, o único magistrado de carreira a ter assento hoje no Supremo Tribunal Federal. Em seu discurso de posse, o ministro Peluso afirmou que: “colocaria o CNJ nos trilhos”, tendo sido aplaudido efusivamente pela plateia que era formada, em sua imensa maioria, por presidentes, vice-presidentes e corregedores dos mais de 90 tribunais do país.

Este é um dos bons exemplos para se demonstrar que o CNJ é presidencialista. Como tudo na vida, este fato também tem o lado bom e o ruim.

Assim, com estilo diferente de comando, o CNJ continuou em 2010 a sua missão constitucional de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados brasileiros, seus servidores, bem como, dos prestadores de serviço extrajudicial que atuam por delegação do Poder Público.

Nos primeiros meses da gestão do presidente Peluso o que se pode destacar é a continuidade dos programas da gestão anterior — mutirão carcerário; começar de novo; penhora online; cadastro nacional de indisponibilidade de bens, ressalvando que estes programas receberam adaptações ao novo estilo de comando.

Com relação aos processos julgados pelo plenário do CNJ neste período, destaca-se o julgamento de aproximadamente 400 processos sob a presidência do ministro Peluso. No ano de 2009 o plenário julgou mais de 790 processos. Nestes, não estão incluídos os mais de 160 processos julgados no primeiro quadrimestre deste ano referente à presidência anterior. Ressalte-se, que na referida gestão anterior os julgamentos ocorriam às terças-feiras o dia inteiro e na quarta-feira pela manhã, algumas vezes sob a presidência do ministro Gilson Dipp, Corregedor Nacional de Justiça, o que explica a diferença numérica.

É importante destacar também, os outros pontos de ação do ministro Peluso, como a instalação de Juizados Especializados em violência doméstica e familiar contra a mulher; a instalação de núcleos de atendimento multidisciplinar que integra órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social; o curso de linguagem de sinais (libras) para servidores dos tribunais com o objetivo de melhor atender pessoas com deficiência auditiva; o depoimento sem dano — ou seja, a oitiva de crianças e adolescentes vítimas de violências físicas e/ou psíquicas; o apoio à cidadania do idoso; a criação do selo que destaca as melhores práticas na promoção da cidadania; o projeto medida justa que faz o diagnóstico relativo a medida socio-educativa de internação de menores; os cursos de capacitação dos magistrados e servidores; o projeto cidadania direito de todos que objetiva o fornecimento de registro civil, carteira de identidade e outros documentos necessários ao exercício da cidadania para os povos indígenas; o programa de estímulo a doação de órgãos e o justiça plena que realiza o monitoramento dos casos de grande repercussão social que tramitam na Justiça.

É inegável o papel fundamental do CNJ na construção da credibilidade do sistema Judiciário. A previsibilidade, a celeridade e a intolerância com a corrupção são fundamentais na busca da segurança jurídica. Quando falamos em segurança jurídica, estamos falando em um grande problema de Estado e não apenas em melhoria do sistema judiciário. Explico!

Os investidores internacionais quando buscam o melhor país a receber o seu volumoso dinheiro o fazem analisando qual das opções oferece maior segurança jurídica. Qual o tempo de duração do processo? Qual o grau de respeitabilidade do contrato? Qual o grau de corrupção? Qual o grau de previsibilidade da decisão judicial? Todos esses critérios entram na fina análise do grande investidor. Este é, claramente, um problema de Estado.

Por esse relevante motivo é que o CNJ tem o desafio de não se desviar dos seguintes focos: o primeiro através dos seus importantes projetos e programas que objetivam o planejamento do Judiciário nacional no médio e longo prazo. E o segundo através dos julgamentos dos processos que dizem respeito ao hoje, ao agora, sinalizando aos mais de 90 tribunais do país qual o caminho que o Judiciário deve trilhar administrativamente.

Muitas pessoas não sabem dos inúmeros programas e projetos do CNJ. Esta é uma grande oportunidade para expor alguns deles. O cumprimento de penas controlado eletronicamente; a solução dos conflitos pela conciliação; o cadastro nacional de adolescentes em conflito com a Lei; o cadastro nacional de adoção; a promoção de mutirões que visem o registro civil de todas as crianças nascidas nos estados; o combate a grilagem de terras; o programa de modernização do judiciário; a uniformização numérica dos processos em todas as instâncias; o Bacenjud, bloqueio de valores; o Renajud — restrição de veículos; o malote digital entre órgãos do judiciário, reduzindo o tempo e o custo; a virtualização do processo judicial em todo o país; o sistema nacional de bens apreendidos; as interceptações telefônicas sob controle (mais de 20 mil linhas monitoradas no país em 2010); as inspeções que identificam eventuais deficiências nos tribunais; a resolução que determinou maior transparência do Judiciário; a Justiça em Números que traduz o diagnóstico do Judiciário.

São muitos os esforços para colocar o Judiciário definitivamente no Século XXI.

Em setembro, ocorreu a troca do Corregedor Nacional de Justiça. Saiu o operoso e destemido ministro Gilson Dipp e entrou a renomada ministra Eliana Calmon. A Corregedoria, por sua competência originária, tem uma grande responsabilidade dentro da estrutura do CNJ. É ela, por exemplo, que recebe todas as denúncias e representações contra magistrados.

Tivemos um ano de grande trabalho da Corregedoria. Foram inúmeros os casos apurados que chegaram ao plenário. O maior exemplo do importante trabalho da Corregedoria neste ano de 2010 foi o julgamento do ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina. Foi a primeira vez na história brasileira que, em plena vigência do Estado democrático de Direito, um ministro do Poder Judiciário foi aposentado compulsoriamente. Este julgamento foi a última participação do Corregedor Nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, no CNJ. Ele foi o relator do mencionado processo. Em seguida, entregou a árdua missão à ministra Eliana Calmon.

Neste ano de 2010 assistimos também a uma nova e importante discussão no Supremo Tribunal Federal envolvendo o CNJ. Algumas decisões do pleno do CNJ foram suspensas pelo STF sob o fundamento de que o CNJ não pode exercer originariamente a ação correcional dos magistrados, devendo antes, exigir das corregedorias locais e/ou de seus órgãos administrativos uma decisão. Por esse raciocínio, decide-se que a competência do CNJ é subsidiária e não concorrente. De forma alguma pretendo discutir a decisão do STF. O que gostaria, apenas, é de ilustrar o principal caso que gerou esta decisão.

O então corregedor-geral de Justiça do estado de Mato Grosso iniciou uma investigação que culminou no envolvimento de desembargadores, dentre eles, o presidente e o vice-presidente do tribunal. Neste momento, o referido corregedor remete o processo completo para a Corregedoria Nacional de Justiça, pois não teria condição de prosseguir na investigação e principalmente no julgamento dos desembargadores pelos seus próprios pares. Este processo foi minuciosamente investigado pela Corregedoria do CNJ e após toda oportunidade do pleno exercício da defesa, que fez, inclusive, entrega de memoriais a cada um dos julgadores e sustentação oral no plenário, os envolvidos foram aposentados compulsoriamente por unanimidade. O próprio corregedor de Mato Grosso afirmou que era impossível o julgamento pelo seu tribunal.

Temos, ainda, a importante informação de que na Corregedoria do CNJ tramitam 60 processos (sindicâncias), sendo que outros 800 processos foram remetidos para as corregedorias locais exatamente porque dizem respeito a casos passíveis de solução regional. Portanto, o CNJ apesar de ter competência concorrente, sempre que possível, remete os processos para que as Corregedorias locais resolvam primeiramente as suas questões.

Os números do CNJ falam por si. Nem 10% dos processos que tramitam administrativamente contra magistrados no Brasil estão no CNJ.

O Conselho Nacional de Justiça, a cada composição, amadurece mais e faz com que o pêndulo natural de afirmação de um órgão novo pare de balançar para os seus extremos e se fixe no seu ponto de equilíbrio.

Por outro lado, ninguém é ingênuo de achar que iniciaríamos as mudanças almejadas no Poder Judiciário sem as firmes, impositivas e necessárias decisões tomadas pelo CNJ.

Por todos esses relevantes motivos é que a palavra do CNJ hoje se chama desafio. O desafio de continuar mudando apesar dos movimentos retrógrados e conservadores que imperam no Judiciário brasileiro por mais de quatro séculos.

O compromisso de todos os brasileiros é, também, para com um país mais justo. E o CNJ está fazendo a sua parte. Por isso, ele é imprescindível.

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