2010 em análise

Opinião pública e atuação da Justiça são desconexas

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1 de janeiro de 2011, 7h30

“Dando continuidade ao padrão que foi uma tendência da década, 2010 testemunhou novamente a desconexão entre o trabalho sério das cortes de Justiça e os dramas e espetáculos que se tornam obsessões nacionais.” A frase é da produtora e repórter especializada em Justiça da rede televisiva CNN, Ann O’Neal, em reportagem que avaliava como se saiu a Justiça norte-americana em 2010.

A exemplo do Brasil, o sistema de Justiça nos Estados Unidos também tem de lidar com o fosso entre a atuação da Justiça e a expectativa da opinião pública por espetáculo e punição. Em um ano em que os tribunais americanos trataram de casos de forte apelo social, como a discussão sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo e a reforma das leis imigratórias, a mídia — quando se voltou à Justiça — se ocupou mesmo de julgamentos de crimes bárbaros, assassinatos em série e do fenômeno conhecido informalmente como Celebrity Justice, a “Justiça das celebridades”.

A conclusão é de observadores do sistema de Justiça no país. “Eu não vejo como o público e a mídia possam, um dia, enjoar das celebridades”, disse, em sua avaliação de encerramento de ano, Laurie Levenson, professora da Escola de Direito de Loyola, em Los Angeles, ex-promotora de Justiça e comentadora habitué de julgamentos de amplo interesse da imprensa.

“No que se refere a enquadrar celebridades que não são criminosos, mas sofrem de dependência química, as opções do sistema penal são limitadas: cadeia ou reabilitação”, isso inevitavelmente desperta o interesse e a insatisfação do público”, concluiu.

Tabus da sociedade, como homossexualidade e matrimônio, questões étnicas, crimes hediondos explorados ao nível do mal gosto pela mídia e a presença de celebridades em tribunais foram amplamente acompanhados pela opinião pública neste ano que se encerra. A reforma da lei de imigração e as mudanças na legislação no estado do Arizona para punir imigrantes ilegais ganharam os tribunais e despertaram uma forte polarização junto ao público. E a batalha segue para o próximo ano. A União está tentando derrubar a nova lei de imigração do Arizona em um processo que questiona sua constitucionalidade.

O “autoriza-e-volta-atrás” sobre a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo começou nas cortes estaduais da Califórnia e deve chegar à Suprema Corte dos EUA em 2011, por conta da “Proposição 8”, lei articulada na Califórnia que visa proibir o casamento de homossexuais.

High Profile
Já entre a comunidade jurídica, os temas mais discutidos passaram ao largo da percepção popular sobre os tribunais. A chegada da jurista e ex-reitora de Harvard, Elena Kagan à Suprema Corte do país e as implicações políticas que envolvem a ascensão de uma aliada do Partido Democrata no alto tribunal ganharam amplo destaque de veículos especializados na área, sobretudo no segundo semestre.

Porém, a questão financeira foi o principal foco de preocupação de juristas e profissionais do Direito este ano. As alternativas das bancas de advocacia frente à crise financeira e os cortes de pessoal e orçamento em grandes bancas e em departamentos jurídicos de empresas assombraram o mundo da advocacia em 2010. Do lado dos tribunais, a questão foi como reduzir os gastos da Justiça, mantendo ainda assim os fóruns eficientes acessíveis à população.

Diante de um mercado em retração e de uma área cada vez mais competitiva, a entrada de novos profissionais no mercado e o treinamento de futuros advogados também foram amplamente analisados em 2010. Nos EUA, há um movimento que tem crescido dentro das empresas, que pede uma reformulação profunda dos modelos tradicionais de ensino e de ingresso de profissionais na advocacia.

“Direito é uma profissão madura em um mercado imaturo. Neste momento, nada tem sido mais imaturo do que a forma como recrutamos novos talentos”, escreveu Peter Kalis, chairman da banca K&L Gates em um artigo publicado ainda no primeiro semestre pela revista eletrônica The National Law Review.

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