Morosidade na Justiça

"É preciso melhorar a duração dos processos"

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28 de fevereiro de 2011, 12h19

Com a chegada de Luiz Fux ao Supremo Tribunal Federal na próxima quinta-feira (3/3), a Corte restabelece sua composição original, com 11 integrantes. O novo ministro tem 57 anos e um espírito que se mostra inovador. Ao comentar a demora na indicação de um nome para ocupar a vaga deixada por Eros Grau, Fux diz que o integrante “faz falta naquelas questões em que não há consenso, que são decididas por uma maioria que não tem aquela representatividade que o próprio Supremo gostaria”.

Em entrevista concedida aos jornalistas Eumano Silva e Marcelo Rocha, da revista Época, Fux falou sobre Ficha Limpa, cotas raciais e Cesare Battisti. “No caso Battisti, foi julgada a extradição e foram analisados os requisitos constitucionais. Agora, é preciso saber se essa verificação dos requisitos constitucionais é suficiente para efetivar a extradição”, disse.

Ele também falou sobre o foro privilegiado. “Sob um ângulo institucional, é mais razoável que um senador da República, um deputado federal, um presidente da República respondam perante a Corte Suprema. É adequado porque deriva da harmonia entre os poderes. Se analisarmos sob o ângulo das oportunidades de defesa, a prerrogativa de foro é de certo modo prejudicial a esses homens públicos”.

Leia a entrevista concedida pelo ministro Luiz Fux à revista Época:

O que é possível melhorar na Justiça brasileira?
Já superamos a barreira do custo. Os processos no Brasil eram muito caros, mas hoje temos um sistema de gratuidade que atende muito bem a população. Agora, é preciso melhorar o tempo de duração dos processos. Temos muitas ações porque, em nosso sistema, vigora o princípio de que nenhuma lesão ou ameaça a direito deve escapar de apreciação da Justiça. Em diversos países, você só recorre à Justiça depois de esgotar diversas instâncias, administrativas ou de conciliação. Aqui não. A conciliação é dentro do juízo.

Quais as consequências desse funcionamento da Justiça?
Temos 1 milhão de ações de titulares de caderneta de poupança. Isso vai produzir 1 milhão de recursos. Não há tribunal no mundo que possa julgar rápido 1 milhão de recursos. O sistema brasileiro é prenhe de recursos. Os tribunais europeus têm 3 mil recursos. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte tem 90 recursos. Nós temos 250 mil.

Há outros problemas?
Sim, os processos são muito formais e contemplam muitas etapas. Não acaba logo porque você ouve o autor, ouve o réu, ouve o autor de novo, mais uma vez o réu, marca audiência, junta documento. Junta tudo isso com recursos demais e grande número de ações e cria-se um quadro que conspira a favor da demora do processo.

A Constituição é responsável por esse quadro?
Não, o problema é infraconstitucional. Estamos consertando isso no novo Código do Processo Civil [projeto aprovado no Senado e, agora, em análise na Câmara], com uma mentalidade diferente. Vamos eliminar esse contencioso de 1 milhão de ações com a criação de um instrumento que vai permitir a escolha de um caso líder, que vai servir de referência para todos os outros e tramitará por todas as instâncias até o Supremo Tribunal Federal num prazo de um ano e meio. Obtida a solução no Supremo, ela se aplicará a todos esses milhares de ações que tramitam no Judiciário brasileiro. Não caberão recursos.

O que o senhor acha da figura do foro privilegiado para governantes e parlamentares?
Sob um ângulo institucional, é mais razoável que um senador da República, um deputado federal, um presidente da República respondam perante a Corte Suprema. É adequado porque deriva da harmonia entre os poderes. Se analisarmos sob o ângulo das oportunidades de defesa, a prerrogativa de foro é de certo modo prejudicial a esses homens públicos. O recurso dá a possibilidade de reapurar e de verificar se houve erro. Enquanto todo cidadão comum se submete a várias esferas de jurisdição, eles não têm essa chance. Não podemos imaginar que, por maior que seja o cargo ocupado, você não possa eventualmente cometer um erro.

Mas isso não sobrecarrega ainda mais o Supremo?
A premissa na qual devemos nos basear é que estamos tratando de homens públicos. Numa República, um homem público zela pela coisa pública. Então, a premissa é que o Supremo Tribunal Federal seja excepcionalmente instado a julgar políticos. É bem excepcional mesmo.

O Supremo está desfalcado desde agosto do ano passado. Que falta faz o 11º integrante?
Ele faz falta naquelas questões em que não há consenso, que são decididas por uma maioria que não tem aquela representatividade que o próprio Supremo gostaria.

O senhor se refere aos casos da Lei da Ficha Limpa e da extradição do italiano Cesare Battisti?
Há uns 50 casos de repercussão geral, que interessam ao Brasil inteiro, que merecem que o STF tenha composição completa, ainda que os 11 julguem no mesmo sentido. No caso Battisti, foi julgada a extradição e foram analisados os requisitos constitucionais [não é brasileiro nato, não é brasileiro naturalizado, não é crime político]. Agora, é preciso saber se essa verificação dos requisitos constitucionais é suficiente para efetivar a extradição. Ou quem efetiva a extradição é o chefe do Executivo? O Supremo vai dizer, agora, se foi afrontado em sua decisão de autorizar a extradição ou se o presidente do país poderia decidir. Essa é uma matéria novíssima para mim.

O senhor já está se preparando?
Sim. De preferência, vou entrar colocando processo em pauta. Eu já estive no Supremo, conversei com todos, pedi para que me mandem tudo o que estiver lá pendente.

Como vai agir no plenário?
No plenário, vou ver o que tem. Se tiver um caso desses, o Battisti, por exemplo, na semana seguinte a minha posse, estarei preparado para julgar. Não tem problema ser o primeiro voto. Assim, já acostuma. No Supremo, o mais novo traz novos valores. Não tenho direito a sentir frio na barriga. Faço isso há 30 anos. Se não souber fazer isso, o que estou fazendo aqui na magistratura?

O senhor mencionou 50 casos importantes. Pode citar exemplos?
Sim. Tem a obrigatoriedade no fornecimento de remédios, a base de cálculo do ICMS e da Cofins. Tem também cotas raciais, união homoafetiva, feto anencefálico e a “desaposentação” [quando alguém que já se aposentou e começa a trabalhar novamente quer receber a diferença dos proventos].

E o senhor já tem buscado informações sobre esses casos? Como estão os preparativos?
Gosto de fazer um manual [de procedimentos] para o gabinete. Todos têm de conhecer bem o regimento interno da Casa e as jurisprudências.

O senhor gosta da transmissão ao vivo dos julgamentos?
A coisa está posta. Não tem de gostar ou não gostar. Tem um lado bom: a transparência. A população gosta da TV Justiça. Muitos leigos veem.

No julgamento da Lei da Ficha Limpa, não houve demora da Justiça em apreciar o assunto, que contribuiu para a instabilidade jurídica durante as eleições?
Não tenho como responder, porque não tenho uma ideia de quando isso foi suscitado na Justiça. Foi suscitado no momento oportuno no TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Mas, para sair do TSE para o Supremo, não foi tão oportuno assim. O Supremo só foi provocado na boca da eleição.

Foi um erro da Justiça?
Sim, houve erro da Justiça. Às vezes, há vícios no processo, como o fato de o sujeito não ter sido ouvido. Isso é um vício que escapa à razoabilidade. A jurisprudência do STF diz que só se pode punir por improbidade administrativa quando há intenção de fraudar a lei.

Sua indicação para o STF foi vista como um possível sopro de modernização no Tribunal, por sua abordagem mais moderna de temas complicados. O que o senhor acha disso?
Entendo que os Tribunais têm de ter todos os sopros. O Vargas Llosa diz assim: existem soluções que são de direita e existem soluções que são de esquerda. No Direito, é a mesma coisa. Existem decisões que têm de ser legalistas, têm de obedecer à letra fria da lei. E outras que têm de ser de acordo com a época. Por exemplo, um grande valor hoje é a dignidade humana, que passa por vários conceitos, como autodeterminação, autossuficiência, saúde, educação, segurança, valorização do trabalho humano, a livre-iniciativa, a concorrência leal.

O senhor acha que a Justiça está dando uma resposta na devida medida e rapidez em relação a temas como união civil de pessoas do mesmo sexo?
Sem nenhuma crítica a qualquer outra composição, hoje o Supremo está sendo desafiado para as grandes questões, como os direitos civis dos homossexuais. Ninguém pode ser tratado desigualmente em razão de sua crença, de sua origem, de seu sexo. Os homossexuais têm todos os deveres e querem também seus direitos. Discriminar uma pessoa só pela opção sexual que ela fez? São grandes questões, e a composição do Supremo é magnífica para tomar decisões sobre elas.

Por quê?
O Supremo hoje tem vários vetores. Tem os ministros clássicos, como Marco Aurélio e Celso de Mello. Tem a ministra Cármen Lúcia com sua visão constitucional bem ampla. O ministro Joaquim Barbosa tem uma formação multidisciplinar. Posso falar também da sensibilidade do ministro Ayres Britto e da experiência e da sensibilidade da ministra Ellen Gracie. O ministro Ricardo Lewandowiski tem grande experiência em Direito Internacional. O ministro Gilmar é um grande constitucionalista. Finalmente, o ministro Dias Tóffoli, apesar de jovem, é um homem com uma visão de Estado magnífica.

O senhor é o primeiro judeu no Supremo. Qual é a importância desse fato?
Para a comunidade judaica, tem uma importância grande, porque é uma comunidade pequena. Para mim, é o mínimo que posso fazer por meu país. O Brasil é um país pluriétnico, um país plural que recebeu meu pai [Mendel Wolf Fux nasceu na Romênia], um exilado de guerra, meu avô e minha avó. O país deu condições de a gente formar família. É o berço dos meus filhos. Eu digo o seguinte: o que é bom para o Brasil é bom para mim.

Sua posição favorável às cotas raciais decorre dessa sua compreensão sobre o Brasil ser um país pluriétnico?
Não posso falar [o sistema de cotas está sendo julgado pelo STF], mas já fiz várias palestras sobre isso. Não vou negar que já disse ser favorável às cotas, mas vamos ver como está a ótica do Supremo, porque os Tribunais Superiores têm de transmitir segurança jurídica. Não adianta um resultado todo desconforme.

Como no caso da Ficha Limpa…
É importante transmitir segurança jurídica, firmar uma jurisprudência para todo mundo seguir. Isso é importante, porque torna (a realidade) previsível. Todo ser humano precisa de previsibilidade para organizar sua vida.

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