Defensoria autônoma

DPU precisa de autonomia para cumprir sua função

Autor

27 de fevereiro de 2011, 17h08

A eficiente gestão da Defensoria Pública da União possui grande importância para a consagração de uma sociedade baseada no Estado de Direito, sendo o cidadão o principal beneficiário. Atualmente a DPU faz parte do Poder Executivo e está vinculada ao Ministério da Justiça, logo, a DPU não possui autonomia administrativa nem orçamentária, isto é: a iniciativa da sua proposta orçamentária e sua gestão ficam adstritas a ingerência do Ministério da Justiça e ao Poder Executivo Federal.

Ademais, quase toda a demanda patrocinada pela DPU é em favor do cidadão e contra a União, suas autarquias ou empresas públicas, sendo de fundamental importância que a iniciativa de proposta orçamentária seja feita pelo chefe da carreira, o Defensor Público-Geral Federal. Todavia, isto não ocorre e o órgão fica à mercê do Ministério da Justiça, o que muitas vezes leva a um engessamento da gestão da DPU.

A Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 134 da Constituição Federal, que previu autonomia funcional, administrativa e a iniciativa de proposta orçamentária para as Defensorias Públicas Estaduais. Entendemos que este dispositivo constitucional deve ser aplicado à DPU, seja em virtude do princípio da unidade, seja pela necessidade da autonomia administrativa e orçamentária para se alcançar os objetivos da DPU.

Assim, vários aspectos marcantes surgem desta problemática da falta de autonomia administrativa e orçamentária para a DPU, como as seguintes indagações: é constitucional o dispositivo trazido pela Emenda Constitucional 45/2004? Como resolver o contrassenso que consiste em uma Defensoria Pública que atua contra a União e não possui seu orçamento proposto pelo DPGF? Pelo princípio da unidade, ao qual a Defensoria Pública é regida, teria sentido autonomia orçamentária para as Defensorias Públicas Estaduais e não para a DPU?

A DPU tem sua gestão e orçamento subordinados ao Poder Executivo Federal, o que dificulta a administração por parte do chefe da carreira, bem como a evolução do órgão no que se refere a sua estruturação. Embora haja previsão constitucional de autonomia administrativa e orçamentária para as Defensorias Públicas Estaduais, houve omissão pelo constituinte reformador no que se refere à DPU, o que prejudicou por demais a gestão desse órgão.

A norma contida no parágrafo 2º do artigo 134 da Constituição Federal, que atribui autonomia administrativa e orçamentária para as Defensorias Estaduais, deveria ser estendida para a DPU, seja por se tratar de órgão uno Defensoria Pública, seja para que haja uma gestão independente da do Poder Executivo, bem como em virtude da simetria e do pacto federativo.

A Associação dos Defensores Públicos Federais (ANADEF) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal alegando que a dependência de repasses do Ministério da Justiça atrapalha a estruturação do órgão. Trata-se da ADI 4182-3/2009, que ainda não foi julgada e se fundamenta basicamente no princípio da unidade, violação do pacto federativo e da simetria, e busca uma interpretação conforme do artigo 134, parágrafo 2º da Constituição.

A Defensoria Pública da União é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, no âmbito federal, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal[1]. Destarte, há a necessidade de aprofundamento dos estudos sobre a gestão deste órgão com o objetivo de aprimorar sua expansão e sua administração.

Importa, neste aspecto, uma investigação sobre a necessidade da autonomia administrativa e orçamentária para se garantir uma gestão mais eficiente do órgão e, dessa forma, tentar alcançar o objetivo social da DPU. A autonomia administrativa, segundo Maria Helena Diniz, consiste na “soma de poderes que dispõe a pessoa jurídica de direito público interno de Administração direta ou indireta para o exercício das atividades ou serviços públicos, assim como para gerir seus bens e recursos”.[2]

Dessa forma, é preciso haver a previsão de iniciativa orçamentária pela DPU, para custear a gestão de acordo com as suas necessidades reais e sem intervenção direta do Poder Executivo. Além disso, não pode deixar de se conhecer o conceito de orçamento público. Segundo Silva, “orçamento é um plano de trabalho governamental expresso em termos monetários, que evidencia a política econômico-financeira do Governo e em cuja elaboração foram observados os princípios da unidade, universalidade, anualidade, especificação e outros (…)”.[3]

O orçamento público possui peculiaridades que implicam em dificuldade na gestão pública, principalmente quando o órgão em questão é a Defensoria Pública da União.

Outrossim, não se pode ignorar a omissão feita pelo constituinte derivado na Emenda Constitucional 45/2004, que previu a autonomia administrativa e orçamentária apenas as Defensorias Públicas Estaduais. Fazendo uma analogia ao Ministério Público, seria o mesmo que haver um Ministério Público Estadual com autonomia e um Ministério Público da União sem esta.

O princípio da unidade – que implica a integração dos defensores públicos num mesmo órgão, regidos pela mesma disciplina, por diretrizes e finalidades próprias, isto é, os membros fazem parte de um todo que é a Defensoria Pública[4]– parece ser desprezado por parte do constituinte derivado.

Ademais, é preciso perceber que a Defensoria Pública é um órgão responsável por concretizar judicialmente políticas públicas. E que como órgão público deve ser gerido observando-se a excelência da gestão pública. Observe que, diferente de leis, técnicas ou normas, esse conceito traz valores essenciais que precisam ser continuamente internalizados até se tornarem definidores da gestão pública. Surgindo a partir da premissa de que é preciso ser excelente sem deixar de ser público, o modelo deve estar embasado em fundamentos próprios da natureza pública das organizações e próprios da gestão de excelência contemporânea. A união desses fundamentos define o que se entende atualmente por excelência em gestão pública.[5]

Com efeito, não se pode abandonar a reflexão acerca da reforma constitucional, que segundo Santos, assume o compromisso político de remover o entulho autoritário, recuperar os direitos políticos e avançar nos direitos sociais[6]. Faz-se uma crítica ao Governo Federal que afirma está melhorando o acesso à justiça e as políticas sociais, mas não fortalece a Defensoria Pública da União. Neste sentido observe o que afirma Bezerra:

“De toda forma, a instituição Defensoria Pública, apesar da relevância e importância que lhe confere a Constituição, não tem recebido de parte do Poder Público, o apoio necessário para que exerça tal mister com liberdade, autonomia e com condições estruturais e financeiras necessárias”.[7]

Outrossim, existe a PEC 358/2005, que prevê a autonomia administrativa, financeira e orçamentária para a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal, tramita agora na Câmara dos Deputados ainda sem definição de data para votação em plenário e já foi aprovada pelo Senado. Esta alteração constitucional visa garantir tratamento simétrico entre a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal com a Defensoria Pública dos Estados, reforçando assim a segunda etapa do programa de Reforma do Judiciário. Todavia, não pode haver demora na tramitação desta PEC, sob pena de prejuízo para a instituição Defensoria Pública, e, consequentemente, para o povo.

Sobre a atual estrutura da DPU, sabe-se que a Instituição possui nos seus quadros 477 Defensores Públicos Federais lotados hoje em todas as capitais do país e em algumas grandes cidades do interior. Contudo, são 740 Varas Federais, mais de 700 Procuradores da República, mais de 4.400 Procuradores Federais, mais de 1.500 Advogados da União e mais de 2.400 Procuradores da Fazenda Nacional. Infere-se, a partir desses números, que a quantidade de defensores públicos federais é ínfima para um país das dimensões do Brasil e que a União está bem assessorada juridicamente, o que não acontece com o povo brasileiro, em virtude da quantidade reduzida de Defensores Público Federais, o que dificulta o acesso à justiça para o povo hipossuficiente no sentido jurídico e financeiro.

A partir de um alinhamento com enfoques doutrinários que diferenciam e aperfeiçoam os conceitos no campo da Administração Pública e no Direito Público, percebe-se a importância de se aperfeiçoar a gestão da DPU.

Dessa forma, por meio dos diálogos entre os doutrinadores de Administração Pública, Orçamento e Finanças Públicas, Direito Administrativo e Direito Constitucional, bem como através da análise de dados da gestão de órgão com a característica da autonomia administrativa e orçamentária, percebe-se que a autonomia administrativa e orçamentária é essencial e deve ser implantada o mais rápido possível. Argumentos não faltam para fundamentar a causa, basta a vontade política.

Trata-se de relevante estudo que se justifica pela análise de uma problemática que está no núcleo das discussões da Administração Pública e do Direito Público nacional. Faz-se necessário intentar para o contrassenso de se ter uma Defensoria Pública do Estado autônoma e uma Defensoria Pública da União não autônoma.

Este texto não chega nem perto de esgotar a presente temática, mas o objetivo maior deste artigo é insuflar o debate de como inserir a autonomia administrativa e orçamentária na gestão da DPU e demonstrar que isto é fundamental para uma eficiente gestão do órgão.

 

BIBLIOGRAFIA

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Lições de Teoria da Constituição e de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1998.

JORGE NETO, Nagibe de M. O controle jurisdicional das políticas púbicas. Salvador: Juspodivm, 2009.

LIMA, Frederico Rodigues Viana de. Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, 2010

MENDES, Gilmar F. Curso de direito constitucional. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

RICCI, Rudá. O conflito entre estrutura burocrática e a gestão participativa. 2008. Disponível em:

SANTOS, Reginaldo Souza. A administração política e a natureza das políticas públicas brasileiras nos anos 90. Disponível em: http://www.iij.derecho.ucr.ac.cr/archivos/documentacion/inv%20otras%20entidades/CLAD/CLAD%20X/documentos/santosre.pdf. Acesso em: 18 de novembro de 2010.

______, Reginaldo Souza. Em busca da compreensão de um conceito para Administração Política. RAP, v. 36, set./out. 2001, Rio de Janeiro.

SILVA, Lino Martins da. Contabilidade Governamental: Um Enfoque Administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996.


[1] Trata-se de conceito inferido do art. 1º da Lei Complementar 80/94.

[2] Dicionário Jurídico. V. 1. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 348.

[3] SILVA, Lino Martins da. Contabilidade Governamental: Um Enfoque Administrativo. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 37

[4] LIMA, Frederico Rodigues Viana de. Defensoria Pública. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 97..

[5] RICCI, Rudá. O conflito entre estrutura burocrática e a gestão participativa. 2008. Disponível em:

[6]SANTOS, Reginaldo Souza. A administração política e a natureza das políticas públicas brasileiras nos anos 90. 2005 Disponíveis em: http://www.iij.derecho.ucr.ac.cr/archivos/documentacion/inv%20otras%20entidades/CLAD/CLAD%20X/documentos/santosre.pdf.

[7] BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Lições de Teoria da Constituição e de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!