Silêncio de juiz nas sessões gera polêmica nos EUA
24 de fevereiro de 2011, 17h14
Foram cinco anos consecutivos em silêncio durante as audiências da Suprema Corte. Este peculiar aniversário foi amplamente lembrado — e discutido — pela imprensa americana esta semana. O aniversariante é o ministro Clarence Thomas, um dos nove magistrados da mais alta corte de Justiça dos EUA.
Na terça-feira (22/2), fez cinco anos desde a última pergunta feita pelo juiz Thomas durante uma sessão de argumentação oral na corte. Desde então, não se ouviu mais a voz dele.
Aparentemente prosaico, o fato foi amplamente repercutido, provocando debates e trazendo à tona o lançamento de um livro que trata dos comentários e perguntas feitas pelos nove juízes associados da Suprema Corte.
De fato, a voz do ministro até que é ouvida, pois ele costuma ler os pareceres durante as sessões. Porém, o último comentário espontâneo do ministro, a última vez em que fez uma pergunta ou consideração acerca de qualquer processo, em frente aos colegas e advogados, foi em fevereiro de 2006.
Apesar de o "aniversário" ter desencadeado a discussão, o debate sobre o silêncio do ministro Thomas sempre esteve presente entre os observadores da Suprema Corte e tem motivado um tema mais amplo, relacionado às colocações dos juízes associados durante as sessões. De um lado, estão os críticos que avaliam que a fala dos magistrados é meramente cerimonial. De outro, estão os que acham que a participação espontânea dos juízes é a melhor chance de se estabelecer um debate público com os advogados e, por consequência, com a opinião pública.
Por trás do debate sobre o silêncio do ministro, está a questão da ausência de regras sobre o procedimento de se fazer perguntas e colocações durante as audiências. Trata-se de um caso em que a tradição acabou por consagrar a prática. E a tradição estabelecida é que os juízes devem participar. Quando a ausência de palavras se faz perceber, o silencioso, então, torna-se alvo de críticas.
Timothy R. Johnson, professor de Ciências Políticas da Universidade de Missouri está preparando um livro sobre o tema. De acordo com Johnson, que falou com a imprensa esta semana, em um dos extremos está o ministro Antonin Scalia, o mais falante durante as sessões, com a marca de 27 comentários por audiência. Na outra ponta está Clarence Thomas, com sua "muralha de silêncio", como o descreveu a repórter correspondente da Suprema Corte da rede ABC esta semana. A emissora entrevistou o m no popular ABC Nightline por ocasião dos cinco anos de silêncio.
"Ele não fornece pistas sobre como pensa ou como vai votar", avaliou a entrevistadora no breve relato sobre a trajetória do juiz.
Conservador
Thomas, de fato, mesmo antes do recorde de cinco anos, já era tido como o ministro mais comedido da corte em termos de comentários. Contudo, no que diz respeito à vida pessoal, Thomas é um dos que tem a relação mais atribulada com a mídia.
Único afro-americano da Suprema Corte, o ministro cresceu em meio à pobreza e à segregação racial do estado sulista da Georgia. Abandonado pelo pai, foi criado pelo avô, enfrentando, desde cedo, muitos obstáculos até conseguir exercer a advocacia.
Graduado em Yale com louvor (está entre os 2% dos alunos da universidade que alcançam a distinção), Thomas simpatizou, durante o período de estudo, com as ideias do militante pelos direitos dos negros, Malcom X. Um fato singular na biografia de um jurista tido como conservador.
Indicado à corte pelo presidente George Bush, em 1991, Thomas não desfruta da simpatia dos movimentos por direitos da população negra, que o tem como um representante do conservadorismo americano. Tampouco conta com a simpatia irrestrita dos conservadores.
Há 19 anos, o ministro enfrentou uma acusação de assédio sexual feita por uma jovem professora de Direito de Oklahoma, afro-americana como ele. O caso foi explorado intensamente pela mídia, mas o ministro foi inocentado das acusações.
Casado com uma mulher branca, ativista conservadora e figura expressiva da Direita dos EUA, o ministro tem uma relação pouco amigável com jornalistas, sobretudo com os comentadores de Justiça do país. “Se falo, sou criticado, se permaneço em silêncio, também me atacam. Eles [a imprensa] sabem tudo, são as pessoas mais espertas do mundo”, ironizou o ministro, terça à noite, durante a entrevista concedida ao ABC Nightline.
O ministro declarou ainda que a imprensa criou uma caricatura sua e recorre a ela para falar de sua atuação como ministro. Ainda durante a entrevista, declarou que, quando entra nas sessões, geralmente está convencido sobre sua decisão, o que para ele, torna desnecessário o "calor da discussão".
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