Baixa punição

Lei de Improbidade provoca morosidade processual

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19 de fevereiro de 2011, 6h20

Nascida às vésperas do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, a Lei de Improbidade Administrativa surgiu para punir os administradores e servidores que não faziam bom uso do dinheiro público. Quase dezenove anos depois, o Brasil acumula mais de mil processos judiciais resultantes de irregularidades apontadas pela Controladoria-Geral da União em seus relatórios de fiscalização.

Muitos especialistas creditam a essa lei a demora no processo e, por consequência, o baixo índice de punição para aqueles que desviam dinheiros dos cofres públicos. Em entrevista ao programa Bom Dia, Ministro, produzido pela presidência da República, o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, revelou que apenas 10% do dinheiro gasto ilegalmente volta aos cofres públicos. Não bastasse o baixo índice de retorno, poucas pessoas são presas. O processo judicial é o culpado pela demora na punição de responsáveis por crimes envolvendo o dinheiro público, segundo Hage.

O juiz Ricardo Nascimento, presidente da Associação dos Juízes Federais do Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul, diz que a demora nos trâmites dos processos não é boa nem para o inocente, nem para o culpado. Ao comentar o ponto de vista do ministro Jorge Hage, o juiz disse que "a CGU poderia propor uma reforma no Congresso para melhorar a legislação que trata da improbidade".

"A Lei de Improbidade tem sérios defeitos que dificultam um processo célere. Existe uma falta de vontade política pra aprimorar a legislação e há muita imprecisão ainda", entende.

Na mesma entrevista, Hage disse que "a legislação brasileira oferece tanta possibilidade de chicana processual que um bom advogado consegue que a pessoa não vá para a cadeia". A opinião de Nascimento, de que é preciso propor mudanças diretamente no Congresso Nacional, também é defendida pelo ministro. Segundo ele, o combate à morosidade processual começa pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Ambas as casas precisam ser pressionadas a fim de reformas na legislação processual brasileira.

Os Códigos de Processo Penal e de Processo Civil brasileiros datam de 1941 e 1973, respectivamente. Propostas de mudança dos textos já vêm sendo aprovadas pelo Congresso Nacional. Um delas, na legislação penal, prevê a criação de mais uma figura: o juiz de garantias. Hage vê a novidade com ressalvas: "O projeto atual que está no Congresso, de Código de Processo Penal, prevê um tipo de medida absurda que só vai piorar a situação: a distinção do juiz de garantias do juiz de processo. A colocação de mais um juiz só vai levar ao retardamento, pois ele não tem conhecimento do caso e pode levar muito tempo para se familiarizar".

César Mattar Jr., presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), concorda com a análise de Hage. "Essa figura do juiz de garantias, que não tem identidade com o processo e nem compromisso com a celeridade, pode, de fato, surtir o efeito oposto." E concorda também com a alegação de que a legislação processual brasileira atual está longe de conferir rapidez aos tramites processuais. "É uma realidade do país. A procrastinação existe e a própria legislação permite isso", opina.

Em sua fala, ele atenta, ainda, para o fato de que falta juízes nos tribunais brasileiros, assim como na Defensoria Pública, que não tem o número de membros necessários para oferecer à população a assistência garantida pela Constituição. O mesmo acontece com o Ministério Público. "Nós estamos aquém da necessidade. É preciso um incremento de profissionais ou a mudança na legislação, por si só, não vai surtir o efeito desejado. Não teremos como dar vazão às exigências legais", opina.

Apesar de as medidas judiciais ainda serem falhas na resolução dos problemas, Hage declarou que a saída, muitas vezes, é a aplicação de sanções pela própria administração. Em 2010, por exemplo, 521 servidores foram punidos por terem cometido práticas ilícitas no exercício da função. Em oito anos, o governo federal expulsou 2.969 mil servidores por corrupção.

Já Mattar Jr. acredita que, apesar de uma maior atuação dos órgãos de fiscalização, há um sentimento de impunidade no ar. "Esse sentimento é generalizado e resulta no aumento de infrações." É aí que os órgãos entram, para corrigir o que deu errado, diz.

O advogado Daniel Bijos Faidiga, do escritório Salusse Marangoni Advogados, conta que, a princípio, não havia muita certeza acerca da finalidade da Lei de Improbidade Administrativa. "Hoje, a matéria está mais bem consolidada. A jurisprudência está mais uniforme. Entre tantas leis que não pegam, essa foi uma que pegou", avalia.

Bijos afirma que, logo no início da vigência da lei, não estava bem delineado quando um administrador agia de má-fé e quando ele era apenas um mau administrador. Esse é um dos pontos que ainda gera divergências no Superior Tribunal de Justiça, como explica Lisbôa Neiva, desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. "A jurisprudência oscila." A 2ª Turma entende que a má-fé não tem de estar presente para caracterizar a improbidade. Já a 1ª considera como necessária a presença do fator.

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