terrenos da marinha

Diretrizes do pagamento de laudêmio na ocupação

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14 de fevereiro de 2011, 12h29

Ganharam corpo nos meios forenses ações judiciais buscando a desoneração do pagamento de laudêmio quando da alienação de benfeitorias em imóveis cadastrados junto à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) como sujeitos ao regime de ocupação. É que esta condiciona a transferência do cadastro do ocupante ao recolhimento do encargo. Em face da vastidão litoral brasileiro, a cizânia tem largos contornos, dês que a urbanização do país se deu predominantemente na faixa praieira, onde a construção civil é massiva. Importa examinar o ordenamento vigente.

De pronto, resgate-se que: [a] a ocupação é o estado fático de quem se encontra em terreno pertencente à União (art. 20 da CRFB), sem título outorgado pelo poder público (art. 127 do Decreto-Lei n. 9.760/46); [a.1] a ocupação inscrita nos cadastros do órgão do patrimônio é ato administrativo precário e resolúvel a qualquer tempo (art. 7º da Lei n. 9.636/98), e não importará no reconhecimento de qualquer direito de propriedade do ocupante sobre o terreno (art. 131 do DL 9.760/46) [b] o ocupante é devedor de uma taxa anual apurada pela SPU; [c] e, por fim, a ocupação não se confunde com o aforamento. É que a utilização do bem público sob a última modalidade jurídica tem por base um contrato/negócio, e não um estado de fato (cf. arts. 99 e ss do DL 9.760/46).

Pois bem.

A regência dos foros, laudêmios, e taxas de ocupação relativas aos imóveis da propriedade da União, e que gera a contenda em exame, consta do Decreto-Lei 2.398/87, no qual a SPU apoia a exigência da exação. Especificamente o artigo 3º:

Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos. (Regulamento)

E é no momento de levar o negócio imobiliário ao efetivo registro (não raro tempos depois da efetiva transação, ainda diante do prazo legal de 60 dias, e da previsão de multa para o retardo – cf. artigo 3º, parágrafos 4º e 5º do Decreto-Lei n. 2.398/87) que o ocupante demanda em juízo para a exoneração dos 5% calculados sobre o valor do domínio pleno [esta hipótese relativa ao aforamento, e extreme de dúvidas] e das benfeitorias [aqui o ponto controvertido]. Verdade é que em numerosos casos o laudêmio é pago; da mesma forma se diga que não são poucas as demandas com pretensão de repetir valores.

Mas então, o artigo 3º do decreto mencionado se aplicaria exclusivamente ao instituto do aforamento, e não ao da ocupação?

Temos que a resposta seja negativa.

A conjunção “ou” expressa no texto legal demonstra de forma clara que o dispositivo respeita a dois fatos geradores para a incidência da taxa fixada: (1) a transferência onerosa do domínio útil; assim (2) a transferência onerosa de direitos sobre benfeitorias construídas em terrenos da União.

Tanto numa quanto noutra hipótese as situações previstas para incidência do laudêmio são identificáveis. Na primeira delas, que cuida do domínio útil, percebe-se facilmente que o instituto previsto é o aforamento ou enfiteuse; enquanto na segunda o instituto previsto é o da ocupação. Demonstraremos.

Do vernáculo, benfeitoria é a obra útil realizada em propriedade e que a valoriza. Obra feita em coisas móveis ou imóveis com o fim de as conservar, melhorar ou embelezar[1]. E da doutrina civil: "São as obras, ou despesas, que se fazem num móvel, ou num imóvel, de outrem para conservá-lo, melhorá-lo ou, simplesmente, embelezá-lo"[2].Ou ainda "As obras e despesas que se fazem em bem móvel ou imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo"[3].

Ora, a benfeitoria útil consubstanciada na edificação, na construção, e que se pretende transferir, é algo agregado ao terreno da União, sendo de direito ao seu titular inclusive transferi-la a terceiro. Mas o que não se doa, não se vende, é o domínio, seja o pleno, seja o útil, que sempre permanece com o poder público.

Exatamente esta a diferenciação feita no artigo 3º do Decreto-lei 2.398/87. Fixou-se o pagamento da taxa de laudêmio tanto para o titular do domínio útil (foreiro), como para o titular de direitos sobre as benfeitorias construídas em terrenos da União (ocupante).

E, diga-se de passo, assim não ocorre apenas no bojo do Decreto-lei 2.398/87. O Decreto 14.595, de 31 de dezembro de 1920, já estabelecia:

“A partir da data deste regulamento a transferência de terrenos de marinhas e seus accrescidos, embora não aforado, fica sujeita ao pagamento do laudemio de 5 % sobre o valor da venda dos mesmos terrenos a semelhança e com as mesmas regras estabelecidas para os terrenos aforados”.

Donde ressai que o regime jurídico-administrativo que garante a cobrança do laudêmio não é o mesmo que o garantia nas relações privadas. Na seara privada, aí sim, somente deve ser pago o laudêmio quando há transferência de domínio útil[4]. Mas na pública está o ocupante sujeito ao pagamento de laudêmio quando de transferências de direitos sobre benfeitorias nele construídas (ocupação) construídas em terras de marinha.

Este entendimento vem encontrando eco na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A tal compreensão, cito precedentes:

DIREITO ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE IMÓVEL LOCALIZADO EM TERRENO DE MARINHA. ALIENAÇÃO DE CONSTRUÇÃO. INCIDÊNCIA DO LAUDÊMIO.

1. Pela ocupação de imóvel da União, localizado em terreno de marinha, é devida apenas a taxa prevista no art. 127 do Decreto-Lei 9.760/1946.

2. Diferente, contudo, é a situação em que o ocupante pretende transferir a terceiros, mediante alienação a título oneroso, apartamento construído no referido imóvel. Nesse contexto, viável a cobrança de laudêmio, conforme expressamente previsto no art. 3º do Decreto-Lei 2.398/1987, que deu nova redação ao art. 130 do Decreto-Lei 9.760/1946, e nos arts. 1º e 2º do Decreto 95.760/1988.

3. Inaplicável o entendimento de que o laudêmio somente pode ser cobrado na transferência do imóvel aforado, nos termos do art. 686 do Código Civil, porque os imóveis localizados em terreno de marinha encontram-se sujeitos ao regime jurídico administrativo, sendo disciplinados por legislação específica, total ou parcialmente derrogatória dos princípios e dos institutos de Direito Privado.

4. Recurso Especial provido.

(REsp 1128333/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 30/09/2010)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TRANSMISSÃO DE OCUPAÇÃO. PAGAMENTO DE LAUDÊMIO. LEGALIDADE. ARTIGO 3.º, DO DECRETO-LEI N.º 2.398, DE 21.12.1987.

1. O artigo 3.º, do Decreto-lei n.º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, dispõe que: "Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos." 2. Consectariamente, a transferência onerosa de quaisquer poderes inerentes ao domínio de imóvel da União condiciona-se ao prévio recolhimento de laudêmio. Isto porque, não obstante o instituto do laudêmio estivesse intimamente vinculado ao domínio útil, a novel lei ampliou-o para alcançar, também, a transferência onerosa de qualquer direito sobre benfeitorias construídas em imóvel da União, bem como a cessão de direitos a ele relativos.

3. In casu, a parte autora alega ser proprietária de dois imóveis situados em terrenos de marinha e que se viu obstada de lavrar as competentes escrituras de venda e compra dos referidos imóveis, os quais são utilizados em regime de ocupação, porque lhe fora exigido o pagamento de taxa de laudêmio, aduzindo, assim, ser incabível tal cobrança, por não se tratar de hipótese de transferência do domínio útil do imóvel, vinculada ao aforamento ou à enfiteuse, mas tão-somente de cessão de direito, por tratar-se de mera ocupação, não sujeita à cobrança de laudêmio.

4. É lícito à norma erigir figuras assemelhadas sujeitas ao laudêmio, posto obedecido o princípio da legalidade e a indisponibilidade dos bens ou faculdades inerentes à titularidade do domínio público.

5. Recurso especial conhecido e provido, divergindo do E. Relator.

(REsp 1143801/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 13/09/2010)

PROCESSO CIVIL – ADMINISTRATIVO – TERRENOS DE MARINHA – COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO – PRAZO PRESCRICIONAL – APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI 20.910/32.

1. Os terrenos de marinha são bens públicos que se destinarem historicamente à defesa territorial e atualmente à proteção do meio ambiente costeiro.

2. Permite-se a ocupação por particulares, mediante o pagamento de taxa de ocupação e de laudêmio quando da transferência, em relação eminentemente pública, regida pelas regras do direito administrativo.

2. Fixada a natureza jurídica da relação, prazos para cobrança das obrigações dela oriundas seguem as regras da decadência e da prescrição previstos no Direito Público 4. Inexistindo regra própria até o advento da Lei n. 9.363/98, aplica-se a regra geral do art. 1º do Decreto-lei n. 20.910/32, ou seja, o prazo quinquenal, em interpretação analógica, sendo inaplicável o Código Civil.

5. Recurso especial provido em parte.

(REsp 1044105/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

Concluindo, a ocupação dos terrenos de marinha está inserida no contexto do regime administrativo, de forma que os institutos do direito privado foram legalmente conformados à supremacia e à indisponibilidade do interesse público. E assim o fez o Decreto-Lei 2.398/87, regulamentado pelo Decreto 95.760/88, este mais expresso ainda no sentido do que se pretende aqui convencer. É devido, portanto, o laudêmio, à razão de cinco pontos percentuais sobre o valor atualizado da benfeitoria – as mais das vezes uma casa/apartamento -, quando da sua transferência onerosa entre particulares, relativamente a bens de marinha inscritos em ocupação perante a SPU.

Bibliografia
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio, Século XXI, Ed. Nova Fronteira, 1999.

[2] BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Vol. 1, 7ª tiragem da edição histórica, p. 296, Editora Rio, 1940.

[3] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 5ª ed., pág. 81, Ed Saraiva, 1999.

[4] Código Civil. Lei n. 10.406/02. Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores. § 1o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso: I – cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações; II – constituir subenfiteuse. § 2o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.

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