Pena mínima

Se dinheiro não foi devolvido, não há arrependimento

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13 de fevereiro de 2011, 7h02

Se os valores subtraídos não foram devolvidos voluntariamente à vítima, não cabe reconhecimento de arrependimento posterior, como causa de diminuição da pena. O entendimento é da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação de um homem condenado por apropriação indébita.

No caso analisado pelo TJ mineiro, o prestador de serviço de uma empresa em Divinópolis (MG) recorreu de sentença que o havia condenado a um ano e oito meses de reclusão, em regime aberto, além de 16 dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 168, parágrafo 1º, inciso III, do Código Penal. A pena foi substituída por duas penas restritivas de direitos.

O homem pediu ao TJ que o absolvesse. Alegou que não teve o dolo de apropriar dos cheques do local onde trabalhava. Caso não fosse absolvido, pediu a redução da pena e o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e do arrependimento posterior além da isenção de custas processuais.

"É totalmente descabida a pretensão de reconhecimento do arrependimento posterior, já que os cheques não foram devolvidos à vítima por ato voluntário do apelante, mas somente em face da reclamatória trabalhista interposta pela Central Honda Ltda. em desfavor do réu", afirmou o relator do recurso, desembargador Adilson Lamounier.

A atenuante da confissão espontânea foi reconhecida pelo TJ, mas a pena não foi reduzida, devido à Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. De acordo com o enunciado, "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

De acordo com a denúncia, nos meses de julho e agosto de 2006, o homem se apropriou do valor de R$ 2.260. A defesa sustentou que o homem se apropriou dos cheques para fazer prova em processo trabalhista. Tal argumento foi rechaçado pelo TJ mineiro depois de analisar a inicial da ação trabalhista e não constatar menção aos cheques.

"Mesmo se esta fosse a sua intenção, não estaria amparada pelo ordenamento jurídico, pois há meios legais para busca dos direitos que, no seu entender, estavam sendo violados", disse. "Da mesma forma, o fato de a empresa ter feito a representação criminal imbuída pelo sentimento de vingança, em contra-ataque à ação trabalhista ajuizada pelo réu [o funcionário], em nada altera a realidade dos fatos e a tipicidade do delito praticado, não tendo o condão de afastar a responsabilidade do réu pelo ilícito praticado", completou.

Apesar de reconhecer a conduta criminosa do réu, a Câmara entendeu que não havia "culpabilidade excessiva", que permitisse impor uma pena acima do mínimo. "As consequências do crime não são graves, uma vez que os valores apropriados foram compensados na ação trabalhista", disse o relator, na decisão, publicada no final de janeiro. O TJ reduziu a pena para um ano e 10 dias-multa.

Leia a decisão:

EMENTA: DIREITO PENAL – APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA – ART. 168, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL – PALAVRA DA VÍTIMA – DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS – DOLO COMPROVADO – CONDENAÇÃO MANTIDA – PENAS EXACERBADAS – REESTRUTURAÇÃO – ARREPENDIMENTO POSTERIOR DESCABÍVEL – NÃO DEVOLUÇÃO DA RES FURTIVA, VOLUNTARIAMENTE, PELO RÉU – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – CONCESSÃO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I – Comete o delito de apropriação indébita qualificada o prestador de serviços que se apropria de numerário repassado pelas empresas-vítima para pagamento de sistemas de alarme e segurança. II – Se as penas foram fixadas de forma exacerbada, impõe-se a sua reestruturação, a fim de reduzi-las ao patamar adequado. III – Não há que se falar em arrependimento posterior, como causa de diminuição de pena (art. 16 do Código Penal), se os valores apropriados não são voluntariamente devolvidos à vítima. IV – Em prol do acusado defendido pela Defensoria Pública milita a presunção de insuficiência de recursos para custear o processo, fazendo ele jus à isenção do pagamento das custas judiciais, por força do disposto no art. 10, II, da Lei Estadual nº 12.427/1996.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0223.06.185622-3/001 – COMARCA DE DIVINÓPOLIS – APELANTE(S): XXXXXXXXX – APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – RELATOR: EXMO. SR. DES. ADILSON LAMOUNIER

ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador ADILSON LAMOUNIER , na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL.

Belo Horizonte, 11 de janeiro de 2011.
DES. ADILSON LAMOUNIER – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ADILSON LAMOUNIER:
VOTO
Trata-se de apelação criminal interposta em face da sentença de fls. 132/136, em que o douto magistrado a quo condenou o apelante XXXXXX à pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, e 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela pratica do crime de apropriação indébita (CP, art. 168, § 1º, III). A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos.

Em suas razões de recurso, às fls. 148/153, o apelante busca a reforma da sentença recorrida, com a sua consequente absolvição, ao argumento de que não teve o dolo de apropriar-se. Eventualmente, pede a redução das penas impostas, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea como circunstância preponderante, bem como do arrependimento posterior, e a isenção das custas processuais.

O Ministério Público, às fls. 154/164, contrarrazoou o recurso pugnando pelo seu desprovimento.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento parcial do recurso, para que seja reduzidas as penas impostas, fls. 170/180.

Às fls. 140 a ré foi intimada pessoalmente da sentença.

É o relatório do essencial.

Conheço do recurso, posto que presentes os seus pressupostos de admissibilidade.

Não foi alegada e, em princípio, também não vislumbro nenhuma preliminar a ser apreciada antes do mérito recursal.

Narra a denúncia que, nos meses de julho e agosto de 2006, na qualidade de prestador de serviços para a empresa Central Rhonda, o apelante apropriou-se indevidamente do valor de R$700,00 da empresa Depósito JK Comércio Ltda., R$760,00 da empresa Liderbox Indústria e Comércio Ltda., e R$800,00 da empresa FACPEL, em virtude de sistema de alarme e segurança instalados nos referidos estabelecimentos.

O douto magistrado a quo, conforme já relatado, julgou a denúncia procedente para condenar o apelante-réu nas iras do inciso III do § 1º do artigo 168 do Código Penal, o que motivou o presente recurso.

A meu sentir, extraem-se dos autos provas suficientes para legitimar o edito condenatório.

A materialidade do delito encontra-se positivada pelo Termo de Representação, fls. 06/08, cópia dos cheques apropriados, fls. 22/23 e 97, e recibos de fls. 13/16, em sintonia com a prova oral colhida.

Da mesma forma, a autoria restou consubstanciada pelas declarações do próprio réu, fls. 87/88, em perfeita harmonia com os depoimentos da vítima YYYY , fls. 89/90, e da testemunha ZZZZ, fls. 91.

Neste contexto, as evasivas do apelante – de que não agiu como dolo de se apropriar das quantias recebidas – além de terem restado isoladas nos autos, foram desautorizadas pela prova colacionada, senão vejamos.

Alega a defesa que o réu apenas reteve os cheques para fazer prova no processo trabalhista. Todavia, analisando a inicial da referida ação, fls 31/35, não se verifica qualquer menção de tais valores, o que retira a credibilidade de tal versão.

Ademais, mesmo se esta fosse a sua intenção, não estaria amparada pelo ordenamento jurídico, pois há meios legais para busca dos direitos que, no seu entender, estavam sendo violados.

Registro, ainda, que o réu adquiriu um armário para uso próprio com parte do dinheiro apropriado da vítima, sem autorização desta, o que demonstra sobremaneira o seu animus rem sibi habendi.

Da mesma forma, o fato de a empresa ter feito a representação criminal imbuída pelo sentimento de vingança, em contra-ataque à ação trabalhista ajuizada pelo réu, em nada altera a realidade dos fatos e a tipicidade do delito praticado, não tendo o condão de afastar a responsabilidade do réu pelo ilícito praticado.

Ressalto que não se exige in casu o dolo específico, ensinando GUILHERME DE SOUZA NUCCI, em comentário ao art. 168 do CP, in verbis:

"Elemento subjetivo: é o dolo. Não existe a forma culposa. Entendemos não haver, também, elemento subjetivo do tipo específico. A vontade específica de pretender apossar-se de coisa pertencente a outra pessoa está ínsita no verbo ‘apropriar-se’. Portanto, incidindo o dolo sobre o núcleo do tipo, é isso suficiente para configurar o crime de apropriação indébita." (p. 712)

Logo, resta evidente o dolo do apelante já que, ao receber os numerários das empresas-vítima, deu-lhes a destinação indevida, deles se apropriando, como se lhe pertencessem, razão pela qual afasto a tese absolutória.

É totalmente descabida a pretensão de reconhecimento do arrependimento posterior, já que os cheques não foram devolvidos à vítima por ato voluntário do apelante, mas somente em face da reclamatória trabalhista interposta pela Central Honda Ltda. em desfavor do réu, fls. 55/56, o que, por si só, basta para impedir a redução de pena prevista no art. 16 do CP.

Com relação ao quantum das penas aplicadas, verifico que o douto Magistrado valorou negativamente apenas duas circunstâncias judiciais – culpabilidade e consequências do crime.

Todavia, data venia do esposado no decisum ora recorrido, não vislumbro culpabilidade excessiva na espécie, nada havendo que permita graduá-la acima do patamar mínimo de reprovabilidade.

Da mesma forma, as consequências do crime não são graves, uma vez que os valores apropriados foram compensados na ação trabalhista.

Assim, sopesadas tais circunstâncias judiciais, e considerando-as favoráveis ao apelante, passo à reestruturação das penas.

Na primeira fase, fixo as reprimendas em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo. Militando em favor do réu a atenuante da confissão espontânea, deixo de reduzir as reprimendas, em obediência ao disposto na Súmula 231 do STJ. Inexistem agravantes e causas de diminuição de pena. Por força da majorante prevista no art. 168, § 1º, III, do CP, elevo-as em 1/3, tornando-as definitivas em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo.

Mantenho o regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade, e a substituição das penas, nos moldes em que operada na r. sentença.

Por fim, o pedido de isenção das custas processuais merece deferimento, por estar sendo defendido pela Defensoria Pública do Estado, presumindo-se a sua insuficiência de recursos para arcar com aquelas sem prejuízo de seu próprio sustento (art. 10, II, da Lei Estadual nº 12.427/1996).

Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação, para reduzir as penas fixadas, bem como para isentar a apelante do pagamento das custas processuais.

Custas ex lege.

É como voto.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): EDUARDO MACHADO e ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO PARCIAL.

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