Facções criminosas

Justiça paulista autoriza grampo em parlatório

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12 de fevereiro de 2011, 14h58

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Muito se tem discutido sobre a necessidade de interceptação de conversas de alguns presos com seus advogados. A medida serviria para inibir que maus profissionais levassem notícias de seus constituintes para outras pessoas, membros de facção criminosa, orquestrando, assim, ataques contra o poder constituído. O Estado foi tão astuto que já criou mecanismo de interceptação na própria construção dos presídios federais. Advogados foram grampeados em parlatórios desses presídios. A escuta estaria voltada aos defensores de presos considerados perigosos.

A jornalista Mônica Bergamo em sua coluna desta sexta-feira também informa que a Justiça paulista autorizou escuta no parlatório da penitenciária de Araraquara em São Paulo. Quatro advogados de um traficante terminaram presos a partir da bisbilhotice do Estado.

Esse debate merece ser deliberadamente dividido em dois planos: o jurídico e o político. O primeiro recorte impõe que se reconheça que o âmbito no qual o sistema jurídico vigente está inserido é o do Estado de Direito. A premissa, portanto, remete antes de qualquer análise à Constituição Federal e, nesta, às garantias da ampla defesa e do contraditório. Apenas se viabilizam tais comandos com a atuação do advogado, após este conhecer todos os meandros do fato tido por criminoso, principalmente, a partir da ótica do réu. Em suma, é com o acusado que o advogado capta o que mais interessa à sua defesa.

Se a decisão é a de fazer valer o que está escrito na Constituição Federal, há de se respeitar todos os encontros entre advogado e acusado: durem o quanto durarem essas conversas, seja o réu o pior de todos os facínoras.

 Portanto, o contato pessoal e reservado, sem a bisbilhotice do Estado, entre acusado – seja ele quem for – e seu advogado é um valor inatacável, vez que assim se deliberou ao se instituírem tais dispositivos na Constituição. Essas providências não são, como se vê, apetrechos dos advogados, regalias que outra classe profissional não possui, mas, antes, referem-se a uma situação que sem a qual estarão aniquilados os próprios vetores instituídos constitucionalmente.

No caso de os advogados serem os autores de crimes, antecipando ao argumento mais corrente, parece óbvia a necessidade de intervenção estatal para responsabilizar esse mau profissional. Mas, frise-se, para isso não se faz necessário que o Estado vá ao parlatório grampeá-lo como se tem visto. Parece-nos que já existem meios eficazes e mais civilizados de elucidação de autoria e materialidade de delitos.

De volta ao raciocínio, o advogado é essencial ao funcionamento da justiça e fundamental para a existência do próprio Estado de Direito. Isso é o que está determinado na Constituição Federal ao obrigar o devido processo legal. Não se condena sem processo, nem se processa sem advogado. Deve-se, em outras palavras, assegurar ao acusado – e não ao advogado, confusão geradora de equívocos – o direito de se consultar com o seu defensor na sua intimidade. Não apenas em privacidade, mas na intimidade marcante dos confessionários. Esta é a regra.

O outro plano que se deve abordar para tratar do assunto é o político. A onda do espetáculo da notícia, do bizarro, da guerra, pauta os veículos de comunicação que pulverizam desinformação. Discute-se juridicamente o que no fundo é político. Pretende-se aniquilar garantias com contorcionismo exegético. No fundo, nada se tem contra o advogado. O que se busca é a cabeça do criminoso, do inimigo da sociedade. E, para alcançá-lo, o caminho mais curto e eficiente é impedir que se manifeste o único capaz de discutir com o Estado a acusação, de pôr freios ao poder punitivo despejado contra o réu, o advogado.

O italiano Francesco Carnelucci afirmou que a necessidade do acusado é a de que alguém se sente ao seu lado, sobre o último degrau da escada[1]. Não é preciso um miraculoso exercício de dedução para concluir que ao advogado estarão voltados os olhos de ódio que a sociedade aprendeu a nutrir contra o inimigo.

O que está em discussão, enfim, não é a garantia profissional, o tecnicismo interpretativo de regras que disciplinam a atuação do advogado. O que a sociedade não está disposta a olhar é o grande saldo de miseráveis a lotar as prisões. São os banidos da convivência que são e serão rotulados como pertencentes a uma categoria menor. Uma casta de desgraçados que os homens bons não aprenderam e talvez nunca aprenderão a reconhecer como cidadãos. É isto o que se está a fazer.

As conquistas históricas, ainda que por igualdade formal, têm se mostrado um fardo demasiado pesado ao se supostamente estenderem a todos. Busca-se então o inimigo. Como este já está identificado, resta aniquilá-lo. O seletivo direito penal escolheu o alvo. Agora, direciona-se todo o ódio da sociedade ensandecida com as cenas de violência. Todos se regozijam com o linchamento, com o arrebatamento violento dos que não guardam nenhuma semelhança aparente consigo.

O risco estará à porta se no atual sistema de justiça criminal brasileiro as agências estatais agirem de forma a reverberar o discurso do medo. Essas instituições devem se manter eqüidistantes dos sintomas de desagregação social e se posicionar com racionalidade, cada qual no seu papel, sejam as decisões populares ou não para o que se convencionou chamar de “opinião pública”. Pois em momento de comoção o que se tem visto é a espetacularização do delito e da repressão estatal, ao passo que garantias e direitos individuais são ridicularizados.

Parece muito clara a motivação dos paladinos da justiça com o discurso da impunidade por mais repressão. São os carrascos de hoje. O mais salutar é agir com honestidade. Aniquilem-se todos os inimigos. Talvez não sobre ninguém para acionar a guilhotina pela última vez.


[1] As Misérias do Processo Penal. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 1ª edição. Ed. Russel. São Paulo. 2007. p. 33.

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