Políticas públicas

Exclusão social também se combate com cultura

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9 de fevereiro de 2011, 6h24

O presente artigo visa abordar a importância da implementação de políticas públicas voltadas à cultura como forma de redução da exclusão social em que se encontra grande parte dos cidadãos brasileiros e como meio de implementação, no país, de um modelo mais legítimo de democracia deliberativa.

Muito se tem ouvido falar nos resultados e nas conquistas obtidas no campo das políticas públicas de assistência social no Brasil, com ênfase naquelas políticas voltadas à concessão de benefícios de renda mínima, o que tem, efetivamente, contribuído sobremaneira na redução da miséria e da desigualdade de renda no país.

Há que se observar, contudo, que se ampliarmos o conceito de miséria, geralmente relacionado apenas à insuficiência material, passando a compreendê-la no sentido de miséria política, relacionada à ausência de capacidade e liberdade do cidadão, concluiremos pela necessidade de uma atenção especial à implementação de políticas públicas voltadas à cultura, com vistas ao combate à exclusão social dos indivíduos.

Com efeito, o amparo do Estado, através da concessão de benefícios de renda mínima, a par de sua essencialidade, abranda, apenas, o problema da miséria material do cidadão, mas não resolve a questão da miséria intelectual dos mesmos, deixando-os dependentes material e moralmente do Estado, o que não se coaduna totalmente com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sem aqui explorarmos em detalhes todas as teorias retratadas por Ronald Dworkin[1] acerca do que se compreende por bem-estar, seja ele uma questão de êxito na satisfação de preferências (políticas, impessoais e pessoais), seja a melhora em algum aspecto ou qualidade de sua vida consciente, entendemos que a elevação efetiva de bem-estar individual e social somente ocorrerá, verdadeiramente, com o aumento do número de pessoas empregadas, realizadas profissional e pessoalmente e engajadas em atividades culturais.

A modificação desse quadro de dependência do Estado, com uma maior mobilização social por políticas voltadas à cultura, depende, em grande parte, da alteração da concepção que se tem sobre a pobreza, de modo que, abandonando-se um pouco aquela compreensão limitada, no sentido de pobreza material, e ampliando sua dimensão, com a inclusão da idéia de pobreza política do indivíduo, as políticas se voltarão mais a remediar essa situação, investindo-se mais em ações voltadas à inserção dos beneficiários em programas educacionais e culturais.

Conforme Ana Lúcia Figueiró[2], geralmente, associa-se a pobreza com a restrição material, com a falta de recursos financeiros suficientes para a garantia de um padrão mínimo de subsistência, como comer, vestir, morar. Entretanto, vem se desenvolvendo uma “nova forma de pobreza”, mais ampla, apresentada por Amartya Sen, na qual a pobreza não se relaciona diretamente aos critérios de consumo e renda, mas sim aos conceitos de capacidade e liberdade. De acordo com Sen, ainda que a satisfação das necessidades básicas seja essencial para a sobrevivência humana, igualmente importante é a capacidade de satisfazê-las.

Conforme a autora supracitada:
O conceito de pobreza, atualmente, tem pautado as principais discussões no Brasil e no mundo sobre políticas sociais para a superação da miséria e da extrema pobreza, bem como para a inclusão social dos indivíduos que vivem à margem daquilo que alguns autores chamam de sistema social de direitos. A partir da década de 90, conforme vimos anteriormente, começam a ficar mais claras as diferenças entre os tipos de pobreza que se expressam no cotidiano das sociedades brasileiras. Por um lado, a pobreza referida à renda e ao consumo, relacionada à incapacidade de suprir carências materiais e por outro lado, a pobreza referida ao desenvolvimento humano, à exclusão social e à submissão às relações de poder instituídas. A primeira diz respeito aos aspectos definidos economicamente, cuja ênfase recai sobre a questão da distribuição de renda. A segunda se refere àqueles aspectos da pobreza definidos pela dimensão política e cultural.

Assim, a compreensão da pobreza a partir desse ponto de vista, com o direcionamento das políticas sociais não apenas na erradicação da pobreza material, mas, também, na erradicação da exclusão social, contribuirá para a construção de políticas públicas sociais emancipatórias, voltadas à educação e à cultura dos cidadãos, com a efetiva implementação do princípio da dignidade da pessoa humana.

A ampliação dessas políticas, ainda, torna-se necessária a partir da necessidade de conferirmos maior legitimidade ao modelo de democracia política de nosso país, cuja alternativa seria a adoção do modelo procedimental de democracia deliberativa, cujo principal defensor é o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas.

Segundo Habermas, o contexto atual de complexidade e pluralismo em que vivemos faz com que a “fonte de toda a legitimidade” busque seu fundamento no “processo democrático de legiferação”.[3]

Cláudio Pereira de Souza Neto, ao tratar do modelo procedimental de Habermas, aduz que, para o filósofo alemão, a soberania popular tem amplas possibilidades de decisão, sendo que o fundamental para o modelo não é que os cidadãos se engajem permanentemente na política, motivados por suas virtudes republicanas, mas que ao participarem do processo deliberativo democrático, possam fazê-lo em condições de liberdade e igualdade.

Habermas, com a sua ética do discurso, defende que toda norma válida encontraria o assentimento de todos se eles participassem de um discurso prático, devendo a comunicação se dar em condições de livre troca de argumentos e contra-argumentos.

A busca do bem comum, para ele, se dá através do diálogo e da argumentação.

A partir disso, Habermas formula, inclusive, um novo sistema de direitos fundamentais, fazendo parte dele os “Direitos fundamentais à participação, em igualdades de chances, em processos de formação de opinião e da vontade, nos quais os civis exercitam sua autonomia política através dos quais eles criam direito legítimo.”

Para Habermas, tais direitos também servem como limitadores à deliberação, sendo eles condições necessárias para a própria política democrática.[4]

A estruturação do modelo de Habermas nos leva a crer que a legitimidade das decisões estatais requer a existência de dois fatores, quais sejam: que os procedimentos de legiferação sejam institucionalizados juridicamente e que o sistema estatal se abra aos influxos comunicativos oriundos do espaço público, pois, segundo ele, só é legítimo o direito produzido conforme os procedimentos institucionalizados, legitimados através do debate público.

Para que tal modelo seja implantado no Brasil, entretanto, promovendo-se a participação ativa dos cidadãos nas deliberações, necessário que os mesmos tenham consciência de seu papel na realização da democracia e, principalmente, capacidade e liberdade para a sua efetiva participação, sendo que, para tanto, a implantação de políticas voltadas ao fortalecimento do indivíduo como cidadão, com a melhoria de sua educação e cultura, demonstra-se fundamental.

A preocupação do Estado na promoção da cultura verifica-se, por exemplo, em iniciativas como a alteração à proposta de lei que cria o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic), em substituição à Lei Rouanet (Lei 8.313, de 1991), buscando-se ampliar a capacidade de fomento à cultura e as formas como o produtor pode acessar os recursos, sendo uma novidade importante, a criação do Vale Cultura, que consiste na destinação de uma verba de R$ 50 para trabalhadores investirem no consumo de bens culturais.[5]

Se o Ministério da Cultura e a Presidência da República estão empenhados nessa batalha, caberá ao Congresso Nacional a realização de seu papel, com a aprovação dessa importante iniciativa, já que se espera que tal Poder seja o principal interessado na ampliação da soberania popular e do debate público, com a participação do cidadão nas deliberações políticas e na aprovação de projetos com um mínimo de consenso social.

As políticas públicas voltadas à promoção cultural dos cidadãos é que permitirá a efetiva redução da exclusão social dos indivíduos, bem como o aperfeiçoamento de sua condição de cidadão para a viabilização de seu ingresso efetivo no processo de democracia política do país.

A soberania popular para ser exercida plenamente, através da participação direta dos cidadãos, e não apenas através da representação indireta, por meio de representantes eleitos, só tem como se efetivar no Brasil com o fortalecimento dessas políticas.

Assim, necessária a viabilização institucional, jurídica e orçamentária das políticas públicas voltadas à cultura e à educação dos cidadãos brasileiros, tanto para acabarmos com a exclusão social existente no Brasil, bem como para ampliarmos a legitimidade de nosso modelo de democracia deliberativa.

 


[1] Dworkin, Ronald. A virtude soberana. A teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 3-77.
[2] FIGUEIRÓ, Ana Lúcia. Entre o Assistencialismo e a Emancipação. Uma análise da relação entre Estado e sociedade civil, a partir das experiências do Programa Bolsa Família no entorno do Distrito Federal p. 33. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade de Brasília., 2010. Disponível em: http://bdtd.ibicit.br/, acessado em: 20/01/2011.
[3] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa. Um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 130.
[4] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa. Um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 134-147.

 

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