Fora de lugar

Não há direito adquirido para poluir, decide TJ-RJ

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8 de fevereiro de 2011, 9h48

Marina Ito
Rio Mambucaba - Marina ItoO dono de um imóvel na Ilha do Jorge, na região de Angra dos Reis, terá de recuperar, integralmente, uma área degradada por conta de um muro cuja construção não foi ordenada por ele e sim pelo antigo proprietário. A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acompanhou o voto do relator do recurso, desembargador Marcelo Lima Buhatem. Ele explicou, em seu voto, que o fato de o muro ter sido construído pelo antigo proprietário do imóvel não isenta o atual dono dos danos provocados pela construção.

“Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados — as gerações futuras — carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome”, disse Buhatem. Ou seja, o fato de o muro ter sido construído há anos não impede a demolição se a obra continua a causar dano ambiental.

O desembargador afirma, na decisão, que a Constituição de 1988, comparada às anteriores, pode ser considerada “um divisor de águas” no que se refere à tutela do meio ambiente. A CF destinou um capítulo inteiro à matéria. “O legislador constituinte no artigo 225 da Constituição erigiu o meio ambiente à categoria de bem de uso comum do povo, asseverando assim, ser direito de todos tê-lo de maneira ecologicamente equilibrado, e em contrapartida determinou que sua defesa e preservação para as presentes e futuras gerações é dever do Poder Público e de toda a coletividade”, disse.

Ele citou, ainda, dispositivo da Lei 6.938/81, que estabelece uma série de penalidades para quem causa dano ao ambiente. O artigo 14 diz que “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

O desembargador citou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que, independente de quem tenha causado o dano, cabe ao atual dono do imóvel reparar as perdas ambientais. “A obrigação de reparar o dano ambiental é propter rem, o que significa dizer que adere ao título e se transfere ao futuro proprietário.”

Ele lembra que a propriedade, além de ser fonte de direitos, também gera obrigações. “Quem adquire imóvel com irregularidades perante a legislação de proteção do meio ambiente, recebe-o não só com seus atributos positivos e benfeitorias, como também com os ônus ambientais que sobre ele incidam, inclusive o dever de recuperar dano ambiental perpetrado pelo antigo proprietário”, alerta.

Para o desembargador, quem se beneficia da degradação ambiental promovida por outra pessoa, seja agravando a situação ou dando continuidade a ela, não é menos degradador. “A aferição da dimensão do dano e a responsabilidade de cada agente é questão a ser discutida em ação própria contra os demais responsáveis.”

Buhatem afirmou que é irrelevante se a atividade do poluidor é legal. “Na ação civil pública ambiental não se discute, necessariamente, a legalidade do ato. É a potencialidade de dano que o ato possa trazer aos bens ambientais que servirá de fundamento da sentença”.

O muro foi construído em área não edificada e considerada zona de preservação permanente, na Área de Proteção Ambiental de Tamoios, que fica no município de Angra dos Reis (RJ).

Buhatem rechaçou, também, o argumento de que fauna e flora marinha já se adaptaram às condições com a existência do muro. Para ele, tal alegação pode servir de estímulo à degradação ou pretexto para legalizar outras obras em situação semelhante.

A Câmara acolheu recurso do Ministério Público para obrigar o dono do imóvel a recuperar a área, fixando o prazo de 30 dias para elaboração e apresentação do projeto de recuperação. Após ser aprovado, foi dado prazo de 15 dias para que as obras comecem. Também foi determinada a construção de um muro de contenção como medida para diminuir os danos causados pela destruição do muro original, conforme apontado como necessário pelo laudo pericial. Em caso de descumprimento, foi fixada multa de R$ 3 mil por dia.

Entretanto, o TJ fluminense negou pedido de pagamento de indenização. “Não se torna possível a condenação do réu a recuperar a área degradada e a pagar indenização por tais danos, por se tratar de um mesmo pedido, porém realizado de forma alternativa”, disse.

A Ação Civil Pública foi apresentada pelo município de Angra dos Reis, sob a alegação de que o dono do imóvel construiu um muro de pedra e aterro sobre um costão rochoso, na Ilha do Jorge, sem a prévia e necessária licença municipal. O município pediu que o muro fosse demolido e os destroços removidos, a recuperação da área e a condenação por danos morais coletivos.

Já o dono do imóvel alegou que não tinha legitimidade para responder à ação, já que comprou a propriedade com o muro já pronto. Disse, ainda, que o muro foi construído antes que a lei proibisse, além de sustentar que a obra não gerou danos ambientais.

O juiz Ivan Pereira Mirancos Junior, da 2ª Vara Cível de Angra, julgou a ação, parcialmente, procedente. Ele entendeu que o atual proprietário, que adquiriu o imóvel já com o muro, não poderia ser responsabilizado por um dano a que não deu causa. Ele determinou a demolição do muro, mas considerando apenas a necessidade de interromper o dano ambiental causado pela construção e permitir a recuperação da área.

O município e o Ministério Público recorreram. Pediram que o proprietário fosse condenado a recuperar todos os danos produzidos. O proprietário também recorreu para manter o muro construído. Alegou que o muro não causa danos, além de impedir deslizamentos de terra.

O pedido do dono do imóvel foi negado. “A zona costeira abriga um mosaico de ecossistemas de alta relevância ambiental, cuja diversidade é marcada pela transição de ambientes terrestres e marinhos, com interações que lhe conferem um caráter de fragilidade e que requerem, por isso, atenção especial do poder público, conforme demonstra sua inserção na Constituição Brasileira, como área de patrimônio nacional”, escreve Buhatem.

Clique aqui para ler a decisão.

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