Limites éticos

Reprodução assistida carece de regulamentação

Autor

  • Mário Luiz Delgado

    é advogado professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp) e da Escola Paulista de Direito (EPD) doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e do Instituto de Direito Comparado Luso Brasileiro (IDCLB).

5 de fevereiro de 2011, 8h50

O Conselho Federal de Medicina acaba de editar a Resolução 1.957, de 2010, estabelecendo novos parâmetros éticos para a utilização das técnicas de reprodução assistida.

A nova resolução trouxe poucas inovações. Manteve a proibição da sexagem, ou seja, a aplicação da técnica de RA para selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, proibiu a fecundação de óvulos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana e continuou a exigir o chamado “consentimento informado” dos pacientes (doadores e receptores), abrangendo os aspectos biológico, jurídico, ético e econômico do procedimento.

Entre as modificações, destaca-se o estabelecimento de novos limites para implante de embriões em pacientes que se submetem à técnica. O teto anterior de quatro embriões está mantido apenas para mulheres de 40 anos ou mais. Em mulheres com até 35 anos, o número máximo de embriões a serem transferidos não pode ser superior a dois e em mulheres entre 36 e 39 anos, até três embriões.

Porém a novidade mais comemorada refere-se aos que podem se submeter às técnicas de RA. Enquanto a Resolução anterior estabelecia que apenas a mulher capaz poderia ser receptora das técnicas de RA, exigindo, ainda, a aprovação do cônjuge ou do companheiro, quando casada ou em união estável, a nova regulamentação do CFM diz que todas as pessoas capazes podem ser receptoras das técnicas de RA, o que permitiria, pelo menos sob o aspecto ético, desde que afastado risco grave à saúde do receptor  ou do possível descendente, a tão polêmica gravidez masculina . Se a medicina avançar a ponto de admitir uma tal possibilidade, para o CFM não haverá qualquer óbice ético.

Outra alteração refere-se ao destino dos embriões excendentários. A resolução anterior determinava que o excedente seria criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. A nova regulamentação, ao contrário, permite o descarte de embriões, estabelecendo que do número total de embriões produzidos em laboratório, somente os excedentes viáveis seriam criopreservados. Objeta-se, todavia, se poderia o CFM haver admitido expressamente o descarte de embriões, em possível afronta ao artigo 5º da Carta Magna. Ou o direito à vida não tutelaria também o embrião? Não são poucos os juristas que entendem que se a proteção constitucional do direito à vida refere-se ao ser humano, também o embrião estaria incluído na sua proteção jurídica, porquanto é ser e é humano.

Finalmente, o CFM tratou da reprodução assistida post mortem, permitida desde que haja autorização prévia específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado.

São questões, como se vê, extremamente polêmicas, para as quais nem o Direito nem a ciência possuem as respostas adequadas. Não podem, por isso, ter o seu regramento circunscrito a mera resolução do CFM, já que extrapolam a seara exclusivamente ética, exigindo a intervenção do legislador. É surpreendente que um estado que possui uma das maiores produções legislativas do mundo ainda não tenha regulamentado uma matéria de tamanha relevância para a sociedade.

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