Mercado Privado de Saúde

Ex-empregado tem plano subsidiado por empresa

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1 de fevereiro de 2011, 7h17

A expressão em latim Quo Vadis? aparece na Bíblia (João, 16.5) quando Jesus antevê a sua morte na cruz e incita os apóstolos a refletirem sobre o significado daquele acontecimento: “et nemo ex vobis interrogat me quo vadis? (e ninguém de vós me pergunta: aonde vais?)".

Esta expressão aparece também em uma obra de caráter gnóstico do século III. Fugindo da perseguição de Nero aos cristãos, Pedro encontra Jesus na via Ápia e lhe pergunta: "Quo vadis, Domine?". E Jesus responde: "Volto para ser novamente crucificado em Roma". Pedro, então, volta a Roma e se entrega para ser crucificado.

Quando um ex-empregado ou aposentado corre o risco de ser banido do mercado privado de saúde, por não cumprir os requisitos de manutenção no plano de saúde do ex-empregador previstos nos artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98, o Judiciário tende a mudar o curso da história, obrigando a manutenção em plano com custeio subsidiado pela empresa e, assim, evita a “crucificação” pelo SUS.

Diante deste cenário, por que ninguém pergunta: "Quo Vadis, Judiciário?". As respostas costumam variar conforme os interesses particulares do respondente: juízes, advogados de sindicatos, advogados de empresas e advogados de operadoras de planos de saúde, onde os primeiros defendem a função social do contrato coletivo empresarial de planos de assistência à saúde e os segundos a aplicação literal da lei.

Se prevalecer a função social do contrato coletivo empresarial de planos de saúde, os dispositivos dos citados artigos 30 e 31, que obrigam os ex-empregados e os aposentados a custearem a totalidade das mensalidades dos planos de saúde aos quais desejam ser mantidos, virarão peças de museu. Os juízes, de alguma forma, obrigarão as empresas a subsidiarem parte dos altos custos destes planos de saúde.

Essa tendência do Judiciário fará com que os advogados de empresas coloquem em segundo plano os passivos e contingências trabalhistas e tributários, pois as empresas passarão a ser obrigadas a reconhecer em seus balanços, com a ajuda de cálculos atuariais, provisões para pagamento dos altíssimos “passivos de saúde”, relativos ao custeio futuro dos planos de seus inativos.

Os que defendem a interpretação literal da lei entendem que o Judiciário estaria a corrigir uma injustiça com outra injustiça. A primeira injustiça seria a incapacidade do Estado brasileiro de garantir, por meio do SUS, a saúde como direito fundamental do ser humano, conforme reza a Constituição Federal e a Lei Federal 8.080/90. E a segunda injustiça seria penalizar as empresas com um “passivo de saúde” que não é seu.

Em realidade, a crucificação do trabalhador ocorre bem antes dele ser demitido ou aposentado: seu salário já é baixo e ainda tem de pagar impostos para um governo que não lhe garante assistência à saúde. A gênese da Justiça estaria em uma melhor distribuição de renda, inclusive por meio de políticas salariais, e no fim da corrupção, aumento da eficiência administrativa e melhoria dos serviços de saúde pública.

Se o governo, as empresas, os juízes e os advogados continuarem a tratar os ditames constitucionais e legais como utopias e a defender seus interesses particulares, que tendem a sufocar a gênese da verdadeira Justiça, podemos mandar o Direito brasileiro de volta a Roma, sua terra natal, para que ele seja o próximo crucificado.

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