Disputas internas

Entidades de juízes se dividem quanto ao CNJ

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29 de dezembro de 2011, 12h00

O recesso do Judiciário não tem significado descanso para a magistratura. Esta semana representou mais batalhas na guerra interna travada entre os juízes, tribunais, entidades de representação e a Corregedoria Nacional de Justiça, que, por meio da imprensa, fizeram mais afirmações e trocaram mais acusações.

Em nota enviada nesta quinta-feira (29/12), a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) se solidarizou com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). As três últimas são autoras de Mandado de Segurança levado ao Supremo Tribunal Federal acusando a Corregedoria Nacional de Justiça de quebrar o sigilo bancário e fiscal de 217 mil juízes e servidores do Judiciário, durante a apuração de supostas irregularidades.

As investigações foram suspensas por liminar emitida pelo ministro Ricardo Lewandowski, na segunda-feira (19/12), último dia de atividades no Judiciário. Logo depois, a Corregedoria afirmou que apurava irregularidades em pagamentos de verbas atrasadas em 22 tribunais. A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, desmentiu as acusações feitas no Mandado de Segurança. Disse que as apurações envolvem cerca de 3 mil pessoas, e não 200 mil. Afirmou também que as entidades adotaram postura corporativista, e por isso teve apoio da magistratura nacional.

Também nesta quinta, reportagem da Folha de S. Paulo diz que o CNJ, em São Paulo, apura o pagamento irregular de licenças-prêmio a 22 desembargadores. São os julgadores que entraram no Tribunal de Justiça do estado por meio das vagas destinadas à advocacia. Para cada 30 dias de licença não tirados, recebe-se o pagamento de um salário.

De acordo com a reportagem, esses 22 desembargadores recebem licenças referentes à época em que ainda não tinham entrado para o TJ, mas atuavam apenas como advogados. Os pagamentos, segundo o CNJ, começaram a ocorrer em 2010, durante a presidência do desembargador Viana Santos, morto em janeiro, e se perpetuou durante este ano, durante a gestão do desembargador José Roberto Bedran.

Em resposta ao jornal, o TJ-SP afirma que realmente houve os pagamentos, mas que eles foram suspensos assim que foi constatada a irregularidade. À Folha, o presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), desembargador Paulo Dimas Mascharetti, afirma que o pagamento tem como base um artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) que permite o acréscimo de 15 anos anteriores ao exercício da magistratura para fins de aposentadoria. A lei, entretanto, não se refere ao pagamento de licenças-prêmio.

Na nota desta quinta (veja abaixo), a Anamages critica duramente a postura da ministra Eliana. Acusam-na de fazer declarações para criar fatos, e só depois apurá-los, sem respeitar o devido processo legal. A entidade aproveita, ainda, para criticar o veto ao aumento dos servidores do Judiciário, e acusa a presidente Dilma Rousseff de cometer "crime de responsabilidade" ao não conceder o reajuste.

Brigas íntimas
Mas nem mesmo a Ajufe fala em uníssono sobre o assunto. Em nota, um grupo de juízes federais diz não concordar com a postura da entidade frente à Corregedoria do CNJ. A Ajufe é uma das autoras do Mandado de Segurança contra a devassa nas folhas de pagamento dos servidores do Judiciário.

No apelidado contramanifesto, os juízes afirmam que "a agressividade das notas públicas da Ajufe não retrata o sentimento da magistratura federal". O grupo de dissidentes afirma não ser, a princípio, contrário à atuação do CNJ — como afirmam ser a Ajufe. Defendem que, no caso de abusos, que sejam apurados pelo devido processo legal. Colocam-se contra, inclusive, as críticas feitas à ministra Eliana Calmon.

Por fim, os dissidentes afirmam que, neste episódio, a Ajufe não os representa. As notas públicas, dizem, "em verdade, expressam antagonismo à consolidação democrática".

O sigilo
Também na Folha desta quinta, o ministro do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedor nacional de Justiça, Gilson Dipp, nega a quebra de sigilo dos servidores. Afirma que pediu informações administrativas e financeiras ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) porque faltavam informações nos bancos de dados dos tribunais. Mas diz que se ateve às movimentações atípicas.

Em entrevista ao jornalista Frederico Vasconcelos, Dipp diz que é evidente que não houve quebra de sigilo dos 217 mil, como dizem as entidades de magistrados. Afirmou que há uma "disputa interna" nesses grupos, que, para ele, não conseguem entrar em consenso quanto ao caso. Mas conclama aos companheiros magistrados a "voltar ao bom senso".

Leia abaixo as notas dos magistrados enviadas à imprensa:

O contramanifesto dos juízes federais:

MANIFESTO PÚBLICO

Os Juízes Federais abaixo identificados vêm, publicamente, manifestar-se contrariamente às recentes notas públicas emitidas pela Associação de Juízes Federais do Brasil (AJUFE), especialmente aquelas que criticam a atuação da Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Eliana Calmon.

Entendemos que a agressividade das notas públicas da AJUFE  não retrata o sentimento da Magistratura Federal. Em princípio, os Juízes Federais, signatários deste manifesto, não são contrários a investigações promovidas pela Corregedora. Se eventual abuso investigatório ocorrer, será questão a ser analisada concretamente. Não soa razoável, de plano, impedir a atuação de controle da Corregedoria, até porque toda a Magistratura – em qualquer grau (inclusive Tribunais Superiores) – deve satisfação de seus atos à sociedade.

Pelo exposto, esclarecemos que não nos sentimos, neste episódio, representados pelas notas públicas que, em verdade, expressam antagonismo à consolidação democrática.

29 de dezembro de 2011.
(lista em ordem alfabética dos juízes federais que aderiram ao manifesto até sua divulgação)

ADENIR PEREIRA DA SILVA (SP)
ANA CAROLINA VIEIRA DE CARVALHO (RJ)
ANA PAULA VIEIRA DE CARVALHO (RJ)
ANTONIO ANDRE MUNIZ MASCARENHAS DE SOUZA (SP)
CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS (PA)
CÍNTIA MENEZES BRUNETTA (RN)
DAGOBERTO LOUREIRO (SP)
DAVID WILSON DE ABREU PARDO (DF)
EDUARDO CUBAS (GO)
EDUARDO FRANCISCO DE SOUZA (RJ)
FERNANDO HENRIQUE CORREA CUSTÓDIO (SP)
FRANCISCO ALVES DO SANTOS JÚNIOR (PE)
GEORGE MARMELSTEIN LIMA (CE)
HELDER GIRÃO BARRETO (RR)
JANAINA CASSOL MACHADO (SC)
JEFERSON SCHNEIDER (MT)
JOÃO BATISTA DE CASTRO JUNIOR (BA)
JOAQUIM LUSTOSA FILHO (PE)
MARCELLA ARAÚJO DA NOVA BRANDÃO (RJ)
MÁRCIO BRAGA MAGALHÃES (PI)
MONIQUE BIOLCHINI (RJ)
ODILON DE OLIVEIRA (MS)
RICARDO CÉSAR MANDARINO BARRETTO (PE)
RICARDO RIBEIRO CAMPOS (PB)
ROBERTO WANDERLEY NOGUEIRA (PE)
ROGÉRIO VOLPATTI POLEZZE (SP)
SANDRA MEIRIM CHALU BARBOSA DE CAMPOS (RJ)
SÉRGIO FERNANDO MORO (PR)

Leia a nota da Anamages:

NOTA PÚBLICA

       Vivemos dias tumultuados para a magistratura brasileira.

  De um lado, o STF, exercendo se papel de guardião da Constituição acolhendo pedido de liminar para limitar o poder correcional do Conselho; de outro, a Sra. Corregedora se esmerando em lançar ataques contra a magistratura, como forma de se autodefender das decisões judiciais adversas.

Decisão judicial se cumpre, não se discute na mídia; ataca-se pelo recurso processual pertinente.

A Exa. Sra. Ministra Corregedora tem por hábito falar sem medir suas palavras e, depois, tenta se explicar, mas o mal já foi feito. Foi assim quando insinuou, de forma genérica, que bandidos vestiam toga, colocando toda a magistratura sob suspeita.

Em data mais recente, tornou público que investigava mais de 220 mil juízes (somos apenas uns 16 mil!!), serventuários e familiares por registrarem movimentações financeiras atípicas. Seu alvo principal, o Tribunal de Justiça de São Paulo, órgão de origem do Min. Cezar Peluso.

 A mídia, valendo-se das declarações sensacionalistas, atacou a honra da magistratura ao informar que os Tribunais, em especial o paulista, pagavam acima do teto. Deixando de informar que a própria Ministra recebera mais de 400 mil a título de atrasados que lhe eram devidos, assim como são devidos aos demais por verbas sonegadas pelo Poder Público ao longo dos últimos 20 anos e somente pagas após longa batalha judicial.

Contra a Resolução 135, a invadir a autonomia dos Tribunais, a AMB ingressou com ADI, seguida pela Anamages cujo pedido foi julgado extinto porquanto já havia media idêntica distribuída. A liminar deferida pelo Min. Marco Aurélio causou a grande celeuma, apesar da técnica e da juridicidade de seus termos.

Em outra liminar, o STF, por decisão do Min. Ricardo Lewandovski acolheu o pleito para por fim a quebra de sigilo bancário dos magistrados, aumentando a crise.

É de se salientar que na mesma data, 19/12, a Anamages também ingressou com idêntico pedido, concluso ao Min. Luiz Fux para apreciar a liminar.

A ANAMAGES repudia os ataques da Sra. Corregedora às Associações de Magistrados, rotulando-as de mentirosas e corporativistas, além de afirmar que os juízes não querem ser fiscalizados e desejem a extinção do CNJ.

Em primeiro lugar, destaque-se que o CNJ tem prestados bons serviços à Nação, o que não implica dizer que nunca errou. Em muitos momentos se afasta de seus objetivos quebrando com o pacto federativo e a autonomia dos Tribunais, mas em outros, e muitos, tem corrigido injustiças e contribuído para o aperfeiçoamento da Justiça.

A nota mais destoante cabe à sua Corregedoria sempre preocupada em criar fatos para, só depois, instaurar procedimentos com objetivo único de punir, nunca de exercício de uma atuação pedagógica.

As Associações querem o seu aperfeiçoamento e o exercício de sua atuação subsidiária, respeitando, repita-se, a Federação e a autonomia constitucional dos Tribunais, o que não significa extinção daquele organismo, sem redução de poder, apenas sua disciplina, sob pena de se ter um ente ditatorial.

Em expediente ao Sr. Senador Demóstenes Torres, autor da PEC 11/2011, externamos o pensamento da subsidiaridade, com o poder de avocação do CNJ sempre que os Tribunais, comprovadamente, se omitissem diante de denúncias fundamentadas como manda  Loman.

As Associações não mentiram, apenas reafirmam o quanto a Sra. Corregedora divulga e se insurgiram pela forma como se sacam acusações e suspeitas, sem observar o devido processo legal, o respeito a honra e a dignidade.

As Associações querem, sim, a apuração rigorosa de todo desvio de conduta, com punição severa, porém se respeitando os princípios acima citados e o direito de ampla defesa. O que não admitem é a condenação midiática e precoce, causando danos irreparáveis a honra de cada magistrado.

A ANAMAGES se SOLIDARIZA com a Associação dos Magistrados Brasileiros, com a Associação dos Juízes Federais e com a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, na pessoa de seus ilustres, honrados e dignos PRESIDENTES, respectivamente. Des. Nelson Calandra, Juiz Gabriel Wedy e Juiz Renato Henry Sant’Anna, atacadas de forma deselegante pela Sra. Corregedora Nacional, Ministra Eliana Calmon, sentindo-se, da mesma forma que suas co-irmãs, ofendida uma vez que postulou medidas similares.

Por fim, deixe-se claro que uma associação de classe, seja ela qual for, que não for corporativa, que não exercite um corporativismo racional, deve fechar suas portas, porquanto estará negando sua própria razão de ser.

A magistratura vem sendo vilipendiado ao longo dos últimos anos e não pode mais se calar:

 – a Presidente da República comete crime de responsabilidade ao declarar publicamente que não cumpre a ordem constitucional de repor a inflação aos magistrados, declarando, ainda, que exerceria toda força política para que o Congresso não aprovasse o orçamento do Judiciário – e conseguiu;

– o Congresso se cala e curva aos desejos da Presidente da República;

– o STF deixa de exercer sua missão ao não julgar os Mandados de Injunção aforados contra o descumprimento da norma constitucional, além de se omitir quanto a edição de decreto judiciário ordenando a reposição, eis que em magistral voto o Min. Marco Aurélio já deixou tecnicamente comprovado que não se precisa de lei para dar efetividade à regra do art. 37, inc., X, da Constituição Federal.

Temos nós juízes estaduais, através de sua Associação Nacional, a certeza de que, dando-se às mãos com a AJUFE, a AMAJUM e a ANAMATRA, capitaneados pela AMB, formaremos uma frente capaz de enfrentar  os graves problemas que afligem à magistratura e estão a por em risco as salvaguardas do povo brasileiro.

Brasília, 29 de dezembro de 2.011

Antonio Sbano
Presidente da Anamages   

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