Morte ao mensageiro

ABA nega credenciamento a faculdade de Direito

Autor

23 de dezembro de 2011, 6h22

No domingo, o jornal The New York Times publicou um artigo que culpa a American Bar Association (ABA — a ordem dos advogados dos EUA) pelos altos custos dos cursos de Direito nos Estados Unidos. Na segunda-feira, esse foi o assunto do dia nos meios jurídicos e acadêmicos do país. Na terça, a ABA retaliou: em uma nota sumária em seu website, negou o pedido de credenciamento temporário da Faculdade de Direito de Duncan, a principal fonte de informação do New York Times. A Duncan foi "torrada", noticiou, na quarta, a publicação Above de Law (Acima da Lei).

A Faculdade de Direito de Duncan, como outras tantas organizações jurídicas e acadêmicas do país, acusam a ABA de definir padrões exageradamente altos — muitos deles relacionados a aspectos econômicos — e restrições para abertura de faculdades de Direito. Com isso a ABA, que regula as faculdades de Direito do país, criou uma reserva de mercado para o pequeno número (proporcional) de escolas do país, que praticam um custo insuportável para a maioria dos estudantes americanos. O resultado é que o curso de Direito custa, no mínimo, de US$ 150 mil a US$ 175 mil.

Esse será o valor da dívida de um bacharel em Direito, antes de começar a trabalhar, se ele não tiver pais ou parentes ricos para pagar o curso ou se não conseguir uma bolsa de estudo que cubra todos os custos. "É por isso que a maioria dos advogados fixam seus honorários em pelo menos US$ 300 a hora", diz o professor Andrew Morris, da Faculdade de Direito da Universidade do Alabama. Isso também explica porque a maioria dos americanos não pode contratar um advogado. De fato, o relatório do "World Justice Project" (Projeto Mundial de Justiça), deste ano, colocou os Estados Unidos em último lugar, entre os 11 países de mais alta renda, na categoria "acesso da população à Justiça civil".

A Faculdade de Direito de Duncan sonhou em oferecer um curso de Direito acessível aos estudantes oriundos de classes menos favorecidas do estado de Tennessee, inspirada principalmente por seu benfeitor, o empresário aposentado Pete DeBusk, que nasceu de uma família extremamente pobre e se tornou multimilionário. "O projeto da ABA equivale à proposta de construir um Cadillac, que só pode ser adquirido por pessoas de posse. Nosso projeto era equivalente a construir um Honda Civic [um carro popular nos EUA], que cumpre a mesma função de transportar as pessoas", disse o reitor da faculdade, Sidney Beckman.

A biblioteca da Faculdade de Direito de Duncan, por exemplo, tem apenas cerca de 4 mil livros, em uma sala de porte médio — apenas os livros básicos do curso, mais os recursos da internet. Nada como o conjunto de volumes de Prática e Procedimentos Federais da Wright & Miller, que custam US$ 3.596,00. "Fora disso, compramos os livros conforme a necessidade dos estudantes", diz Beckman. A manutenção da biblioteca custa à faculdade US$ 750 mil por ano, muito pouco, se comparado com a fortuna que as famosas escolas de direito gastam.

Mesmo assim, o custo do ensino para os estudantes é de US$ 28.664.00 por ano. Com as despesas de manutenção e taxas, o custo anual chega a US$ 50 mil por ano. "Poderíamos reduzir esses custos à metade, não fossem as enormes exigências da ABA, disse o benfeitor da escola ao New York Times. "Nos Estados Unidos, as pessoas e as empresas só têm uma opção quando precisam contratar um advogado: procurar um advogado formado por uma faculdade de Direito credenciada pela ABA", diz o professor da Faculdade de Direito Gould, Gillian Hadfield.

Isso só acontece na área do Direito, diz o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Emory, George Shepherd. "Se você sonha trabalhar para a Goldman Sachs, você pode frequentar a Faculdade de Administração de Harvard, gastar uns US$ 200 mil , que você chega lá. Mas, se sua ambição é apenas ser promovido a um cargo de gerência da Macy’s, onde você já trabalha, você pode frequentar aulas à noite, a um custo de US$ 10 mil", compara. "Não há lei, como na área de advocacia, que diz que uma pessoa só pode ser um administrador de empresa se frequentar uma escola de negócios credenciada por alguma organização da área", diz. A ABA exterminou os cursos noturnos de Direito.

Outra exigência da ABA é a de que as faculdades de Direito tenham professores contratados em tempo integral e com estabilidade no emprego (o que é um benefício praticamente inexistente para qualquer trabalhador nos EUA). E proíbe a contratação de professores adjuntos. A ABA justifica as medidas com o argumento de que os professores poderiam ser melhor remunerados na prática da advocacia. Os salários médios dos professores giram de US$ 120 mil a US$ 150 mil por ano. Mas professores com prestígio ganham US$ 300 mil ou mais por ano. A Faculdade de Direito de Duncan cometeu o "pecado" de contratar professores sem garantia de estabilidade, para reduzir custos, diz o New YorK Times.

Uma das maiores críticas que se faz a ABA é relacionada ao fato de a associação ter em seu conselho de gestão das faculdades de Direito, de 21 membros, 10 conselheiros que são professores ou reitores de faculdades credenciadas. Apesar de a ABA defender a integridade de todos os seus conselheiros, paira uma dúvida no ar quando o Conselho veta seguidos pedidos de credenciamento de novas faculdades.

"Imagine que você queira criar um jornal no Estado de Nova York", sugere o reitor da Faculdade de Direito de Duncan. "Para conseguir a permissão, você tem de requerê-la a um conselho que tem membros do New York Times e de outros jornais estabelecidos. Se você obtiver a permissão, pode desviar anunciantes desses jornais. Me parece que os conselheiros da ABA, que pertencem às faculdades de Direito estabelecidas, têm um certo conflito de interesse em jogo", declarou.

A Faculdade de Direito de Duncan tentava obter um credenciamento provisório, porque essa é uma exigência da ABA. Toda a faculdade de Direito tem de operar por um ano, com credenciamento provisório, antes de obter o credenciamento definitivo. Ou seja, um grupo pode investir uma fortuna na abertura de uma faculdade de Direito, porque a demanda é grande, e não obter o credenciamento definitivo. "Essa é outra disparidade com as demais áreas profissionais", diz o benfeitor da Faculdade de Direito de Duncan. "Em qualquer outra área, você discute no papel com a instituição reguladora a aprovação ou não do projeto. E só depois de aprovado o projeto, faz investimentos", diz.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!