Retrospectiva 2011

Os avanços da defesa da concorrência em 2011

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21 de dezembro de 2011, 11h24

spaca
ConJur
O ano de 2011 foi um ano de atenção para a políticade Defesa da Concorrência noBrasil. Isso porque, de um lado, as instituições tiveram que reafirmar seu amadurecimento na aplicação da Lei nº 8.884/94 e, de outro, um novo sistema se ergueu com a promulgação da Lei nº 12.529/11 em novembro.

Dezessete anos se passaram numa longa marcha de evolução e a defesa da concorrência no Brasil se desenvolveu e se consolidou como uma política a ser levada a sério pela iniciativa privada e pelo próprio governo. 2011 foi um ano representativo pois ratificou esse desenvolvimento e, ao mesmo tempo, impôs novos desafios à sua continuidade.

Neste ano, fusões e aquisições relevantes passaram pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). No setor bancário, a aquisição do Panamericano pelo BTG (aprovada sem restrições) e a aprovação da parceria do Bradesco, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para criação da bandeira de cartões ELO são representativas. Em ambos os casos, o Cade reiterou sua posição quanto à sua competência para analisar questões concorrenciais no sistema financeiro.O setor aéreo também foi objeto de importantes discussões. Destaca-se a atuação imediata do Cade na aplicação de Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (APRO) nos autos da operação Gol-Webjet, impedindo-as de finalizarem a união de ativos. Outra medida importante foi o julgamento da operação entre Cosan e Shell envolvendo ativos de distribuição de combustíveis de aviação, determinando a venda de todos os ativos físicos da Jacta Participações S.A (Cosan). Mais recentemente, destaca-se a aprovação com restrições da fusão LAN-TAM.

Certamente, nenhum julgamento foi tão representativo quanto a aprovação com restrições da fusão entre Perdigão e Sadia, que resultou na criação da Brasil Foods (BRF). Tendo como pano de fundo os precedentes contrapostos de Nestlé-Garoto (com a rejeição da operação), Kolynos-Colgate e a formação da Ambev (ambas aprovações contestadas por imporem restrições que muitos apontam como insuficientes para preservar a concorrência), o acordo firmado entre o Cade e a BRF estipulou uma série de obrigações como a alienação de ativos produtivos e a venda e suspensão de determinadas marcas que procura proteger o ambiente de competição e viabilizar um negócio com sinergias importantes.

O caso Sadia-Perdigão despertou uma série de debates acerca do tempo necessário para a análise de uma fusão e da incerteza que paira no ambiente de negócios. Atualmente, as transações podem ser concluídas e posteriormente apresentadas para aprovação, o que acaba por gerar insegurança jurídica em razão da possibilidade de desfazimento do negócio (após extenso tempo de análise) e dá margem a casos de impossibilidade de reversão de uma transação ao final da análise, já que em razão de uma transação, as empresas podem ter demitido funcionários, descontinuado plantas industriais ou marcas.

Seguindo as práticas de países desenvolvidos, a nova lei estabelece que as transações deverão ser aprovadas antes de sua conclusão (controle prévio) e confere ao Cade uma dinâmica e estrutura que visam acelerar a análise. Assim, pretende-se conferir maior dinamismo ao ambiente negocial, incrementando, de um lado, a segurança jurídica e, de outro, tornando mais efetiva a defesa da concorrência.

Embora seja de fato uma evolução, o novo sistema de análise prévia constitui um significativo desafio à medida que o "super Cade" terá de ser capaz de atender às novas expectativas e demandas, adaptando seus procedimentos e métodos de análise a um cenário diferente. Será também um desafio ao setor privado, que deverá ser capaz de identificar o momento certo da submissão e encontrar meios para tornar a análise mais dinâmica e conseguir a aprovação com maior celeridade. Além disso, os vetos presidenciais a alguns dispositivos da lei suprimiram prazos estipulados para atos do Cade e que, caso não cumpridos, gerariam a aprovação da operação. Na prática, isso reduz a pressão para que o Cade acelere a análise, podendo, no limite, "eternizar" um ato de concentração. Por isso, é necessário que o Cade regulamente essa questão de modo a trazer mais segurança ao ambiente de negócios.

Em 2011, a política de repressão a cartéis se perpetuou tanto com novas investigações iniciadas pela SDE – Secretaria de Direito Econômico (objetivando principalmente inibir cartéis de âmbito internacional) quanto por decisões do Cade que confirmaram o rigor na condenação desse tipo de infração.

No campo das condutas unilaterais, foi singular a atuação do Conselho para promover a abertura de investigação contra contratos de exclusividade do Banco do Brasil no mercado de crédito consignado a servidores públicos. Por sua vez, a SDE iniciou investigações de laboratórios farmacêuticos por supostamente procurarem impedir a entrada de medicamentos genéricos por meio do ajuizamento de ações judiciais.

As investigações iniciadas pela SDE remontam a um aspecto importante da política de defesa da concorrência: sua relação com o Poder Judiciário. Nessas investigações, a SDE analisa se o Poder Judiciário constituiu, inadvertidamente, veículo para uma conduta anticompetitiva. Esta é uma interface dessa relação. A outra interface é a de controle que o Judiciário exerce sobre os atos das Autoridades de Defesa da Concorrência. Nesse âmbito, é relevante a sentença recentemente proferida pela 4ª Vara Federal de Brasília anulando decisão do Cade que condenou diversos laboratórios farmacêuticos por cartel em razão de suposto boicote à entrada dos medicamentos genéricos. Essa sentença sinaliza, de modo claro, que o Judiciário deve ser sim um revisor das decisões do Cade e que princípios constitucionais, como o devido processo legal e o direito ao contraditório, devem ser seguidos de modo estrito.

Destaque-se que a nova lei altera também o regime de controle de condutas, notadamente no que diz respeito às penas aplicáveis. No sistema da Lei nº 8.884/94, as multas são de 1 a 30% do faturamento da companhia. A alteração legislativa modificou não só o porcentual aplicável (que será de 0,1 a 20%), mas também a própria base de cálculo: o faturamento do grupo no ramo de atividade empresarial afetado passa a ser o critério.

Antes, tinha-se uma base de cálculo objetiva: o faturamento da companhia. Agora, o critério é vago. Esse ponto causa preocupação, pois gera muita incerteza: é difícil, neste momento, estimar possíveis sanções a serem aplicadas. A jurisprudência do Cade havia desenvolvido patamares para a aplicação das multas: com base na legislação atual, é possível estimar que a multa num caso de conduta unilateral seria de 1 a 2% (excepcionalmente poderia atingir 5%) e, para casos de cartel, ao menos, 15%. Dada a mudança na base de cálculo – que se torna completamente diferente e de mais difícil apuração – que patamares deve-se esperar? Essa é uma questão muito relevante e que merece amplo debate.

A retrospectiva aqui apresentada evidencia que as instituições de defesa da concorrência no Brasil trabalham hoje de modo harmonioso. A despeito dos diversos problemas ainda existentes com a falta de estrutura, recursos e pessoal, Cade, SDE e SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) criaram arranjos institucionais criativos que têm mitigado os problemas e tornado a análise mais célere. Além disso, a aplicação da Lei nº 8.884/94 já tem extensa jurisprudência, o que contribui para mitigar as incertezas no ambiente de negócios.

E neste momento, o olhar retrospectivo é fundamental para que se possa lidar com a mudança legislativa e traçar o caminho à frente. Um passo fundamental é dado com a nova lei. Ela reconhece a evolução da defesa da concorrência e procura conferir-lhe mais ferramentas e recursos para que sua atuação seja intensificada. No entanto, ela é também um desafio, à medida que exigirá um aperfeiçoamento do diálogo entre as autoridades de defesa da concorrência, os empresários, os advogados e economistas especializados, para que a nova disciplina efetivamente alcance os objetivos propostos e perpetue o processo de desenvolvimento observado até aqui.

Assim, enquanto o balanço retrospectivo é positivo, a análise prospectiva aponta para um ambiente de mudanças e desafios, em que a reforma legislativa pode levar a alterações consideráveis na política pública de defesa da concorrência brasileira. Novamente, concluímos nossa retrospectiva com um alerta sobre o que está por vir: 2012 também será um ano de atenção.

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