Quebra de sigilo

"Corregedoria submeteu juízes a constrangimento ilegal"

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20 de dezembro de 2011, 19h04

As principais entidades de representação de juízes elogiaram, nesta terça-feira (20/12), a liminar do Supremo Tribunal Federal que suspendeu os poderes da Corregedoria Nacional de Justiça de violar o sigilo bancário de magistrados sem autorização Judicial. Em nota conjunta, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) disseram que a decisão, do ministro Ricardo Lewandowski, "restabelece a verdade jurídica violada e a normalidade institucional".

O elogio vem um dia depois da liminar, proferida em Mandado de Segurança Coletivo levado ao STF pelas três associações. Os juízes pedem que o Supremo proíba a Corregedoria do CNJ de quebrar o sigilo bancário e fiscal dos funcionários do Judiciário sem prévia autorização da Justiça.

A ação foi ajuizada por conta da atuação da Corregedoria em dois Pedidos de Providência ao CNJ. Nos dois, o órgão teve acesso à declaração de bens de milhares de juízes, desembargadores e servidores de tribunais estaduais, federais e militares.

AMB, Ajufe e Anamatra afirmam que a atuação da Corregedoria nesses casos submeteu magistrados a constrangimento ilegal. "Ao arrepio da lei, essa decisão desrespeitou direito líquido e certo."

De acordo com o Mandado de Segurança, a Corregedoria pediu o número de CPF de todos os servidores do Judiciário e enviou os dados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), solicitando informações sobre movimentações financeiras suspeitas ou de comunicações atípicas envolvendo os funcionários, como remessas de dinheiro ao exterior. Isso, segundo as alegações do MS, transformou os PPs em investigações criminais.

As acusações dizem respeito a verbas recebidas por alguns servidores (desembargadores, inclusive) que não foram pagas a outros. No início do mês, o CNJ esteve no Tribunal de Justiça de São Paulo para investigar a folha de pagamento da corte, por acusação de irregularidades.

As entidades da magistratura querem a suspensão da norma do Regimento Interno do CNJ que o permite acesso às contas dos funcionários do Judiciário sem necessidade de autorização judicial. A liminar de Lewandowski suspende essa regra até que a Corregedoria preste informações sobre os episódios citados no Mandado de Segurança.

"Trata-se de grave violação, que, num caso semelhante, mas de menor proporção, teve sérias consequências políticas, quando o sigilo bancário de um cidadão foi quebrado. De acordo com o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, a quebra somente pode ser feita por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal", diz a nota assinada pelos juízes.

Eles também reclamam das razões que levaram o CNJ a investigar dados pessoais dos envolvidos nos casos. "Não se faz Corregedoria pelas manchetes de jornais. O absolutismo dessas ações caracteriza-se por subjugar os princípios constitucionais e legais à vontade individual, a exemplo do que já ocorreu em outras medidas totalitárias."

Mas a Corregedoria Nacional de Justiça se defende e afirma que atua dentro de suas atribuições. Afirma que, pela Lei 8.429/1992, o ocupante de cargo público deve, anualmente, apresentar sua declaração de bens. Isso inclui "imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no país ou no exterior" e, quando necessário, pode envolver os "bens do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico".

A mesma lei também prevê que o servidor público que se recusar a fazer essa declaração anual, ou que apresentar declaração falsa, está sujeito a punição de demissão. O texto, no entanto, não autoriza explicitamente os órgãos fiscalizadores, ou administrativos, a ter acesso às contas bancárias dos funcionários.

Sobre o envolvimento do Coaf, a Corregedoria nega ter buscado informações. Explica que o órgão, por lei, tem obrigação de informar os demais órgãos fiscalizadores sobre movimentações financeiras atípicas. Por convênio do Coaf com o CNJ, a Corregedoria é informada sobre essas transações quando elas envolvem tribunais.

A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) também impetrou Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal com o mesmo teor das outras ações. Afirma que a Corregedoria do CNJ é um órgão "meramente administrativo" e não pode determinar a investigação das movimentações financeiras, e muito menos determinar a quebra de sigilo fiscal e bancário de juízes.

Leia a nota conjunta da AMB, Ajufe e Anamatra:

NOTA CONJUNTA DA AMB, AJUFE E ANAMATRA

A liminar proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, do STF, restabelece a verdade jurídica violada e a normalidade institucional, ao suspender a medida adotada pela Corregedoria Nacional de Justiça, que, sem qualquer justa causa, submeteu os Magistrados ao constrangimento ilegal de quebra do sigilo bancário e fiscal. Ao arrepio da lei, essa decisão desrespeitou direito líquido e certo, razão pela qual a AMB, a Ajufe e Anamatra impetraram mandado de segurança, com pedido de liminar.

Tais procedimentos foram implantados sem o conhecimento prévio do próprio CNJ e sem autorização judicial, desde 2009, pela Corregedoria, que, não satisfeita, passou, agora, a investigar, a partir de dados que solicitou ao Coaf, até os cônjuges e descendentes de Magistrados e servidores, ou seja, de pessoas que sequer integram o Poder Judiciário, totalizando mais de 200 mil pessoas.

Trata-se de grave violação, que, num caso semelhante, mas de menor proporção, teve sérias consequências políticas, quando o sigilo bancário de um cidadão foi quebrado. De acordo com o Art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal, a quebra somente pode ser feita por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

A mesma Carta Magna, segundo o Art. 103-B, não confere essa atribuição à Corregedoria, que, com a medida, assume e usurpa funções que são próprias da Polícia Federal e do Ministério Público, que exercem essas atividades autorizados pelos Tribunais.

Não se faz corregedoria pelas manchetes de jornais. O absolutismo dessas ações caracteriza-se por subjugar os princípios constitucionais e legais à vontade individual, a exemplo do que já ocorreu em outras medidas totalitárias, como a intenção de regulamentar a participação de Magistrados e de Associações de classe em seminários que buscam, simplesmente, a formação continuada e o aperfeiçoamento profissional.

A AMB, Ajufe e Anamatra repudiam ainda quaisquer tentativas de lesão ao direito de livre exercício associativo por meio de medidas que atropelem as leis e a Constituição e os direitos e garantias nelas consagrados, ainda que seja apresentada sob o suposto argumento de preservar a imagem do Poder Judiciário.

A ordem jurídica e o Estado Democrático de Direito não podem nem devem admitir tamanha violência e excrescência, que atira garantias da Constituição para o arquivo das aspirações mortas. Contra tais procedimentos, numa democracia, só haverá uma barreira: a autoridade da Justiça, preservada pela independência dos Tribunais. O povo brasileiro não pode ficar desprovido de uma Magistratura independente, que esteja pronta para garantir os seus direitos.

Nelson Calandra
Presidente da AMB

Gabriel Wedy
Presidente da Ajufe

Renato Sant’Anna
Presidente da Anamatra

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