Justiça Tributária

Autuações injustas sobre operações regulares

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

19 de dezembro de 2011, 8h42

Spacca
Tudo indica que a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo não tem compromiso com a Justiça tributária. A lei complementar (estadual) 939/2003 vem sendo solenemente ignorada pelo fisco paulista, que se esmera na arte de praticar atos arbitrários. Exemplo desse comportamento injusto ocorre com a rotineira  autuação de empresas por créditos tributários considerados indevidos, sob o argumento de que teriam adquirido mercadorias de empresas consideradas “inidôneas”. 

Quase sempre o contribuinte recebe uma intimação para comprovar o pagamento dos fornecimentos, e às vezes nem isso. O fiscal apenas exibe um “relatório” onde o fisco afirma que determinado fornecedor foi considerado “inidôneo” por esta ou aquela razão. Com base em supostas diligências e com base nesse papel de duvidosa legitimidade autua-se o contribuinte, estornando-se os créditos, exigindo-se do adquirente das mercadorias o recolhimento do tributo, acrescido de multa, juros etc.

Afirma o fisco ora que o estabelecimento do fornecedor não foi localizado, ora que se tratava de simulação. Outras vezes, ainda, que a inscrição foi obtida mediante fraude. Enfim, cada vez é uma história diferente, mas o final é sempre o mesmo: quem comprou a mercadoria seria responsável pelo pagamento de tudo, sempre sob ameaça de abertura de procedimento criminal e sem que se dê a menor chance de contraditório, de defesa.

Tais alegações de "inidoneidade" dos documentos baseiam-se sempre em supostas diligências realizadas pelo fisco, mas em nenhum momento se dá conhecimento à autuada de tais diligências, como também não se dá notícia sobre a publicação dessa alegada "inidoneidade" no Diário Oficial ou qualquer outra forma de sua divulgação. A tal consulta da idoneidade (pelo site do Sintegra) serve para quase nada. Através da internet o contribuinte pode consultar a Secretaria da Fazenda, mas ali registra-se que tal informação não serve para futura defesa, ficando sempre a dúvida: se não serve para defesa do adquirente, serviria para quê mesmo ?

Na verdade, quem recebe mercadorias acompanhadas de notas fiscais formalmente regulares, e das quais constam dados de autorização de sua impressão, possui razões suficientes para não duvidar da legalidade desses documentos. Até porque conhece a eficiência do fisco e o rigor com que são emitidas essas autorizações. Será que o fisco autoriza impressão de documentos fiscais para empresas inidôneas?

Essas autuações geraram inúmeros processos, tanto administrativos quanto judiciais. Na esfera administrativa tem prevalecido decisões favoráveis ao fisco, ante a conhecida parcialidade dessa instância. Mas judicialmente há contribuintes que conseguem resultados satisfatórios.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pela sua 16ª Câmara Civil, na Apelação Civel 175.883-2/9 da Comarca de Taubaté,  decidiu que não se pode cobrar do adquirente o imposto que não tenha sido pago pelo vendedor, se a "inidoneidade" dos documentos por este emitidos não tenha sido divulgada mediante publicação no Diário Oficial.

Concluiu o Tribunal, nesse caso, que “…cabe ao Fisco cobrar da vendedora o imposto que for devido. Ante a ausência de publicação da declaração de inidoneidade da vendedora, não há que se penalizar” o adquirente da mercadoria que agiu de boa fé.

No mesmo sentido é a jurisprudência do STJ que no, Agravo Regimental 173.817-RJ, decidiu que o crédito do ICMS não depende de prova de que o fornecedor tenha pago o tributo, mas apenas de que estava regularmente inscrito na repartição e de que o negócio tenha sido realizado.

Decisão similar está  na RJTJESP 124/40, esta destacando antiga lição de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, pág. 64) que ensina:

A publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos, que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem, exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante partes e terceiros.

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, examinando questão do pagamento do ICMS na comercialização de gado, negou recurso interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo, afirmando que:

Constatado…que o vendedor agiu de boa fé e que a empresa compradora encontrava-se regularmente inscrita na data das operações de compra e venda, não pode o vendedor ser responsabilizado pelo recolhimento do tributo. (REsp 89.364)

Vê-se, portanto, que a responsabilidade do comprador ou do vendedor pelo tributo que a outra parte não pagou só pode ocorrer se ficar demonstrada a existência de conluio ou má-fé.

Ao fazer diligências sem que as torne públicas ou sem que se informe ao contribuinte acusado da infração (de crédito indevido) a fiscalização impede que elas possam ser acompanhadas e contraditadas. Assim, deixa de observar o disposto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, a saber:

"LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

Se o contribuinte autuado pelo fisco sob o argumento de que se utilizou de documentos “inidôneos” possui prova razoável de que tenha efetivamente promovido os pagamentos das  mercadorias, pode esperar que o Judiciário reconheça que não é de sua responsabilidade o imposto que não foi recolhido pelo fornecedor.

Conclusão: deverá o contribuinte, por meio dos seus advogados, levar a questão ao exame dos tribunais, para que não se veja obrigado a sofrer prejuízo por causa da deficiência dos sistemas fiscalizadores do Estado ou ainda em virtude do desrespeito que o contribuinte recebe sempre que é colocado na posição de presumidamente culpado. 

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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