Aplicabilidade do Carf

Decisões do STJ definirão aplicação da Súmula do Carf

Autor

  • Alexandre Pontieri

    é advogado pós-graduado em Direito Tributário pela UniFMU em São Paulo e em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Membro da Comissão de Direito Criminal da OAB-SP.

12 de dezembro de 2011, 10h59

A Súmula 39 do Carf dispõe que: "Os valores recebidos pelos técnicos residentes no Brasil a serviço da ONU e suas Agências Especializadas, com vínculo contratual, não são isentos do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física."

O Conselho Superior de Recursos Fiscais do Carf já tratou da matéria em epígrafe em diversas oportunidades conforme se vê abaixo:

Imposto sobre a renda de pessoa física – IRPF. Prestação de Serviços à Unesco/ONU. Tributação: O Conselheiro Relator do Processo nº 14041.000649/2005-71, Gonçalo Bonet Allage, aplicou o teor da Súmula 39 do Carf para negar provimento ao recurso do contribuinte na questão envolvendo a tributação de Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF) no tocante à prestação de serviços à Unesco/ONU. O voto do relator foi seguido por unanimidade pelos demais Conselheiros da 2ª Turma do Conselho Superior de Recursos Fiscais do Carf. 

O entendimento da Câmara Superior endossou o que já havia sido decidido no acórdão recorrido (2005-08-22.00.00.00), que dispunha que, "(…) os rendimentos de nacionais contratados no país, decorrentes da prestação de serviços à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO/ONU são tributáveis. Precedentes da 2ª Câmara e da Câmara Superior de Recursos Fiscais." (Processo nº 14041.000649/2005-71)

IRPF – Prestação de Serviço por nacionais junto ao PNUD. Tributação: O relator, Gonçalo Bonet Allage, negou provimento ao recurso do Contribuinte e não conheceu do Recurso da Fazenda Nacional, prevalecendo a tese de que são tributáveis os rendimentos decorrentes da prestação de serviço junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), quando recebidos por nacionais contratados no País, por faltar-lhes a condição de funcionário de organismos internacionais, este, detentor de privilégios e imunidades em matéria civil, penal e tributária. (Processos nºs 14041.000019/2005-05; 14041.000495/2005-18;  14041.000109/2006-79 e 14041.000129/2006-40)

Rendimentos recebimentos de organismos internacionais – FAO – isenção – alcance: Relator negou conhecimento ao recurso do contribuinte, sendo seguido por unanimidade. Prevalência da seguinte tese: A isenção de imposto sobre rendimentos pagos pela FAO – Food and Agricultura Organization, agência especializada da ONU, é restrita aos salários e emolumentos recebidos pelos funcionários internacionais, assim considerados aqueles que possuem vínculo estatutário com a Organização e foram incluídos nas categorias determinadas pelo seu Secretário-Geral, aprovadas pela Assembléia Geral. Não estão albergados pela isenção os rendimentos recebidos pelos técnicos a serviço da Organização, residentes no Brasil, sejam eles contratados por hora, por tarefa ou mesmo com vínculo contratual permanente. (Processo nº 14041.000276/2004-58)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já apreciou este tema em algumas oportunidades. São as seguintes as principais decisões do STJ que privilegiaram a tese com os argumentos de que, não se estende aos técnicos contratados pela ONU, visto que este benefício não foi previsto no artigo VI, Sessão 22, que trata dos privilégios e imunidades conferidos aos técnicos, além de não possuírem a situação jurídica de funcionário:

“IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS POR PRESTADOR DE SERVIÇO CONTRATADO POR ORGANISMO INTERNACIONAL. PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES CONFERIDOS POR TRATADO INTERNACIONAL DO QUAL O BRASIL FAÇA PARTE. FUNCIONÁRIO DA ONU. ISENÇÃO SOBRE OS SALÁRIOS E EMOLUMENTOS RECEBIDOS DAS NAÇÕES UNIDAS. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. DECRETO Nº 27.784/50. CONSULTOR CONTRATADO JUNTO AO PNUD. REMUNERAÇÃO PERCEBIDA EM RAZÃO DO SERVIÇO PRESTADO. TRIBUTAÇÃO. ISENÇÃO FISCAL QUE NÃO SE PRESUME.

I – Não ocorre afronta ao artigo 535, inciso II, do CPC quando o Tribunal de origem julga a lide solucionando as questões ditas controvertidas tal qual estas lhe foram apresentadas.
II- No âmbito do Direito Tributário, é reconhecida a validade e eficácia às convenções internacionais, a exemplo do disposto no art.
22 do Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), que regulamenta os arts.
5º, da Lei nº 4.506, de 1964, e 30 da  Lei nº 7.713, de 1988.
III- O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PNUD, como seu próprio nome revela, é um Programa, não se confundindo com as Agências Especializadas daquele organismo, as quais possuem um tratado específico e autônomo versando sobre privilégios e imunidades diplomáticas daquelas agências (Convenção sobre privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 52.288/63). Logo, acerca dos privilégios e imunidades, deve ser aplicada ao caso do PNUD a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, ratificada pelo Decreto nº 27.784, de 16 de fevereiro de 1950.
IV- A Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas estabelece os privilégios e imunidades dos Funcionários a serviço das Nações Unidas, dispondo em seu artigo V, que "serão isentos de qualquer imposto sobre os salários e emolumentos recebidos das Nações Unidas".
V- Tal isenção, entretanto, não se estende aos técnicos contratados pela ONU, visto que este benefício não foi previsto no artigo VI, Sessão 22, que trata dos privilégios e imunidades conferidos aos técnicos, além de não possuírem a situação jurídica de funcionário.
VI- A pessoa física que não faz parte do quadro efetivo da ONU, prestadora de serviço a Programa desta Organização, como é o caso do PNUD, não goza de isenção sobre os rendimentos recebidos em razão do serviço prestado, sobre eles devendo incidir o imposto de renda, uma vez que importam em acréscimo patrimonial e não estão beneficiados por isenção, como é o caso das hipóteses dos incisos XVI, XVII, XIX, XX e XXIII do art. 39 do Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aprovado pelo Decreto 3.000, de 31.03.99.
VII- Como cediço, a isenção fiscal não se presume, devendo ser interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre sua outorga (art. 111, inciso II, do CTN).
VIII – Recurso especial provido.”

(REsp 1031259/DF, Rel. MIN. FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/03/2009, DJe 03/06/2009)

“PROCESSO CIVIL – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE A RENDA – CONSULTOR DO PNUD – ISENÇÃO – INTERPRETAÇÃO LITERAL – PRECEDENTES – HONORÁRIOS – REVISÃO – SÚMULA 7/STJ – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA – SÚMULA 83/STJ.

1. Abstraído do quadro fático que o recorrente não é funcionário permanente de organismo internacional, interpreta-se a isenção instituída no art. 5º da Lei 4.506/64 e prevista no art. 22 do RIR/99 literalmente para negar a concessão do favor fiscal. Precedentes.
2. A pretensão de reexame da verba honorária é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
3. Divergência jurisprudencial prejudicada pelo entendimento de ambas as Turmas de Direito Público desta Corte.
4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, não provido.”
(REsp 1121929/RS, Rel. MIN. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2010, DJe 04/03/2010)

E mais:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXISTÊNCIA DE ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS RENDIMENTOS AUFERIDOS POR TÉCNICOS A SERVIÇO DAS NAÇÕES UNIDAS, CONTRATADOS NO BRASIL PARA ATUAR COMO CONSULTORES NO ÂMBITO DO PNUD/ONU.

1. Este Tribunal Superior pacificou sua jurisprudência no sentido de que não estão isentos do Imposto de Renda os rendimentos do trabalho auferidos por técnicos a serviço das Nações Unidas, contratados no Brasil para atuar como consultores no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, conforme evidenciam os seguintes precedentes: REsp 939.709/DF, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 27.2.2008; REsp 1.031.259/DF, 1ª Turma, Rel. Min.
Francisco Falcão, DJe de 3.6.2009; REsp 1.121.929/RS, 2ª Turma, Rel.
Min. Eliana Calmon, DJe de 4.3.2010.
2. Além de se tratar de recurso em manifesto confronto com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, o recurso especial também é manifestamente improcedente, pois a tese jurídica da contribuinte, ora recorrente, é expressamente contrária à legislação federal pertinente à matéria (art. 111, II, do CTN; art. 5º, II, da Lei 4.506/64; arts. IV, 2, d, e V, 1, a, do Acordo Básico de Assistência Técnica promulgado pelo Decreto 59.308/66; arts. V, Seções 17 e 18, b, e VI da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas promulgada pelo Decreto 27.784/50).
3. Agravo regimental não provido.”
(AgRg no Ag 1289545/DF, Rel. MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/08/2010, DJe 30/09/2010)

Porém, cabe destacar que em recente decisão da Primeira Seção do STJ, em processo de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, no julgamento do REsp nº 1.159.379, houve uma mudança de entendimento sobre a matéria ora em comento.

Vejamos, pois, a ementa do julgamento do REsp nº 1.159.379/DF:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PNUD. ISENÇÃO. MULTA. SÚMULA 98/STJ.
1. O Acordo Básico de Assistência Técnica firmado entre o Brasil, a ONU e algumas de suas Agências, aprovado pelo Decreto Legislativo 11/66 e promulgado pelo Decreto 59.308/66, assumiu, no direito interno, a natureza e a hierarquia de lei ordinária de caráter especial, aplicável às situações nele definidas. Tal Acordo atribuiu, não só aos funcionários da ONU em sentido estrito, mas também aos que a ela prestam serviços na condição de "peritos de assistência técnica", no que se refere a essas atividades específicas, os benefícios fiscais decorrentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50.
2. O autor prestou serviços de assistência técnica especializada, na condição de Técnico Especialista, ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, de quem recebia a correspondente contraprestação. Assim, os valores recebidos nessa condição estão abrangidos pela cláusula isentiva de que trata o inciso II do art. 23, do RIR/94, reproduzida no art. 22, II, do RIR/99.
3. Nos termos da Súmula 98/STJ, embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.
4. Recurso especial provido.”
(REsp 1159379/DF, Rel. MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/06/2011, DJe 27/06/2011)

Assim, em face da breve análise sobre o tema em epígrafe, questiona-se: qual será o futuro da Súmula nº 39 do Carf?
Acreditamos que tal resposta somente poderá ser dada com base nos próximos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), bem como nos entendimentos que vierem a ser adotados pelo Superior Tribunal de Justiça, que terá, a nosso ver, papel norteador para direcionar a aplicabilidade ou não da Súmula nº 39 do CARF aos casos concretos que forem levados para julgamento pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.

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    é advogado; pós-graduado em Direito Tributário pela UniFMU, em São Paulo e em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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