Advocacia do bem

Instituto Pro Bono ainda enfrenta corporativismo

Autor

3 de dezembro de 2011, 7h18

AASP
“Existe pobre pra todo mundo”. A frase, em tom de justificativa foi dita por Jorge Eluf Neto, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil paulista, durante encontro de comemoração dos dez anos do Instituto Pro Bono, na quinta-feira (1º/12). Quando o advogado tomou sua vez no púlpito da apresentação do encontro, a entidade que representava já havia sido alvo de uma série de críticas por parte dos demais presentes.

A mais contundente das observações sobre a posição da Ordem em relação à advocacia gratuita e voluntária foi feita pelo criminalista Miguel Reale Júnior, sócio-fundador do Instituto Pro Bono. Ele lembrou que ao longo da última década, a instituição enfrentou resistências no Conselho Federal da OAB e, sobretudo na Comissão de Responsabilidade Social. “É preciso dar nome aos bois”, explicou.

As atividades da advocacia pro bono em São Paulo são reguladas pela Resolução Pro Bono, de agosto de 2002, da seccional paulista da OAB. Assim como acontece com todos os 700 mil advogados que atuam no Brasil, a OAB é que estipula a regra de atuação desses advogados. O artigo 1º da norma define os limites da advocacia voluntária como sendo de “assessoria e consultoria jurídicas, permitindo-se excepcionalmente a atividade jurisdicional”.

O artigo 3º estabelece mais uma limitação ao estabelecer que os serviços gratuitos de advocacia só podem seroferecidos a “pessoas jurídicas sem fins lucrativos integrantes do terceiro setor, reconhecidas e comprovadamente desprovidas de recursos financeiros, para custear as despesas procedimentais, judiciais ou extrajudiciais”.

A advocacia pro bono, apontam os fundadores da entidade, encontra fundamento no artigo 5º, inciso LXXIV, e também no artigo 134 da Constituição Federal, quando eles estabelecem, respectivamente, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” e que “a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados”.

Ou seja, como a defensoria não consegue, sozinha, dar conta da exigência constitucional, a advocacia pro bono seria uma forma de dar conta da lacuna existente. “É um processo de aproximação da Justiça ao povo e nós, advogados, precisamos ajudar quem ajuda os outros”, diz Reale Júnior.

Hoje, o Instituto Pro Bono reúne em seu quadro 550 advogados, todos regularmente inscritos nos quadros da Ordem, que atendem mais de 600 organizações do terceiro setor. O mutirão na periferia é um dos trabalhos desenvolvidos pelos membros. “Ainda somos chamados de anti-éticos. Estão transformando a generosidade em mesquinharia”, reclamou o criminalista, arrancando aplausos da platéia.

Marcos Fuchs, diretor executivo da instituição, conta que por muito tempo a OAB alegou existência de captação de clientela na atividade desses advogados voluntários. “Era uma forma de frear o exercício”, conta. Dez anos depois, acredita, é preciso fortalecer o movimento, já que o Brasil é um “país miserável”. “Temos que levar o advogado para as pessoas que nunca tiveram a chance de falar com um”, opina.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não compareceu ao evento, enviando como representante o secretário de Reforma do Judiciário Marcelo Vieira de Campos. Da mesma forma, Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB-SP, não foi, enviando o conselheiro Jorge Eluf Neto em seu lugar. O mesmo ocorreu com a defensora pública-geral de São Paulo Daniela Sollberger Cembranelli, que foi representada pelo subdefensor-geral Davi Depiné Filho.

O advogado e a sociedade de advogado que quiserem exercer atividades pro bono devem comunicar previamente ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB os objetivos e alcance de suas atividades, incluindo “denominação social da entidade beneficiária, tipo de atividade a ser prestada, data de início e término da atividade”

Ao falar sobre a advocacia pro bono, o conselheiro da OAB paulista disse que a entidade apoia a atividade, “apesar da existência dos focos de resistência de natureza corporativa”. Hoje, ele explica, o Tribunal de Ética pune o advogado que faz da atividade um meio de exercer a promoção pessoal, de captar clientela e de fazer política.

O segundo discurso mais contunde quanto ao posicionamento da OAB acerca da advocacia pro Bono partiu de Marina Dias Werneck de Souza, diretora presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Como criminalista, ela disse que “o advogado criminal tem contato maior com as pessoas, porque trabalha, geralmente, em escritórios menores e está acostumado a frequentar delegacias e prisões. Com o trabalho voluntário, ele cumpre sua função de fazer justiça”.

“Quando a resolução da OAB deixa de regulamentar a relação da advocacia pro bono com as pessoas físicas, atende a intuitos corporativistas, eleitoreiros e políticos”, criticou. E mais: “Não dá mais pra tolerar isso. A OAB se prende a uma assistência jurídica que nasceu há 30 anos, em outro contexto”.

De acordo com ela, enquanto São Paulo concentra 35% da população carcerária do país, existem 76 mil pessoas para cada defensor público da área criminal. “É uma política de exclusão no sistema prisional”, disse.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!