No rumo certo

“Decisões do Supremo ajudam a aperfeiçoar o CNJ”

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29 de agosto de 2011, 10h01

Spacca
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o cargo de vice-corregedor de tribunal não integra os chamados cargos de direção. Por isso, quem o exerce não pode ser privado de, depois, assumir a vice-presidência e a presidência do tribunal. A decisão foi tomada em uma disputa interna pelo cargo de presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.

Antes do STF, o Conselho Nacional de Justiça havia tomado a mesma decisão. Como dezenas de outras, essa foi contestada na Corte Suprema. Desta vez, o entendimento do CNJ, fixado com base em um voto do decano do Conselho, Marcelo Nobre, prevaleceu. Mas não são poucas as decisões do órgão administrativo que caem diante do juízo do tribunal.

Para Nobre, não há qualquer problema nesse fato. O conselheiro rechaça a ideia de que haja um conflito entre o CNJ e o STF. “Não existe esse conflito. O CNJ é a longa manus do Supremo Tribunal Federal, seu braço administrativo. Os caminhos do CNJ são corrigidos pelos ministros do Supremo”, afirma. O conselheiro ressalta que o percentual de decisões do Conselho contestadas no Supremo é mínimo e que quem recorre à Corte está correto. Isso porque, com suas decisões, “o Supremo tem dado as orientações sobre qual é o caminho correto que o Conselho Nacional de Justiça deve seguir”.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Marcelo Nobre rebate as críticas de que o CNJ se desviou de sua principal função de fazer o planejamento estratégico do Judiciário para se transformar em uma supercorregedoria. De acordo com o conselheiro, o CNJ é um órgão novo, e como todo órgão novo, funciona como um pêndulo: em alguns momentos deu ênfase à atribuição de punir os desvios de juízes, em outros enfatizou o planejamento da Justiça.

Com três anos e quatro meses de mandato, Marcelo Nobre é o integrante mais antigo do CNJ. É o representante da Câmara dos Deputados no Conselho e tem orgulho de ter sido reconduzido ao cargo para o segundo mandato em maio de 2010, com os votos de 97% dos pouco mais de 400 deputados presentes à sessão que chancelou seu nome.

Nobre contou sua experiência no Conselho, defendeu a competência concorrente à das corregedorias locais para processar juízes, apontou o que precisa ser aperfeiçoado e destacou o papel do CNJ no planejamento e na consolidação do que intitula como o “Judiciário do futuro”. Como bom advogado, defendeu o Exame de Ordem e o quinto constitucional. Mas não deixou de criticar o uso do instituto para beneficiar amigos de dirigentes da OAB: “O quinto constitucional está servindo para dar cargos para amigos de quem comanda as OABs, para alpinistas jurídicos”.

Em maio do ano que vem, Marcelo Nobre deixa o CNJ, mas ainda não decidiu seu destino. Assédio é o que não falta. Enquanto trabalhava por sua recondução, foi sondado para substituir o ministro Dias Toffoli na Advocacia-Geral da União. “Fiquei orgulhoso, mas estava com a cabeça no CNJ, e ainda estou”.

Voltar a advogar é apenas uma das opções do conselheiro. Há quem o queira à frente de uma seccional da OAB, outros o preferem em cargos estratégicos do Judiciário, mas é crescente a possibilidade de que siga os passos do pai, o deputado federal Freitas Nobre, do MDB, um dos mais importantes defensores da liberdade de expressão em plena ditadura militar. Nobre desconversa: “Política é destino”. Não é improvável, contudo, que já em 2012 o conselheiro dê de cara com seu destino.

Leia a entrevista:

ConJur — Recentemente, a competência do CNJ foi colocada novamente à prova. A AMB [Associação dos Magistrados Brasileiros] atacou no Supremo a Resolução 135, que fixou uma regra uniforme para o andamento de processos disciplinares contra juízes. Mais uma vez, se alega que o CNJ feriu a autonomia dos tribunais. O CNJ vem extrapolando suas atribuições?
Marcelo Nobre Não, pelo contrário. Acho que a AMB não entendeu a resolução. A norma vem para cumprir exatamente o que a Constituição diz ser a atribuição do Conselho Nacional de Justiça. É uma resolução benéfica para a magistratura e para o Poder Judiciário porque padroniza os processos administrativos disciplinares em todo país. Aquele que tem visão estreita, ou seja, de um só lugar, de um só tribunal, pode achá-la estranha. Mas quando se sai de perto daquela visão única, exclusiva de um tribunal, você enxerga o país, que é o caso do CNJ. E quando nos deparamos com processos administrativos disciplinares completamente distintos na sua tramitação, a reação natural é tentar colaborar com o Judiciário com a padronização dos procedimentos.

ConJur — Exatamente ao padronizar, o CNJ não interfere de forma irregular na autonomia dos tribunais?
Nobre O CNJ não está interferindo nos processos administrativos disciplinares. O que o CNJ quer fazer é que todos os tribunais tenham um processo administrativo disciplinar padronizado na sua generalidade, e não na sua especificidade. Cada tribunal irá tocar seus processos, sem interferência. Mas a forma como isso será tocado, o CNJ pode e deve estabelecer. O objetivo é padronizar apenas o andamento de um processo administrativo importantíssimo, que é o disciplinar sobre os desvios de conduta de magistrados e servidores do Poder Judiciário. Há questões que não podem ser tratadas de forma diferente, de maneira alguma, como prazo para recurso e direito à ampla defesa. É nessas questões que o CNJ está atuando. Nas outras, que dependem de interpretações, cada tribunal pode fazer do seu jeito.

ConJur — Na ação, a AMB levanta mais uma vez a polêmica sobre a competência do CNJ em processos disciplinares: se é concorrente ou subsidiária à das corregedorias dos tribunais locais. Essa discussão está no Supremo. Qual sua opinião?
Nobre Na minha interpretação, a competência é concorrente. E essa convicção vem da experiência de estar dentro do Conselho Nacional de Justiça e analisar e julgar os casos de desvios que acontecem no país. Por que o CNJ foi criado? Porque as corregedorias locais não funcionavam, não funcionaram e não estavam funcionando até a criação do Conselho Nacional de Justiça. Só começaram a funcionar depois do CNJ. Dizer que nossa competência é subsidiária é voltar, no mínimo, seis anos no tempo, quando não existia o CNJ.

ConJur — Hoje as corregedorias não funcionam melhor?
Nobre Sim, funcionam. Mas hoje os tribunais julgam seus processos disciplinares exatamente porque sabem que existe o Conselho Nacional de Justiça. É preciso desmitificar essa questão. E, mesmo hoje, muitos tribunais não conseguem julgar os processos administrativos. Em muitos casos, são os próprios tribunais, seus corregedores e presidentes que pedem ao CNJ que avoque o processo para julgar. É necessário verificar também que, com a mesma frequência que nós julgamos originariamente muitos casos de desvio de função, remetemos outros tantos para as corregedorias locais e fixamos prazos para que a decisão seja tomada.

ConJur — Por que há casos que as corregedorias locais não conseguem julgar?
Nobre Por diversos motivos. Algumas vezes por conta da relação do magistrado com o tribunal, que divide o colegiado. Há vários casos de licenças médicas, afastamentos, férias e ausência por outros motivos de desembargadores para que determinado processo não seja julgado por falta de quórum. É grande o número de casos arquivados porque não havia o número necessário de desembargadores para julgar o processo. Há casos gravíssimos de desvio de função que são arquivados pelos motivos que eu expus. Por isso, é preciso ter muita cautela para se tomar essa decisão sobre a competência sob pena de se restringir demais a atuação do CNJ. É muito comum as faltas acarretarem a prescrição dos casos ou falta de quorum para que sejam aplicadas as punições devidas.

ConJur — Como o senhor define o CNJ?
Nobre É a longa manus do Supremo Tribunal Federal, seu braço administrativo. É presidido pelo presidente do Supremo e seus caminhos são corrigidos pelos ministros do Supremo. Por isso, eu considero descabidas afirmações que surgem, muitas vezes, de que o CNJ estaria em conflito com o STF. Não existe esse conflito. Mas o que eu peço a todos, inclusive à AMB, é que reflitam e se debrucem na análise da nossa competência com a ótica do país, do todo, não olhando apenas um lado da questão. Peço que tentem perceber a importância da competência concorrente do CNJ.

ConJur — Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo, disse certa vez que o Judiciário era um arquipélago de ilhas que não se comunicavam. A criação do CNJ veio para estabelecer essa comunicação. A atribuição correcional não está se sobrepondo indevidamente a esse papel de pensar a gestão do Poder Judiciário?
Nobre Não. De forma alguma. O Conselho Nacional de Justiça foi criado também porque não havia nenhum órgão que analisasse com a imparcialidade necessária os desvios de função dos seus magistrados e servidores. Mas o CNJ nasceu, principalmente, para pensar e planejar o Poder Judiciário do futuro, aquele que a sociedade almeja. Esse foi o principal objetivo para a sua criação.

ConJur — Há muitas críticas no sentido de que o CNJ deixou de lado essa principal atribuição e só pensa em punir?
NobreNão é verdade. E, neste caso, temos que fazer um divisor de águas. Quando o Conselho Nacional de Justiça foi criado não existia conhecimento do Poder Judiciário. Por isso as palavras do ministro Jobim. Não se conhecia quase nada. Ninguém sabia, com precisão, sequer quantos juízes existiam no Brasil. Não havia conhecimento do número exato de varas porque não existia qualquer estatística ou diagnóstico confiável. Não existia o Justiça em Números. Então, sem esse diagnóstico, a primeira composição não pôde fazer propostas e projetos ou implementar programas para o aperfeiçoamento Judiciário. Logo, a primeira composição só se deparou com desvios funcionais de magistrados e servidores. Por isso, ficou na cabeça de alguns que o CNJ só se dedicava a punir. Mas isso não é verdade. A partir da segunda composição, que foi quando eu cheguei ao Conselho, com o primeiro diagnóstico, passamos a focar mais na gestão do que na punição. Eu disse isso na sabatina: “Não existe médico que vá medicar alguém sem um diagnóstico do paciente”. Essa era a situação. Hoje, é diferente.

ConJur — Mas as críticas persistem. Há muitos que inclusive dizem que essa nova composição, que é a quarta, veio para impor um freio de arrumação ao CNJ, que ainda dá mais ênfase à punição.
Nobre O CNJ não precisa de freio de arrumação. Não é o Conselho Nacional de Justiça que divulga mais a punição aos magistrados e menos o planejamento do Judiciário do futuro. Quem divulga isso é a mídia. Em muitas ocasiões, interessa mais à pauta da imprensa a punição ao magistrado do que o planejamento estratégico do Judiciário. Há uma ênfase enorme em gestão, mas pouco divulgada. Por outro lado, eu lhe pergunto: quem no Brasil quer que um órgão de controle, ao se deparar com um desvio de função, e de uma função tão nobre como a de juiz, passe a mão na cabeça do magistrado e não faça nada? Se o CNJ age dentro das normas constitucionais, com o respeito ao devido processo legal e ao direito à ampla defesa, constata no final que o magistrado ou o servidor errou, não deve punir? Gostaria de ver um só cidadão se levantar contra isso. O CNJ age de forma equilibrada, com bom senso, e é isso que se espera dele. Por isso, não concordo com essas críticas.

ConJur — Se o Conselho Nacional de Justiça age de forma equilibrada, por que há tanta contestação de suas decisões no Supremo e tantos casos em que elas são suspensas?
Nobre Em primeiro lugar, o que chega ao Supremo é mínimo. Se compararmos o volume de julgamentos do CNJ e o que se contesta no Supremo Tribunal Federal, vamos verificar que o percentual é mínimo. E eu acho que essas pessoas que vão ao Supremo estão corretíssimas, porque o tribunal tem dado as orientações sobre qual é o caminho correto que o Conselho Nacional de Justiça deve seguir. O CNJ é um órgão novo. Estudiosos afirmam que órgãos novos levam 10 anos para atingir seu ponto de equilíbrio. O CNJ completou seis anos. Como toda instituição nova, o Conselho entra naquele princípio do pêndulo. Algumas vezes vai mais para um lado, depois mais para outro. Primeiro, a ênfase foi no papel correcional. Depois, na gestão, no aperfeiçoamento do Poder Judiciário. E quando isso aconteceu, sofremos críticas de que o Conselho não cumpria mais seu papel correcional. O que não é verdade, absolutamente.

ConJur — E hoje, para onde pende o CNJ?
Nobre Estamos em um ponto de equilíbrio muito interessante. A sociedade brasileira aprova o Conselho Nacional de Justiça porque ele vem agindo corretamente, no plano correcional, e no pleno de gestão. O Conselho Nacional de Justiça é justo e pensa o Judiciário do Século XXI. E a composição do Conselho, com ministro do Supremo e de tribunais superiores, juízes, membros do Ministério Público, da advocacia e representantes da sociedade, faz seus integrantes crescerem muito, aprender com visões e argumentos diferentes da realidade na qual cada um teve origem.

ConJur — O senhor é o integrante mais antigo do CNJ, com mais de três anos de atuação. Qual é o papel e a responsabilidade do decano no Conselho?
Nobre A principal responsabilidade do decano no CNJ é a memória. Porque, em um órgão novo, sentimos falta de algumas coisas. Nós não temos, por exemplo, um banco de jurisprudência. Poucos têm a memória do que aconteceu, das sessões, dos motivos que levaram o colegiado a decidir determinado tema desta ou daquela forma. O decano tem o privilégio de conhecer o regimento como poucos, de saber, por conta da vivência, em que casos se aplica o quê. Enfim, o termo decano, no CNJ, combina com memória.

ConJur — A memória é importante para que uma composição nova não queira decidir tudo de maneira oposta ao que foi decidido pelas composições anteriores, até por uma questão de segurança jurídica…
Nobre Nem o decano conserta isso. Porque muitos dos que vêm para o CNJ, chegam com criticas à sua atuação. Então, não concordam com determinadas decisões, com determinadas posições. E vêm para julgar diferente. Se a composição anterior decidiu de outra forma, ele não tem compromisso com aquela decisão porque ele a critica, não concorda com ela. Então, o novo conselheiro quer dar a decisão que ele acha mais justa, mais correta. Por isso, há uma mudança mesmo. É por essa razão que eu defendo que o mandato para um órgão que tem competência nacional não pode ser apenas de dois anos. E uma das razões que me leva a pensar dessa forma é essa situação que estamos discutindo, de uma possível instabilidade jurisprudencial.

ConJur — Qual o prazo ideal do mandato?
Nobre No mínimo três anos, sem recondução. O trabalho no CNJ é muito diferente daquele ao qual a maioria está acostumada. Primeiro, pela visão nacional dos problemas. Segundo, porque todos os processos são eletrônicos. É necessário um prazo para se adaptar a isso porque seu horizonte se amplia. O conselheiro passa a ver a Justiça de forma diferente. Quando o conselheiro começa a se acostumar com isso, tem mais pouco tempo de mandato. Porque para as vagas da magistratura, não há a possibilidade de recondução, como nas demais. Outro problema é a renovação em massa. Seria preciso pensar uma forma de não haver uma troca tão grande do número de cadeiras. Este mês, foram renovados 12 mandatos. São dez novos conselheiros. O ideal, talvez, seria a troca de cinco integrantes por vez. O número pode ser outro, mas é importante que não haja essa mudança drástica e majoritária, que complica um pouco a memória do CNJ.

ConJur — Na formação da nova composição, se falou muito de uma disputa entre o presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, e a corregedora, ministra Eliana Calmon. Na sabatina, os senadores chegaram a perguntar aos candidatos se tinham conhecimento dessa disputa. Existe um estranhamento entre os dois?
Nobre Quem olha o CNJ de fora pode achar que, na discussão de teses, na discussão dos entendimentos sobre determinado processos, há divergências grandes entre alguns conselheiros. Essa discussão é muito positiva e importante para se decidir melhor. Existem aqueles mais enfáticos, que se manifestam com opiniões mais duras, muitas vezes. Mas isso não representa automaticamente uma divergência pessoal. Muitos que olham de fora enxergam dessa forma. O que eu posso testemunhar é que, nas reuniões internas, nas sessões administrativas, não há absolutamente nenhuma animosidade entre o conselheiro Peluso e a conselheira Eliana. Claro que alguns integrantes se aproximam mais de acordo com os entendimentos. Mas se aproximam por idéias, pelo perfil. O ministro Peluso imprime o seu perfil ao órgão. A corregedora imprime o seu perfil ao setor que comanda. E os perfis diferentes fazem o CNJ crescer, porque só na diferença é que se cresce.

ConJur — Como é a carga de trabalho no CNJ?
Nobre É grande e intensa, exatamente porque, como disse antes, não tratamos apenas de processos. Os processos não são poucos, muitos exigem uma instrução complexa, em outros estados. Mas há também muito trabalho em comissões, na implementação dos programas e projetos do Conselho Nacional de Justiça para o Judiciário de hoje e para o Judiciário de amanhã. Isso ocupa muito tempo. Fora isso, por conta da visibilidade nacional e das atribuições, somos chamados para eventos, debates e palestras em todo o Brasil. E não podemos deixar de responder, pois a comunicação é parte da estratégia do bom funcionamento do Judiciário. E, apesar de não ser representante da Ordem dos Advogados do Brasil no CNJ, eu me sinto como se fosse porque minha vida foi forjada na advocacia diária. Deixei de atuar como advogado, mas não me despi dos princípios de um advogado. Por isso, acho fundamental conversar também com os advogados de todo o país quando sou chamado. É uma agenda conturbada, mas muito enriquecedora.

ConJur — Como advogado ou um pretenso terceiro representante da OAB no CNJ, qual sua opinião sobre o quinto constitucional da advocacia?
Nobre O quinto constitucional é importantíssimo para o Judiciário brasileiro, importantíssimo para o país. O conceito, a natureza, o motivo da existência do quinto constitucional deve ser aplaudida. A visão que o advogado traz da sua advocacia para dentro do Judiciário e para os julgamentos é fundamental para o equilíbrio das decisões, porque os juízes ouvem experiências diferentes. É o mesmo princípio da composição do CNJ. Mas o quinto constitucional, hoje, está completamente desvirtuado. E, por conta, disso nós corremos o risco de perdê-lo.

ConJur — Desvirtuado por quê?
Nobre Porque o quinto constitucional está servindo para dar cargos para amigos de quem comanda as OABs. Está servindo para alpinistas jurídicos.

ConJur — O que são alpinistas jurídicos?
Nobre As revistas não noticiam os alpinistas sociais? Aqueles ricos que ostentam e gastam dinheiro para subir e aparecer nas colunas sociais? Então, nós temos o alpinista jurídico. Como eles trabalham? Eles se infiltram em associações de advogados, em sindicatos de advogados e, sem muita qualificação, fazem um trabalho interno intenso na Ordem dos Advogados do Brasil. Muitas vezes, deixam de advogar para fazer política de Ordem. Para quê? O objetivo é um só: serem candidatos ao quinto e entrarem em um tribunal. É para isso que foi criado o quinto constitucional? Não! O quinto foi criado para o advogado preparado, que tem o umbigo ralado no balcão dos fóruns, que conhece o Judiciário pela visão da advocacia. Não para os alpinistas. Os três ministros eleitos pelo quinto constitucional que recentemente tomaram posse no Superior Tribunal de Justiça são um bom exemplo de advogados que certamente contribuirão com o Judiciário. Todos eram advogados militantes, de fato.

ConJur — Qual o perfil ideal do candidato ao quinto?
NobreO advogado militante, que se dedica profundamente à advocacia, que leva ao Judiciário as críticas da advocacia. O instituto — louvável, repito — não pode abrigar aqueles que só fazem política de Ordem dos Advogados do Brasil, que têm quatro ou cinco processos para justificar que advogam, mas só pensam em chegar a qualquer tribunal. O que nós queremos é o advogado completo, preparado, experiente, maduro, para levar ao Judiciário a visão completa da advocacia. Não podemos escolher o advogado que está em busca de um emprego. É necessário repensar os critérios de indicação para o quinto constitucional.

ConJur — Advogados reclamam com freqüência que muitos juízes e ministros eleitos pelo quinto, depois, se tornam mais rigorosos do que juízes de carreira. Criam dificuldades, por exemplo, para receber advogados. O que o senhor acha disso?
Nobre Eu lastimo que essas pessoas tomem essa atitude, porque mostra o caráter delas. E por isso eu repito: o representante do quinto tem que ser um advogado completo, porque não irão agir dessa forma. O advogado não sai do seu escritório para tomar café ou ir conversar com o ministro, o desembargador ou o juiz para jogar conversa fora. Ele pede audiência porque quer contribuir para que aquele magistrado tenha melhor conhecimento da causa, mais informações para poder julgar melhor. O advogado contribui para que o julgamento seja o melhor, seja o mais justo, o mais correto. O eleito pelo quinto que não recebe advogados tem um grande problema existencial.

ConJur — Qual sua opinião sobre o Exame de Ordem?
Nobre O Exame de Ordem é fundamental e é preciso lutar para mantê-lo. Os advogados têm de entrar no mercado preparados. E nem sempre a faculdade prepara. Mas o problema no Brasil não está apenas em alguns cursos ruins de Direito, mas na preparação dos alunos no ensino fundamental. Ele vem com uma formação deficiente e o problema se agrava na faculdade. Dei aulas por mais de seis anos em São Paulo e por um ano em Brasília. Mesmo em faculdades renomadas, há alunos com erros crassos de português e muita dificuldade de interpretação de texto. O Exame de Ordem serve para filtrar as pessoas que não têm condições de exercer a advocacia. As pessoas sabem de suas deficiências. Então, neste caso, o que a OAB faz é até preservar essa pessoa que não tem preparo de entrar no mercado de trabalho, porque ela vai acabar com a sua vida. Porque se ela acaba com a vida de alguém e é processada, ela acaba com a vida dela própria.

ConJur — Mas há críticas de que o Exame, hoje, é muito rigoroso. Se assemelharia a um concurso público. Há razão nessas críticas?
Nobre Eu conheço o Exame de Ordem nos moldes de hoje e aceito discutir a forma. É possível melhorar o Exame porque sempre é possível aprimorar qualquer coisa, e nessa discussão eu entro sem problemas. Mas se deve ou não haver o Exame, essa discussão nem devia existir. E o Exame não deve ser uma provinha qualquer. Eu fiquei triste, por exemplo, quando acabaram com o exame oral da prova.

ConJur — Por quê?
Nobre Porque o advogado precisa demonstrar que é capaz de fazer uma sustentação. Claro que o examinador vai levar em conta que é a primeira sustentação e relevar muito do nervosismo daquele momento. Mas o advogado deve saber sustentar uma tese. Quando ele recebe a carteira da Ordem, ele está habilitado a falar na tribuna do Supremo Tribunal Federal. Então, tem de estar preparado. Cabe a quem aferir essa preparação? Cabe à OAB. De que forma? Através do Exame de Ordem.

ConJur — O senhor está no último ano de seu mandato. Vai sentir saudades do CNJ?
Nobre Sim, principalmente porque aqui é possível contribuir de fato para o crescimento do país. O trabalho do Conselho Nacional de Justiça não diz respeito só ao Judiciário, mas é um trabalho para o Estado brasileiro. Quando o investidor internacional busca um lugar no mundo para alocar o seu dinheiro, ele olha a segurança jurídica e a força das instituições. Ele pesquisa em que países em crescimento os contratos são respeitados, onde há previsibilidade nas decisões. O Brasil se preocupa com essa fina análise que faz o investidor internacional porque isso muda a vida do brasileiro. E ao traçar metas, programas e projetos para aperfeiçoar o Judiciário Brasileiro, o CNJ contribui para a segurança jurídica e, em conseqüência, para o crescimento do país.

ConJur — E o futuro?
Nobre O futuro a Deus pertence.

ConJur — O senhor foi aprovado para recondução ao CNJ com 97% dos votos da Câmara dos Deputados. Tem bom trânsito político. É filho do saudoso deputado Freitas Nobre. Ou seja, vive a política desde novo. A política está entre as possibilidades do futuro?
Nobre Política é destino. Eu nunca fugi do meu destino e por isso estou no Conselho Nacional de Justiça. Se amanhã Deus achar que o meu destino é política, eu não vou fugir. Mas hoje sou conselheiro do CNJ. Eu consegui uma importante vitória na Câmara, que faria meu pai ficar orgulhoso. Dos 15 partidos que têm liderança e que podem indicar candidatos, 14 me indicaram para o CNJ. Eu tive 97% dos votos de pouco mais de 400 deputados que estavam em plenário. Trabalhei pela minha recondução e estou com a cabeça no CNJ até o último dia do meu mandato, porque preciso honrar essa indicação. O futuro, como já disse, a Deus pertence.

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