Poder em jogo

CNJ deve avaliar sua competência para punir juízes

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29 de agosto de 2011, 9h17

O poder do Conselho Nacional de Justiça, criado para fazer o controle externo dos tribunais, está em jogo. Na tarde desta segunda-feira (29/8), 15 integrantes do CNJ se reúnem, reservadamente, para discutir proposta enviada aos colegas pelo conselheiro recém-empossado José Lucio Munhoz, juiz indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho. A ideia é diminuir o poder do CNJ para julgar processos envolvendo irregularidades cometidas por juízes. Esses processos teriam que ser abertos, inicialmente, pelos tribunais locais. A informação é do jornal Valor Econômico.

O presidente da OAB nacional, Ophir Cavalcante, não apoia a proposta. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, ele disse que "quem tem medo do CNJ são aqueles magistrados que, efetivamente, fazem dos seus tribunais uma extensão de seus interesses privados, fazem dos seus tribunais um balcão de negócios". Para ele, "as Corregedorias, historicamente, continuam até hoje a ser órgãos meramente corporativos, órgãos que efetivamente apuram para “inglês ver”, sobretudo quando se trata de infrações éticas dos próprios integrantes dos Tribunais". (Leia a entrevista abaixo)

Conselheiros ouvidos pelo Valor Econômico, que preferiram não se identificar, relataram que a proposta "causou constrangimento" e seria uma "tentativa de calar o CNJ, criando uma série de porteiras" (para sua atuação). Entre alguns, há o temor de que a nova composição do CNJ — dez novos integrantes acabam de tomar posse — possa refletir uma posição corporativista.

Munhoz enviou a sugestão aos demais conselheiros por e-mail, no fim de semana. Ela seria apresentada em forma de "questão de ordem", na sessão de terça-feira (30/8), durante a análise de um procedimento disciplinar envolvendo um magistrado do Maranhão, acusado de liberar altas somas de dinheiro em processo no qual não teria competência para atuar. No caso concreto, o juiz do Maranhão deixaria de ser julgado pelo CNJ, e seu processo seria enviado ao Tribunal de Justiça local.

Leia a entrevista:
ConJur — O CNJ está correndo o risco de se tornar um órgão inócuo no combate à corrupção dentro do Judiciário?
Ophir Cavalcante — O Conselho Nacional de Justiça surgiu com a Emenda Constitucional 45 que tratou da reforma do Poder Judiciário com o objetivo de suprir uma lacuna existente que desacreditava a sociedade brasileira em relação ao Poder Judiciário. Era a falta de punição dentro do Poder. A falta de punição era decorrente da falência das Corregedorias internas que eram órgãos muito mais corporativistas do que órgãos que pudessem fazer a correição nos tribunais.

Além disso, surgiu também a necessidade de se ter um órgão que pudesse articular a gestão dentro do Judiciário porque era nítido que tínhamos uma espécie de 27 ilhas que não se falavam entre si. Havia a necessidade, independentemente do respeito à autonomia e independência de cada um dos Tribunais de Justiça, como também da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho e Justiça Militar, que houvesse um delineamento em relação às linhas básicas de cada gestão com vistas à redução de custos, uma maior racionalização dos serviços, além de atender a razoável duração do processo também introduzido na Constituição Federal pela mesma Emenda Constitucional 45.

A partir da sua criação, o CNJ passou a ocupar, de uma forma bastante competente o seu espaço e embora seja um órgão novo — tem pouco mais de cinco anos — efetivamente começou a incomodar, sobretudo toda aqueles segmentos resistentes, conservadores, dentro da magistratura, que entendiam que o CNJ não poderia disciplinar questões que teriam de ficar em nível dos próprios Tribunais de Justiça. Houve, inclusive, uma resistência muito forte na época da discussão de sua criação, por esses mesmos setores retrógrados, e que nunca deixaram de existir, sobretudo depois que o chamado órgão de controle externo do Judiciário passou, d e uma forma efetiva, a atender aos reclamos da sociedade de se acabar com a impunidade dentro do próprio Judiciário. Agora, se vê novamente um ataque muito forte ao CNJ, principalmente depois que ele começou a punir a cúpula de muitos Tribunais de Justiça e muitos juízes no Brasil em função de corrupção, de má gestão e até de improbidade administrativa.

ConJur — Quem é o maior interessado nessa alteração do CNJ?
Ophir Cavalcante — Lamentavelmente, nessa nova composição do CNJ, na sua grande maioria influenciada pelo atual presidente do STF, ministro Cezar Peluso, que disse em seu discurso de posse, de forma clara, que iria atuar durante a sua gestão para colocar o CNJ nos eixos, já há uma proposta de se diminuir os seus poderes a partir do reconhecimento do próprio órgão de que ele não pode fazer a investigação originária de desvios éticos, administrativos, por parte de magistrados. É lamentável que esse fato esteja acontecendo e a prevalecer essa proposta do vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e membro do CNJ, José Lucio Munhoz — juiz indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) — está coroada a tese daqueles que querem ver o Conselho como um apêndice do Supremo Tribunal Federal e um órgão meramente de articulação e jamais de punição dentro da justiça.

ConJur — Na sua opinião quem tem medo do CNJ?
Ophir Cavalcante — Quem tem medo do CNJ são aqueles magistrados que, efetivamente, fazem dos seus tribunais uma extensão de seus interesses privados, fazem dos seus tribunais um balcão de negócios. Diminuir o poder do CNJ interessa aqueles magistrados que não tem compromisso com a Justiça. A proposta do vice-presidente da AMB é a derrota da Justiça e da sociedade no combate à impunidade e a corrupção no Judiciário.

ConJur — Por que as Corregedorias não conseguem resolver os problemas disciplinares dentro dos Tri bunais?
Ophir Cavalcante — Lamentavelmente, as Corregedorias, historicamente, continuam até hoje a ser órgãos meramente corporativos, órgãos que efetivamente apuram para “inglês ver”, sobretudo quando se trata de infrações éticas dos próprios integrantes dos Tribunais. Elas são algumas vezes duras com os juízes de primeira instância e extremamente benevolentes com os Tribunais de Justiça. Isso é o reflexo das Corregedorias serem constituídas por iguais dentro do Tribunal, ou seja, por desembargadores ou juízes de segundo grau. Em vários lugares, inclusive, as Corregedorias não funcionam até mesmo com relação aos juízes de primeiro grau. Tem casos que as Corregedorias fazem “vista grossa” no seu compromisso de corrigir os eventuais deslizes ocorridos por parte de magistrados.

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