PEC do Peluso

Peluso explica vantagens da execução antecipada

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22 de agosto de 2011, 8h16

César Viégas
Toda mudança importante na vida de um país assusta quando é sugerida e é objeto de crítica. A Emenda Constitucional 45, que trouxe a súmula vinculante e a Repercussão Geral, foi criticada com a mesma intensidade e pelas mesmas pessoas que hoje se opõem à antecipação da execução na segunda instância — a chamada PEC dos Recursos, que poderá reduzir em 2/3 a demora para a solução dos conflitos judiciais.

É com esse argumento que o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional da Justiça, Cezar Peluso, explica a resistência dos advogados à sua ousada ideia — à qual ele consagrou sua gestão e que já se encontra no Congresso, sob a entusiasmada relatoria do senador Aloysio Nunes Ferreira.

Em palestra feita na Escola Paulista da Magistratura, na última sexta-feira (19/8), Peluso respondeu as objeções que são feitas à Proposta de Emenda Constitucional — como a de que a inovação anula garantias fundamentais e direitos individuais e a de que revoga a presunção de inocência, entre outras. Apresentou estatísticas e estudos para mostrar que o excesso de vias de acesso (agravos, embargos, etc) é nocivo e inútil. São 37 tipos, informou ele.

Disse que essa questão deve ser examinada do ponto de vista do país, da população e não das corporações profissionais. “Desafio qualquer advogado a indicar cinco Recursos Extraordinários em que conseguiu absolver seu cliente”, disse ele, referindo-se à área criminal.

O ministro invocou a recomendação do colegiado de cortes constitucionais (Comissão de Veneza) de que os processos judiciais resolvam-se em apenas dois graus de jurisdição — ou três, em casos excepcionais. Citou Portugal e Itália como dois países em que existem recursos contra decisões transitadas em julgado e assegurou: “Nenhum país do mundo tem quatro instâncias”.

Antes de expor a funcionalidade da proposta, o ministro fez um diagnóstico da situação. Em suas palavras: “O sistema atual é ineficiente, extremamente danoso para a sociedade, penoso para o réu e não responde às necessidade do país”. Peluso citou o estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Ipea, do Ministério do Planejamento, onde se apurou que os conselhos profissionais (autarquias como OAB, Ordem dos Músicos e conselhos diversos como os de Engenharia e Medicina), movimentam a máquina judiciária com enorme frequência para cobrar quantias em torno de 1,5 mil mil reais — quando o custo do Estado para cada processo é de 4 mil reais.

Os números
Para mostrar que hoje quase metade dos recursos são inviáveis ou inúteis, Peluso revelou que dos 66.246 feitos que ingressaram no STF de abril do ano passado a julho deste ano ele devolveu 31.943 por considerá-los inadmissíveis. “Nenhum recurso ao plenário teve sucesso e, no entanto, se tivessem sido distribuídos tomariam um tempo enorme do tribunal, inutilmente”.

A média anual de processos que chega ao STF caiu de 100 mil para 80 mil (“uma queda expressiva mas continua um despropósito”). Nesse momento, Peluso aproveitou para desancar com a proposta simplória de simplesmente aumentar tribunais (“vamos transformar a Justiça em um maracanã judiciário, ingovernável — uma forma de não resolver nada e criar mais problemas”).

A antecipação da execução, disse o palestrante, “restaura o império da lealdade e da probidade processual; e mantém a garantia que erros serão corrigidos pelo recurso extraordinário ou especial”. E nem há novidade nisso, insistiu, uma vez que já existe a ação rescisória e a revisão criminal.

As conseqüências, disse, serão maiores na esfera criminal. Entre 2009 e 2010 entraram no STF, 64.185 Recursos Extraordinários e Agravos de Instrumento, sem contar os recusados e devolvidos de matéria criminal especifica. Desse total, 5.307 versavam sobre matéria criminal (8%). Apenas 145 pedidos foram providos (2,7% da matéria criminal ou 0,2% do total). Na maior parte dos julgamentos, quem obteve provimento foi a acusação. Um número menor de casos referia-se à execução da pena, ou seja, não se alterou o resultado do julgamento. Em apenas um único caso, relatou, obteve-se a absolvição do réu.

Disfunção cerebral
“Então, voltando a raciocinar, para resolver a situação de uma só pessoa, prejudicamos toda a sociedade”, repetiu o ministro, para comparar o sistema com a construção de uma usina atômica caríssima que, ao final, em vez de atender a população beneficia apenas meia-dúzia de pessoas.

E continuou: “O serviço público tal como está estruturado atende a finalidade de atender o povo? Temos que perder o vezo de juristas e encarar a jurisdição como serviço público essencial”. Em vez de perder tempo com propostas que não descem à raiz dos problemas, defende, é urgente antecipar o trânsito em julgado. “Essa proposta não elimina os recursos, que continuarão os mesmos. Nenhuma via de acesso será suprimida. Os graus de decisão continuarão os mesmos. Os recursos não se transformarão em ações rescisórias. Só irão ganhar outra função.”

Peluso mostrou sua satisfação por ver na relatoria do seu projeto o senador paulista Aloysio Nunes Ferreira que, como estudante, foi um aluno premiado Faculdade de Direito do Largo São Francisco; e como senador mostrou profundo conhecimento do judiciário brasileiro (clique aqui para ver a entrevista do senador).

Pela proposta, afirma, a admissibilidade do recurso não impede o trânsito em julgado na Justiça trabalhista; na área cível haverá satisfação do direito em prazo razoável; na área criminal, diminuirá o risco de prescrição e acabará com a proliferação de prisões preventivas. “Quem for vencido mas tiver certeza de que está certo vai recorrer. Quem não tem certeza do direito só vai recorrer se tiver disfunção cerebral, porque não vai gastar dinheiro à toa". 

Mitos recorrente
Com a sua convicção peculiar, o presidente do STF afirma que até hoje não ouviu uma objeção sequer que mereça exame aprofundado. E enumerou os quatro “mitos” mais recorrentes.

À objeção de que a proposta reduz direitos e garantias fundamentais ele afirmou que não é verdade porque são mantidos todos os recursos e princípios.

Quanto ao alegado fim da presunção de inocência, Peluso lançou mão de um recurso dialético para analisar a presunção iuris e a presunção omnis. Afirmou que a Constituição estabelece um valor ideológico, uma construção de juízo da realidade que comporta a execução da pena como prevista na PEC.

A terceira objeção, sobre a desconfiança sobre juízes locais, Peluso rebateu com as estatísticas que comprovam que as decisões de primeiro e segundo graus são mantidas. E, por fim, quanto ao aspecto polêmico da ideia, afirmou que toda inovação de fundo é recebida com críticas no primeiro momento.

Pontos em aberto
O que ainda não se sabe é o reflexo que a possível mudança constitucional terá na primeira e na segunda instância. Afinal, assim como a Emenda Constitucional 45, que já abateu algo como 60% do volume de trabalho no STF e no STJ, a nova proposta também atua mais fortemente no topo da pirâmide.

A magistratura torce pela PEC e já informou o Senado (clique aqui e aqui para ler as manifestações). Já os advogados reagem como se o juiz quisesse encerrar o jogo no primeiro tempo, com seu time perdendo. Embora mais dispostos ao diálogo agora que quando a proposta foi anunciada, ainda têm sérias dúvidas. Na área criminal, reclama-se que os números apresentados para defender o projeto não incluem os Habeas Corpus, o mecanismo mais usado por eles para corrigir flagrantes ilegalidades e os casos mais esdrúxulos.

Exemplifica-se com a recente situação dos alvos da chamada “ficha suja”. Sem efeito suspensivo, um candidato condenado na segunda instância só teria seu direito reconhecido depois da eleição. A objeção feita pelo ministro Marco Aurélio vai além. Ele repele a PEC com base na própria Constituição: "Não pode haver tramitação de emenda constitucional que vise abolir direito individual, e os parâmetros tradicionais da coisa julgada consubstanciam direito individual. Em síntese, a coisa julgada, tal como se extrai da Constituição Federal, é cláusula pétrea". E continua o ministro: "Mais do que isso, no campo criminal, mitigar a coisa julgada significa mitigar o princípio da não culpabilidade".

Outra questão não atacada é a situação de penúria da primeira e da segunda instâncias, hoje de pires na mão, submetidos à boa ou má vontade dos governos estaduais. Não é justo querer que a PEC resolva todos males da humanidade. Mas dificilmente se terá melhora no sistema com o seu alicerce tão fragilizado.

Leia a íntegra da PEC dos Recursos:
Art. 105-A A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.
Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.

Art. 105-B Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:
I de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;
II – de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.

(O artigo 105-B trata de matérias originárias da segunda instância)

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