Poder absoluto

Ordem dos Advogados precisa de órgão regulador

Autor

  • Rinaldo Maciel de Freitas

    é graduado em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia mestre em Filosofia Moral graduado em Direito pelas Faculdades Integradas do Oeste de Minas advogado autor do livro ICMS — do Imposto sobre o Consumo à Guerra Fiscal (Reuters 2011) e membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet) e da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica.

22 de agosto de 2011, 15h40

Passou a ser constrangedor aos bacharéis em direito ter, de certa forma, que adivinhar o que pretende a Ordem dos Advogados do Brasil. Deveria ser igualmente constrangedor para as faculdades de direito na medida em que, de certa forma, 95% estão despreparadas para ministrar “direito” a seus alunos.

O exame, realizado em dezembro de 2010, reprovou 88,275% dos 106.891 bacharéis em direito inscritos. O índice de reprovação da edição anterior havia chegado a quase 90% e, os seguintes mantêm o mesmo índice de reprovação. Entende-se que 90% das faculdades de direito no Brasil não têm competência para ministrar o curso e somente a Ordem e seus critérios estão corretos.

Fato notório que o judiciário tem se esquivado do dever de prestar um serviço público ao administrado. A saber, ao bacharel em direito na medida em que reiteradamente tem declinado de julgar a Ordem ao argumento de que não pode substituir o examinador, sem sequer verificar em que métodos ou argumentos são feitas as correções de provas ou recursos:

Processual Civil. Mandado de Segurança. Ato jurisdicional emanado de relator. Concurso Público: Exame de Ordem. Revisão judicial de correção de questão. Sistemática pretoriana. 2. Ao Judiciário é vedado substituir-se aos membros da comissão examinadora da OAB na formulação e na avaliação de mérito das questões do exame de ordem, a despeito de eventuais equívocos apontados pelos candidatos, limitando-se sua interferência ao exame da legalidade do edital e dos atos administrativos praticados na aplicação do certame. Sua interferência, no mérito das questões, somente pode ser admitida em casos excepcionais, se demonstrado o erro jurídico grosseiro na sua formulação. 3. Carência de ação. Extinção do processo sem resolução do mérito (Tribunal Regional Federal – Primeira Região – MS – Mandado de Segurança – Processo nº 200501000727021/DF – Relator: Des. Olindo Menezes).

Em relação aos recursos, o que se percebe é que o contraditório e ampla defesa não são respeitados, agindo a instituição de má-fé, exatamente como em um tribunal de exceção[2]:

“… aqueles julgadores que sentenciavam as pessoas antes mesmo que elas prestassem depoimento com o que o personagem sugeria que aparelhos de gravação ‘ouvissem’ o depoimento e reproduzissem as sentenças já previamente definidas pelas autoridades”.

Não pode ser considerada evolução qualitativa o fato de as provas terem passado a ser aplicadas pela Fundação Getúlio Vargas. Na medida em que os métodos são os mesmos, não se admitem recursos e o grau de confiabilidade é obscuro, principalmente se considerarmos que a Ordem ostenta status de autarquia. Portanto, no caso, exerce função administrativa onde deve observar os Princípios Administrativos que regem a Administração Pública, conforme entendimento de Benjamin Zymler[3]:

“Atualmente, a jurisprudência encontra-se pacificada quanto à natureza jurídica dos conselhos das profissões regulamentadas. Não mais resta dúvida quanto a tratarem-se de autarquias. Isso, no contexto que junge essas entidades à esfera de atribuições do Estado”.

A gênese dos conselhos de profissões regulamentadas no Brasil está vinculada à dos sindicatos das categorias profissionais. Todavia, faz-se necessário proteger não apenas o direito individual ao exercício da profissão, mas, principalmente, o interesse público. Sendo a proteção de interesse público a tarefa deve ser exercida preponderantemente pelo Estado e a este coube definir a estrutura a ser adotada para este fim. Nesta seara a Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1994, estabelece as normas básicas sobre o processo administrativo. Considerando ser a OAB-MG uma autarquia federal especial a quem cabe recepcionar os formandos em direito ao exercício da advocacia, a Lei 9.784/94, determina que:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

§ 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:

II entidade: a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica;

A partir dessa natureza jurídica de Autarquia Especial e a partir dela deve o Ministério público Federal promover a fiscalização na realização do “Concurso Público” que é o exame de ordem e, quem sabe, até propor modificações no Estatuto de Ordem, sendo esta a lição de Márcio Barbosa e Ronaldo Queiroz[4]:

“Os conselhos fiscais de profissões regulamentadas são criados através de lei federal, em que geralmente se prevê autonomia administrativa e financeira, e se destinam a fiscalizar e zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais afetas a sua existência.

Não raro, na própria lei de constituição dos conselhos vem expresso que os mesmos são dotados de personalidade jurídica de direito público, sendo que outras leis preferem apontá-los, desde logo, como autarquias federais”.

Há que se verificar nesse contexto se houve prevaricação, que consiste em ato praticado por funcionário público, ou na função dela, contra a Administração Pública, por adotar atos contra disposição expressa em lei, ou até improbidade administrativa que consiste, no caso, em frustrar o Concurso Público, nos termos da Lei 8.429/1992:

Art. 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

IV negar publicidade aos atos oficiais;

V frustrar a licitude de concurso público;

Evidentemente não pode a Ordem pretender ser uma entidade descontrolada, com uma camada de teflon em relação ao controle jurisdicional, até porque age no sentido de, sob função delegada, garantir o direito constante do inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, agindo com transparência na busca do Princípio da Verdade Material[5]:

XIII é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

“Ao contrário dos processos jurisdicionais, em que o princípio da verdade dos autos predomina, o processo administrativo deve ser informado pelo princípio da verdade material, pelo simples fato de que os direitos em jogo são sempre de ordem pública e a atividade processual das partes, no sentido de produzir provas, é meramente subsidiária. Logo, será sempre lícito à Administração, na busca da verdade, promover, a seu talante, a produção de provas, sendo defesa a presunção de veracidade de fatos não contestados por outro interessado no processo”.

Conforme ensinam Márcio Maia e Ronaldo Queiroz[6], a publicidade dos atos e do rol dos membros da banca examinadora, no que implica no julgamento de provas, até certo ponto expõe os participantes-administrados à censura pública, a divulgação dos resultados deveria possibilitar o exame social da performance individual dos candidatos bem como possibilitar a estes ter conhecimento de que estão sendo avaliados por pessoa que tenha igual ou superior capacidade cognitiva:

“Ao lado de tal ônus, deve ser assegurado aos candidatos dos concursos públicos o direito de ter acesso prévio aos nomes dos componentes das bancas examinadoras e à sua qualificação profissional, pois não é justo alguém ser submetido ao julgamento de seu conhecimento por intermédio de um processo obscuro, em que se ignora, por completo, os responsáveis pela respectiva avaliação”.

Do contrário, torna temerária a garantia à imparcialidade[7] viciando todo o processo. Afinal não é razoável imaginar que 90% das faculdades do país que ministram o curso de direito estejam comprometidas pela incapacidade, estando somente a Ordem correta.

O dever de imparcialidade configura condição indeclinável para a realização do escopo do processo administrativo, mormente o de natureza competitiva como o concurso público, cuja quebra esvaziaria, por completo, o núcleo essencial dos princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade.

Em razão disso, o ordenamento jurídico comina sanção extremamente grave aos agentes públicos que violarem o seu dever de imparcialidade, qualificando tal conduta como ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11, caput, da Lei 8.429/92, verbis:

“Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (…)”.

A imparcialidade está comprometida, portanto, errado o recorrente entendimento de que não cabe ao Poder Judiciário, julgar procedimentos de avaliação e correção das questões das provas, uma vez que se trata de competência da banca examinadora, salvo quando ocorrer na realização do certame ilegalidade, sob pena de constranger direito irrenunciável:

Administrativo. Mandado de Segurança. Exame de Ordem. Ordem dos Advogados do Brasil. Prova subjetiva. Anulação de questão constante das provas do certame pelo Poder Judiciário. Impossibilidade. 1. No que concerne a exame da OAB, não cabe ao Poder Judiciário, julgar procedimentos de avaliação e correção das questões das provas, uma vez que se trata de competência da banca examinadora, salvo quando ocorrer na realização do certame ilegalidade. 2. Apelação a que se nega provimento (TRF1 – Tribunal Regional Federal da Primeira Região – Oitava Turma – Relatora: Desembargadora Maria do Carmo Cardoso – 15/05/2009).

Hegel[8] atrelava a administração da justiça ao poder governativo por considerar tal serviço um ato de administração pública e não um serviço particular destinado ao particular. A administração da justiça tem para Hegel um caráter público de máxima relevância, por isso está vinculado ao poder governativo sob orientação direta da universalidade do soberano. Pois seu conteúdo repousa na soberania do Estado, cuja estrutura administrativa ostenta feição nitidamente hierárquica, o que sugere a ideia de escalonamento e relação de subordinação.

Neste ponto, o que se observa é que a Ordem está como a dizer: “O estado sou eu”, conhecida sentença de Luís XIV da França, sintetizando a essência do absolutismo, regime político em que o soberano, exerce o poder em caráter absoluto, sem quaisquer limites jurídicos.

O absolutismo é caracterizado pela concentração total de poder em mãos de um só indivíduo ou grupo de indivíduos. Então, a Ordem constitui, porém, excepcionalmente em sistema absolutista no que tange ao exercício do direito, podendo ser considerada evolução do processo de concentração integral de poder sui generis, que lhe a afirmação de superioridade.

O que caracteriza esse absolutismo é a ausência completa de limitações ao “administrar a justiça”. Não há pesos e contrapesos reguladores das relações entre o Poder Judiciário e a Ordem dos Advogados que além do “quinto constitucional” e outras “reservas” constitucionais, estão representadas para fiscalizar o Judiciário da seguinte forma:

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

XII dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

V dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

E ninguém controla a OAB!


[2] Dr. Ives Gandra da Silva Martins – sobre o romance a 25ª Hora – em referência ao Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo – TIT – na coluna “DATA VENIA” da Folha de São Paulo.

[3] Zymler, Benjamin – Direito Administrativo e Controle – 2ª Edição – Belo Horizonte – Editora Fórum – 2009.

[4] Maia, Márcio Barbosa e Queiroz, Ronaldo Pinheiro de – “O Regime Jurídico do Concurso Público e o seu Controle Jurisdicional” – Editora Saraiva – 2007

[5] Zymler, Benjamin – Direito Administrativo e Controle – 2ª Edição – Belo Horizonte – Editora Fórum – 2009.

[6] Maia, Márcio Barbosa e Queiroz, Ronaldo Pinheiro de – “O Regime Jurídico do Concurso Público e o seu Controle Jurisdicional” – Editora Saraiva – 2007 – página 84/85.

[7] Idem – cit. Anterior.

[8] Hegel – Princípios da Filosofia do Direito

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