Entrevista

"Tecnologia é a resposta para a dificil equação da Justiça"

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21 de agosto de 2011, 9h50

Spacca
O agora desembargador aposentado Fernando Botelho é um entusiasta da tecnologia e do desenvolvimento das comunicações. É também, um grande incentivador da instauração do processo eletrônico na Justiça brasileira.

Com profundo conhecimento da esturutura e do funcionamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde atuava até a quarta-feira (17/8), Botelho toma sua experiência como exemplo para mapear os desafios do processo eletrônico: gestão, tecnologia da informação, desenvolvimento de software e profissionalização da prestação de serviços.

Nesta segunda parte de sua entrevista à ConJur, Botelho explicou seus pontos de vista sobre a modernização tecnológica do Judiciário. Para ele, a tarefa da criar programas que suportem, organizem e distribuam processos entre as câmaras não devem ser desenvolvidos pelos analistas de sistemas dos tribunais, e sim por empresas terceirizadas. “O Brasil é um país em que a tecnologia da informação está nas esquinas. Então, se o mercado é competitivo e somos obrigados a fazer licitação, significa que nós temos acesso para adquirir no mercado. Para quê eu onerar a minha estrutura com isso?”

Para Botelho, o grande desafio na passagem do papel para o eletrônico, é o legado de quase 100 milhões de ações em tramitação no país. Outras questões de difícil solução é a publicidade do processo, que apesar de ter garantia constitucional, terá de se adaptar à nova plataforma tecnológica. Para ele, o acesso a dados sensíveis comporta dois riscos: normatizar e não normatizar.

Apesar das dificuldades, não ve outra alternativa: “A tecnologia é uma resposta para a população, na equação difícil da Justiça”, afirma. Ao mesmo tempo, não  defende a implantação indiscriminada de ferramentas digitais: “Em primeiro lugar, eu acho que há uma questão de política gerencial de uma fatia do Estado, o Judiciário”.

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Botelho defende a criação de objetivos institucionais para toda a Justiça brasileira, mas ao mesmo tempo sem perder a independência dos estados, como manda o federalismo. Na opinião do ex-juiz, parte dos problemas enfrentados até agora está ligada à verticalização de soluções, o que obriga os tribunais a adaptarem, às pressas, suas situações às exigências dos órgãos fiscalizadores.

Aos 50 anos, Fernando Botelho pediu exoneração do cargo de desembargador na quarta-feira (17/8), depois de 20 ano na magistratura. No mesmo dia, ele foi à seccional mineira da OAB, em Belo Horizonte, para pedir sua reinscrição e poder atuar na advocacia, com especialidade em direito digital.

Também participaram da entrevista os jornalistas Lilian Matsuura e Maurício Cardoso.

Leia a entrevista:

ConJur — O processo eletrônico é apresentado como uma solução contra a morosidade. Até que ponto isso é verdade, se sempre vai ter um juiz que não é eletrônico?
Fernando Botelho —
Isso é estatístico. Nos juízos onde ele foi instalado, como o juizado especial de São Gonçalo, que integra o âmbito do TRF da 2ª Região, a redução do tempo de conclusão do processo na primeira instância é de dois terços. Dois terços do tempo normal do processo em tramitação em papel sumiam com o processo eletrônico: a carimbação, a saída de um lugar para o outro, vista para o autor, vista para o réu, disponibilidade para o juiz… A eletrônica traz o fator de ambiguidade para o processo, porque ele está disponível em um banco de dados que é acessível de qualquer lugar do mundo, bastando abrir uma conexão com a internet. Então, ele é um elemento de acesso público. A qualquer momento ele está disponível para todo mundo e em todo lugar, do ponto de vista de uma visão virtualistica da coisa. E isso elimina o fator temporal da movimentação, que é significativo. A ministra Ellen Gracie [do Supremo Tribunal Federal] se referia a esse tempo, tempo burocrático do processo, como tempo ocioso. A gente procura ser um pouco mais agudo e fala em tempo inútil, tempo morto, para forçar uma reflexão.

ConJur — Mudar para o processo eletrônico não é só uma questão de tecnologia, já que envolve pessoas. O que significa isso?
Fernando Botelho Em primeiro lugar, há uma questão de política. É a política gerencial de uma fatia do Estado. O Estado está divido em três fatias. Eu estou aqui como representante de uma delas, que é o Judiciário, um serviço público fundamental para a população. Então, a pergunta é: a tecnologia da informação é uma resposta para que o serviço público do Estado se torne melhor para a população? Se a resposta é afirmativa, ela tem que integrar a política estratégica dessa fatia. Então, primeira coisa: ela integra a política gerencial dos Tribunais? Faz parte do entendimento generalizado das cortes? Está entranhado na cabeça do gestor judiciário? Sim ou não? Eu não acho que isso esteja generalizado ainda.

ConJur – Existem programas para generalizar?
Fernando Botelho – O Conselho Nacional de Justiça agora orienta os Tribunais. Tem norma inclusive, para que criem agora os Peti – Planos Estratégicos de Tecnologia da Informação. E muitos tribunais já adotaram. O de Minas já adotou, salvo engano o de São Paulo já adotou, criando, portanto, a política de tecnologia da informação. A partir dessa definição: Temos política? Ela contaminou a corporação? Quais são as ações dessa política, para dividirmos isso dentro de um planejamento estratégico? Quais são as ações? Quais são os tempos? E qual o controle gerencial que nós vamos ter dessas ações? E terceiro: isso é obra técnica ou é obra política latu sensu? Isso é obra do poder? Então, isso tem que ter caráter normativo para se perenizar ali dentro. Porque senão, quando o presidente “a”, que fez uma coisa, sai, o outro, que chega, faz outra. Então, é muito importante nós termos esse conceito.

ConJur – E qual a importância?
Fernando Botelho – A tecnologia é uma resposta para a população, na equação difícil da Justiça? Eu acho que sim. Nós estamos com  quase 100 milhões de processos em papel, na Justiça brasileira. O fator burocrático é extremamente denso:o tempo de resposta, custo operacional, relação custo-beneficio. O custo da Justiça brasileira é em torno de R$ 35 bilhões por ano, para 100 milhões de processos. O custo infraestrutural humano, vocês podem fazer as contas dos servidores aí, cada Tribunal de médio porte está tendo que fazer concurso e aportando um monte de gente toda hora. E a resposta dessa burocracia deixa muito a desejar. Os fatores de critica ao serviço jurisdicional e ao peso do judiciário são sempre crescentes. Então, nós temos que resolver o problema da política primeiro, e estabelecer isso através de um plano estratégico da tecnologia da informação. Os Tribunais estão começando a entender, os gestores estão começando a entender.

ConJur – O que ainda falta?
Fernando Botelho – Há um problema também cultural, porque quando a gente fala de tecnologia da informação a nossa geração está sendo pega por ela, e a geração abaixo da gente, já nasceu dentro dela. Como o judiciário é uma grande pirâmide, essa pirâmide tem um reflexo também geracional. Na cúpula está uma geração que passou dessa tecnologia e está sendo pega por ela; e a base tem uma geração que entrou em torno de 28 e 35 anos de idade, que vem com a tecnologia. Eu diria que nós temos duas realidades: a base, a primeira instância da Justiça brasileira quer, demanda e conhece tecnologia; já a cúpula tem certa dificuldade ainda para absorver isso, incluindo a política. Então, repito: essa política começa a existir, essa é a grande boa notícia da história, no Conselho Nacional de Justiça, no Supremo Tribunal Federal, nos próprios Tribunais, que já se conscientizam disso. Eu acredito que a expectativa é muito boa.

ConJur — Mas chegou tarde, não é? O judiciário descobriu a TI muito tarde. A sociedade já está muito mais informatizada do que o judiciário.
Fernando Botelho Você tem toda razão. Nós temos 215 milhões de telefones celulares, praticamente suportados pelas classes C e D. A Internet brasileira tem torno de 50 milhões de usuários. Em torno de 22 Jmilhões de usuários de smartcards e smartphones. Masa Justiça só agora começa o projeto de informatização. Dizem que no Brasil hoje há em torno de 1 milhão de processos totalmente sem papel, frente a quase 100 milhões de papel. E veja: nós temos Lei no Brasil para instalar o processo eletrônico total, em todas as jurisdições, desde 2006, que é a Lei 11.419/2006. Então, se você me pergunta: “Por que não foi instalado nesses cinco anos de vigência da 11.419?” Falta uma introdução, digamos assim, bem densa, corporativa, no âmbito da Justiça brasileira. Além disso nós temos que reconhecer que é um poder densamente burocratizado que não pode parar suas atividades para implantar a tecnologia. Nós temos que compatibilizar o velho com o novo. Não é uma tarefa fácil. Então, é falta de política generalizada. Mas fazendo uma defesa, não intencional, acidental: nunca deixou de ser assim em lugar nenhum do mundo.

ConJur – O senhor consegue imaginar alguma explicação?
Fernando Botelho – É que os ciclos de tecnologia são muito curtos, e a sociedade da informação gerada com isso que a gente conhece, ela é realmente impactante, e ela espreme o serviço público. Mas a Justiça brasileira fez muito. A gente usa sempre o sistema de votação como defesa: é um grande fator, você pegar aí 110 milhões de expressões de cidadania e em 6 horas você cravar o resultado e entregar para população. Isso gerou um fato de TI inédito no mundo. Só mostra que a Justiça brasileira é inovadora e tem capacidade para fazer o processo judicial eletrônico. Mas, eu repito, os fatores burocratizantes do processo judicial eletrônico são também inéditos no mundo. Nós não temos no mundo um acervo de 100 milhões de processos.

ConJur — Ao mesmo tempo tem a questão do legado dos processos. São 100 milhões de processos de papel. Quando isso for digitalizado, o acesso da população a esse legado também vai ser mais fácil.
Fernando Botelho Muito mais fácil. A sentença do juiz não é mais interpretada pela parte como ela é no processo de papel, em que o advogado é o técnico, lê e interpreta para a parte. Está disponível na rede, então qualquer pessoa alfabetizada vai ler. Se ele entende, ele entende talvez a critica feita na sentença ao trabalho do advogado, ou ele entende inclusive a injustiça essencial do trabalho do juiz, o que vai fazer com que esse trabalho técnico do advogado, do juiz, etc., passe a ser submetido a uma critica direta da população. Isso é extremamente importante na depuração do trabalho técnico dos advogados e dos juízes. É positivo, mas assusta.

ConJur — Por quê?
Fernando Botelho Os Tribunais de um modo geral estão lidando com isso pela primeira vez. Transpor a publicidade técnica do processo para um ambiente em que ela nunca existiu, que é a publicidade eletrônica, é um fator novo. Ela não vai deixar de ser técnica, ela continuará sob regência técnica. Mas vocês têm de convir que ela é completamente diferente.

CoJur – Qual a diferença?
Fernando Botelho – O processo de papel da 2ª Vara de Araxá está lá em Araxá. Eu só vou saber se o Fulano é réu em uma ação de despejo se eu for lá em Araxá, pegar e ver que tem uma ação de despejo. Agora, se eu digitalizar e disponibilizar na rede mundial, de Pequim nós vamos saber que o Fulano é réu em uma ação de despejo em Araxá. Inclusive os documentos que instruíram a ação, porque é uma Ação Pública: o contracheque, a foto dele no contrato de locação, isso passa a ser um elemento disponibilizado publicamente. Vocês têm de convir que ele tem que ter um tratamento adequado. O que aconteceu com os Tribunais? Ninguém, nenhum Tribunal tomou uma iniciativa própria nesse sentido. Inclusive porque não se tornou um experimento consolidado ainda. O Conselho Nacional de Justiça é que o fez, através da Resolução 121 de 2011.

ConJur – O que diz essa Resolução?
Fernando Botelho Alguém no CNJ entendeu que é perigosa a exposição desses dados, então falou o seguinte: “Vamos regulamentar isso logo”. São dois erros, na minha opinião, com relação ao tratamento do acesso aos dados: não normatizar e normatizar. Se não normatiza, você permite que a nossa intimidade que é um valor extremamente importante, uma garantia fundamental, fique aí solta. E se normatiza, você avança com muita rapidez, mesmo sem intenção, sobre a liberdade. Aí, o Conselho resolveu criar três níveis de publicidade. O primeiro nível, o nível A, para toda a população, é o nível dos resultados. Toda vez que tiver um resultado de processo não sigiloso, tem que estar disponível na rede mundial. Segundo nível, a população não tem acesso, só tem acesso o representante da população, que é o advogado. E o terceiro nível, dos processos sigilosos, só o advogado do processo. E criou, nesse segundo nível, alguns mecanismos de certificação. Você vai precisar de uma certidão, por exemplo, para saber se Fernando Botelho é réu primário em Minas Gerais. E essa certidão tem que ser expedida segundo critérios que estão fixados nessa resolução. Bom, daí vem um problema, de quem se lança a normatizar: ele [o CNJ] pagou um pato por normatizar.

ConJur – Que pato?
Fernando Botelho – O CNJ não definiu claramente que o advogado, com base na prerrogativa do Estatuto dos Advogados, que por sua vez tem inspiração constitucional, por ser essencial à Justiça, possa entrar nos processos eletrônicos e obter o que tiver e o que quiser. Como advogado, amanhã, vou lá em Araxá e consulto o processo do Fulano, mesmo não sendo advogado dele. Isso ficou duvidosamente transmitido nessa Resolução. E daí o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na melhor inspiração de cumprir a resolução, estabeleceu uma restrição: “Não, o advogado só entra no processo que ele tiver procuração.” E aí a OAB do Rio de Janeiro imediatamente foi ao CNJ e representou contra o TJ-RJ. Aí o que o Conselho fez? Voltou atrás e reviu a própria norma. Eu disse: não normatizar e normatizar coisas sensíveis como dado público da Justiça é um negócio extremamente delicado. Quer dizer, nós temos um problema com relação ao processo eletrônico que diz respeito à intimidade das pessoas.

ConJur — Vamos voltar um pouco à questão do legado. Com a digitalização dos processos, todos vão ter acesso a autos de 20, 30 anos atrás – processos que eram sigilosos lá, mas que agora todos poderão ver.

Fernando Botelho Olha, esse assunto dos dados sensíveis isso dá um capitulo a parte, dá um seminário de uma semana. É um negócio extremamente interessante. Vide agora o que está havendo com os crackers, cibercrimes e WikiLeaks, que disponibiliza o dado sensível, expõe corporações, Estados e etc. Exercício de liberdade de expressão sob a ótica do direito brasileiro. E o que obtém o dado através da ruptura de uma ferramenta de proteção? O dado sensível judiciário é destrutivo. Iimaginem se amanhã nós tivermos uma disponibilização irresponsável dos dados relacionados a crimes sexuais, Daqueles relacionados com os litígios de família. Eu tenho certeza absoluta que nem pai, nem mãe, nem marido, nem ex-esposa, nem companheiro, nem companheira, nem homoafetivo quer aquilo ali disponibilizado. Então, o tratamento desse dado em papel foi uma despreocupação nossa até agora. Por quê? Porque leva um carimbo no processo dizendo: "Isso aqui está sob segredo de Justiça". Mas na medida em que ele vai para um banco de dados, toda aquela informação, inclusive com as fotos, com os cartões, com os autos de corpo de delito da violação sexual, isso torna um fator crítico na política de tratamento de dados. Isso não constitui ainda uma política do Judiciário. 

ConJur — O Supremo não coloca no site e nem digitaliza os processos sob sigilo. O STJ também.
Fernando Botelho Contra isso nós temos o princípio da publicidade do processo. Porque, veja bem, o cuidado com ele é pessoal. É o meu cuidado. O meu cuidado pode ter fundo moral, religioso, ético, político. É pessoal. Se isso não tiver uma disciplina generalizada, uma disciplina isonômica, você há de convir que isso pode ficar sujeito às ondas e aos humores. Vou falar com muita sinceridade, mas até mesmo o que diz respeito aos absurdos delicados interna corporis, que envolvam juízes, desembargadores e ministros na apuração de fatos. Alguns dados desses que devam ser públicos podem estar sujeitos a um resguardo de publicidade por decisão de proteção, ou que envolva o governante, ou o poder público. Dado sensível é algo complexo em qualquer corporação e será sempre pelo limite entre a necessidade de normatizar e a necessidade de preservar a liberdade de expressão e publicidade sobre certos aspectos.   

ConJur — Qual a situação hoje do processo eletrônico em Minas Gerais?
Fernando Botelho Nós temos um problema em Minas Gerais, porque nós temos um legado imenso, em razão do volume da jurisdição. Só não é maior do que a jurisdição de São Paulo, que tem hoje em torno de 20 milhões de processos em andamento.

ConJur – Quantos tramitam em Minas?
Fernando Botelho – Nós temos 4,8 milhões processos em andamento, 99% disso é processo em papel. Com essa rede imensa em um território muito grande, a instalação de um sistema puramente eletrônico, tirando o papel, é muito complicada. Tem que fazer isso funcionar respeitando o legado de papel, que já tramita hoje gerenciado por alguns softwares de informação que nós temos.

E nós temos que fazer com que isso ande sem parar o serviço, o princípio da continuidade do serviço público. Não dá para falar assim: “Nós vamos parar seis meses, fechar tudo aqui, mas vai sair um projeto muito bacana.” Não funciona assim. Tem que ser tudo andando.

ConJur – Como resolveram?
Fernando Botelho – Nós assumimos alguns problemas na implantação do processo eletrônico. Na época eu presidia a Comissão de Tecnologia. Foi em 2006, através da iniciativa da ministra Ellen Gracie, que lançou o chamado Projudi – Processo Judicial Eletrônico. Nós fizemos uma espécie de convênio com o CNJ, através do qual nós recebemos o Projudi para instalar em Minas Gerais.

ConJur — E o que é o Projudi?
Fernando Botelho Esse nome é importante, porque ele é uma referência em processo eletrônico no Brasil. É o primeiro processo eletrônico de iniciativa do CNJ.

ConJur — Esse que ficou pronto agora é outro?
Fernando Botelho É outro, é o PJE, sucessor do Projudi. Nós estávamos fazendo pioneiramente nessa jurisdição imensa de Minas Gerais algo que nunca tinha sido feito, e fizemos recebendo [o programa] do CNJ. Só para vocês terem uma ideia, São Paulo, jurisdição estadual imensa fez outra coisa. não pôs o Projudi. Optou por um outro software, de uma empresa de Santa Catarina. Isso é uma política gerencial.

ConJur – E isso foi bom?
Fernando Botelho Esse software privado era muito mais bem estruturado do que o Projudi. Com todo o respeito, a gente tem que dizer isso, porque o Projudi era uma excelente iniciativa do Conselho sobre a gestão da ministra Ellen, mas ele não tinha estrutura. Ele não tinha programação, era um experimento, um piloto criado para o Tribunal de Justiça da Paraíba. E para vocês terem uma ideia, apenas um servidor, da Universidade Federal da Paraíba, que veio para o CNJ, sabia como esse sistema funcionava. É mais ou menos como se pegasse o esqueleto de um prédio e não tivesse a planta básica, a planta hidráulica, a planta elétrica, a planta de cálculo.

ConJur – Qual é o problema real do Projudi?
Fernando Botelho – Ele está isolado dentro do próprio ambiente interno do estado, e nós temos que dar uma solução para esse isolamento. Ele tem que evoluir para o PJE ou para outro sistema. Um ponto positivo, para não ficar uma critica leviana, é a existência de mais de 100 mil processos digitais hoje, em um contexto de 4 milhões e 800 mil.

 ConJur – Por que só 100 mil, se tramitam 4,8 milhões de processos em Minas?
Fernando Botelho  Porque o Projudi não tem infraestrutura para isso. E o ponto negativo é que ele poderia ter sido alvo de um projeto mais estruturado para essa finalidade. Na primeira instância temos então, em termos de processo totalmente sem papel, o Projudi. E na segunda instância, em uma recente visita ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nós conhecemos o projeto Themis.

ConJur — E como é lá? 
Fernando Botelho O Rio Grande do Sul é um show. São 120 desembargadores, todos, sem exceção, independente de faixa etária, adesão a tecnologia, todos eles trabalham na segunda instância sem papel, com o Themis funcionando. Em um convenio com o TJ-RS, o TJ-MG recebeu o Themis para adaptá-lo. Isso tem mais ou menos 2 anos. Nós quebramos a cabeça e adaptamos o Themis que está sendo instalado progressivamente nas câmaras. Se não me engano, já há nove câmaras funcionando sem papel com o Themis. Isso significa que o processo que começou no papel, tramita no papel na primeira instância, tramita no papel na segunda instância, mas no momento do julgamento o acórdão é eletrônico. Aí você vai me dizer o seguinte: “Mas é eletrônico sendo que o processo é de papel?” Os desembargadores não levam papel para sessão, cada um tem o seu monitor, ele tramita eletronicamente na sessão, e os votos…

ConJur — São digitalizados?
Fernando Botelho Quando chega na secretaria ele é digitalizado e ela então dá uma certidão dizendo que a assinatura dele é digital eletrônica, e não propriamente um autografo de punho.  

ConJur  — Todos os Tribunais vão usar o PJE?
Fernando Botelho Não é compulsório.

ConJur — Esse é o problema…
Fernando Botelho Vamos nos perguntar: Isso é problema ou solução? Porque nós temos que pensar também em termos federativos, se eu criar uma antinomia do federalismo de tal modo que o CNJ possa impor administrativamente um sistema, vocês hão de convir que eu vou ter a mesma solução para Minas Gerais e para São Paulo da que nós temos no Acre. Sem criticar qualquer das pontas, isso não é possível, porque o federalismo assegura uma compatibilização de realidades. O federalismo precisa ser respeitado nisso. Eu preciso ter liberdade gerencial no meu âmbito judiciário para adaptar um sistema oferecido pelo CNJ para a minha realidade.

ConJur – Por quê?
Fernando Botelho – Dizem que o grande problema entre o programa e a realidade é que tem a gente ali pra fazer essa trapalhada. Você pega aqui em São Paulo: 50 mil agentes administrativos, 2.500 magistrados. Esses caras estão ali entre a tela e a necessidade. Você tem que treinar, aculturar, criar uma política até de ergonomia. E não é ele que tem que se adaptar ao software, o software tem que se adaptar a ele. E não dá para combinar com o adversário, com o consumidor de serviço, falar: “Olha, aguenta a mão que está quase saindo. Dentro de 180 dias está tudo funcionando.” Não dá. Então, eu não acho que devemos fazer um aniquilamento do federalismo eletrônico. Por outro lado, a experiência Projudi mostrou que você não pode também estabelecer um absolutismo federal que gere uma confederação, que o Paraná faça o Projudi dele, o Minas Gerais faça o dele, e no final das contas nenhum deles se fala e nem fala com o CNJ.

ConJur — Mas é sempre o Judiciário que tem de desenvolver o software? Não pode encomendar?
Fernando Botelho Não é papel do Judiciário construir software. O nosso negócio é julgar processo. Então, por exemplo, me dá um negócio empírico e fala assim: “Você programa aí em Minas Gerais.” Como? Se eu tenho limite, se eu tenho lei criando oito cargos de analista de sistemas e quem programa é analista de sistema? Nós somos julgadores, o servidor administrativo não entende nada de computação. Tem que ter uma pessoa ali que aperta o código fonte, que é a primeira linha do programa, e sai fazendo as telas que nós precisamos. A pergunta é essa: Isso é para trabalhar internamente no Poder Judiciário? O Poder Judiciário não faz as cadeiras onde nós sentamos, não faz as canetas, compra o papel pronto da indústria de papel. Quem é que disse que nós temos que fazer software?

ConJur – Qual seria a solução?
Fernando Botelho – A visão nova é de que nós temos que caminhar para outsourcing [terceirização de serviços], usando as chamadas fabricas de software. Porque o Brasil é um país hoje em que a tecnologia da informação está nas esquinas. Então, se o mercado é competitivo e estamos obrigados a fazer licitação, significa que nós podemos adquirir no mercado. Para quê eu preciso trazer isso para dentro da minha estrutura, onerando a minha estrutura? O que eu tenho que criar é expertise interna para criar o gerente de negócios, que controle as cláusulas contratuais de eficiência, que são as SLAs [acordo de nível de serviço].   

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