Risco do negócio

IPI sobre mercadoria roubada ainda pode ser julgado

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18 de agosto de 2011, 10h30

Quando o Superior Tribunal de Justiça, no ano passado, decidiu que as indústrias devem recolher o IPI mesmo nos casos em que a mercadoria é roubada antes de chegar ao destinatário, afirmou que o risco do negócio é do empresário e não da administração pública. O fundamento se baseou em dispositivos do Código Tributário Nacional que afirmam que o tributo incide na saída do produto. Na prática, o que a corte fez foi dizer que, além de não garantir a segurança nos transportes, o que é uma função do Estado, o Executivo ainda tem o direito de cobrar por uma operação, na verdade, não aconteceu, já que o comprador jamais pagará pelo que não recebeu.

O paradoxo é fruto da interpretação literal de normas que deveriam ser analisadas em conjunto com outros princípios, na opinião do professor de Direito Tributário na Universidade Federal de Ouro Preto Rafhael Frattari. Ele tratou do tema em palestra ministrada na 15ª edição do Congresso Internacional de Direito Tributário, organizado em Belo Horizonte pela Associação Brasileira de Direito Tributário. O evento, organizado desde terça-feira (18/8) em homenagem ao professor e tributarista Alberto Xavier, contou com a participação dos ministros Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, Castro Meira e João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, além do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams e do secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto. O Congresso vai até a próxima sexta-feira (19/8).

Frattari afirmou que, por ter sido julgada pela 2ª Turma do STJ, a questão ainda pode chegar à 1ª Seção e até ao STF, com grandes chances de mudança. “Foi uma decisão apertada, por três votos a dois, e que não abordou temas constitucionais como os princípios da capacidade contributiva e da não cumulatividade”, disse.

O caso, levado pela Philip Morris, foi arrematado pela 2ª Turma em junho do ano passado, depois de debates acalorados entre os ministros Mauro Campbell Marques e Castro Meira. O primeiro, relator do processo, chegou a ratificar seu voto depois que Castro Meira abriu divergência em favor dos contribuintes. Campbell Marques foi seguido por Eliana Calmon e Humberto Martins, enquanto Herman Benjamin se aliava à divergência. Segundo o fisco federal, admitir a não tributação abriria espaço para simulações de roubos como forma de driblar o imposto, o que a Receita não teria condições de fiscalizar.

A tese vencedora se baseou no Regulamento do IPI e no CTN. O artigo 35, inciso II, do Decreto 7.212/2010 — que repetiu regras da norma anterior sobre o tema —dispõe que o fato gerador do imposto é a saída do produto do estabelecimento industrial. O artigo 39 completa dizendo que o imposto é devido “sejam quais forem as finalidades (…) de que decorra a saída do estabelecimento produtor”. O CTN, no artigo 46, já previa o fato gerador na saída dos estabelecimentos.

Para Rafhael Frattari, no entanto, essas regras foram tiradas do contexto geral do CTN e da Constituição Federal. “O próprio artigo 47 do CTN diz que a base de cálculo do imposto é o valor da operação”, defende. Segundo ele, o conceito de operação não é a mera saída física da mercadoria, mas sim o negócio jurídico que permitiu a transferência de posse. “A tributação incide sobre o contrato de compra e venda, que tem natureza obrigacional”.

Foi o que afirmou o STF há longínquos 20 anos. Ao julgar o Agravo de Instrumento 131.941, a 2ª Turma da corte afirmou que o conceito de operação “implica negócio mercantil com a entrega da coisa”. Além disso, de acordo com o professor, a Constituição prevê que os impostos não cumulativos devem ser suportados pelo consumidor final,  e não pelos intermediários no processo de produção e comércio. “Com o roubo da mercadoria, a empresa não pode transferir os impostos à próxima fase da cadeia, além de correr o risco de ter os créditos adquiridos na compra de matéria-prima e insumos anulados.” O artigo 254 do Regulamento do IPI, em seu inciso IV, prevê a anulação do crédito em caso de furto ou roubo, mas não especifica se isso vale para antes ou depois da saída do produto. “A Receita Federal entende que só se aplica antes da saída, mas isso não está expresso”, lembra Frattari.

Também pode ser levado ao STF o argumento de desrespeito ao princípio da capacidade contributiva. A premissa é que só pode ser tributada a manifestação de riqueza, de acréscimo econômico. No caso de furto ou roubo, essa demonstração não ocorre.

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