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Novo Código Florestal é deficiente, diz ministro do STJ

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15 de agosto de 2011, 17h24

FIESP
Nem os 20 anos em que o projeto do novo Código Florestal se arrasta pelo Congresso Nacional retiraram dele uma marca que lhe é singular: o embate acirrado de ideias e, por vezes, a redução do assunto a uma mera discordância entre ambientalistas e ruralistas. Nesse quesito, o debate que começou às 9h manhã desta segunda-feira (15/8), na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), tem de tudo um pouco.

O deputado Aldo Rebelo (PCdoB), relator do novo código, e um dos palestrantes da primeira mesa do Ciclo de Reformas — Código Florestal, disse que buscou-se elaborar “uma legislação do equilíbrio”. “Realizamos negociações exaustivas com o Ministério do Meio Ambiente e tivemos mais de 100 audiências públicas”, lembra. Rebelo deu um jeito de criticar a ex-ministra da pasta, Marina Silva. “Enquanto isso, ela estava hospedada em um hotel tropical com o diretor de Avatar.” O filme, dirigido por James Cameron, tem discurso nitidamente ecológico.

O substitutivo de Rebelo é aberto com a frase “dedicado aos produtores rurais” — o que despertou a ira de muitas organizações não-governamentais e de estudiosos. A fala do deputado foi seguida pela do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, que preferiu fazer “considerações genéricas sobre o projeto”, que, já aprovado pela Câmara dos Deputados, aguarda votação pelo Senado Federal.

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O ministro lembrou que, para conferir segurança jurídica, uma lei precisa ser adequada não só no conteúdo, mas também em sua forma. E, nesse quesito, o projeto do novo Código Florestal deixa a desejar. “Esquecemos de articular no texto grandes princípios do ordenamento jurídico”, criticou.

De acordo com Benjamin, a atual redação do código tenta dar conta de diversas questões ambientais. “Não nos interessa um código que traga para si a solução para todos os problemas relacionados à flora”. O melhor seria, aponta, ter realizado cortes temáticos. O ministro defendeu a criação de uma legislação especial para tratar dos biomas de alta complexidade, como o Pantanal, a Floresta Amazônica e o Cerrado, como forma de driblar um “código genérico e deficiente”. Segundo Benjamin, “a reforma não vai ampliar o desmatamento. A agricultura brasileira quer se diferenciar pela sustentabilidade”.

O debate não contou com grandes discussões de dispositivos do novo código. Um dos pontos mais polêmicos do projeto é a anistia para os desmatadores. “Anistia não é palavra feia”, disse o ministro, “e só os povos civilizados conseguem fazê-la”. Segundo ele, “o que não se pode é fazer com que essa seja mais uma anistia até a próxima”.

Falando em nome de produtores rurais, a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), foi incisiva ao se declarar que é contra a reserva legal, que “só existe no Brasil”. Pela proposta do deputado Aldo Rebelo, parte das terras de propriedades rurais deve ser conservada. Em propriedades localizadas na Amazônia, somente 20% da área pode ser utilizada, por exemplo. Já no cerrado, a porcentagem aumenta para 35% e, nas demais regiões do país, vai para 80%.

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Uma das inovações do projeto é propor que áreas de preservação permanente, as chamadas APPs, sejam usadas para compor a reserva legal. Essas áreas estão localizadas próximas à beira de rios, topos e encostas de morro. “Podem existir estudos sobre a necessidade da reserva, mas não sou obrigada a concordar”, disse a senadora. “Se ela fosse essencial, seria universal”, arrisca.

O posicionamento de Kátia despertou a indignação da bióloga Flávia Cremonesi, de 32 anos, que interrompeu a fala da senadora. Retirada do recinto pela segurança da Fiesp, disse que a proposta de Rebelo carece de respaldo científico. Essa seria a primeira interrupção da mesa. Minutos depois, George Guimarães, de 37 anos, também interromperia a exposição de Kátia, no momento em que ela dizia que “muitos cientistas estão falando que a Terra está esfriando. Tomara que isso aconteça mesmo”.

Guimarães é ligado à organização não-governamental Veddas e viu falta de coerência na informação trazida ao público pela senadora, que o classificou como um “assalariado do Greenpeace”. Ele lembra que tanto o aquecimento quanto o resfriamento global, sendo dois opostos, não são bons. “Parece que eles estão torcendo para que o planeta esteja mesmo esfriando. Assim, vão poder desmatar mais.”

Enquanto isso, na segunda mesa da manhã, o desembargador José Renato Nalini, que atua na Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, rebateu prontamente a consideração de Kátia sobre a falta de universalidade da reserva legal. “Não interessa que o resto do mundo não a tenha. Desde quando dois erros fazem um acerto?”, indagou. Ele lembra que a tutela ambiental deve ser ampliada de forma progressiva, de modo a proteger as florestas, além de fazer cumprir a Constituição Federal.

A promotora de Justiça Cristina Godoy de Araújo Freitas, que também coordena a Área de Meio Ambiente e de Tutela Coletiva do Ministério Público paulista, é incisiva ao dizer que, sim, o projeto como está hoje vai reduzir as áreas de proteção. De acordo com ela, a atual redação pode ter um “resultado catastrófico”. Por isso, ela acredita que a ciência deve ser ouvida e o debate deve ser integrador, e não polarizador de posições.

Como exemplo, ela lembrou o caso do Parque Estadual de Jacupiranga. A reserva, que hoje possui 150 mil hectares, será reduzida a nada, como conta Cristina. Hoje, a vegetação natural só pode ser retirada de uma área de proteção caso cumprido um de três pressupostos — interesse social, utilidade pública e baixo impacto ambiental. A nova redação amplia esse leque de possibilidades. “As possibilidades de intervenção, que hoje são exceção, tornam-se regras no futuro”, lamenta a promotora.

O Código Florestal brasileiro é de 1965. Pelos cálculos, hoje o Brasil possui mais de 100 milhões de hectares de terras sem proteção ambiental, ou seja, um oitavo do território nacional. O ciclo de reformas é promovido pela Fiesp em parceria com o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), a Escola de Direito do Brasil (EDB) e o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

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