Anuário da Justiça

TJ-RJ rechaça ideia de padronização de dano moral

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14 de agosto de 2011, 8h31

Quando se trata de fixação de valores para dano moral, tema recorrente no Judiciário fluminense, um bordão é repetido quase como um mantra: “cada caso é um caso”. Um dos assuntos que o Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2011, que será lançado nesta terça-feira (16/8), quis saber dos desembargadores do TJ fluminense era a opinião deles acerca da padronização dos valores da indenização por dano moral. A maioria dos desembargadores entrevistados respondeu ser contra.

O Judiciário fluminense já havia tentado aprovar um enunciado que fixava alguns valores mínimos e máximos para determinadas situações. Embora a distância entre os dois extremos fosse considerável, os julgadores rejeitaram a proposta. “Toda vez que se pretendeu fazer isso, a Justiça rejeitou a tarifação do dano moral. Há casos e casos. Em alguns, a Justiça deve arbitrar um valor meramente simbólico; em outros, valores desestimulantes ao infrator”, afirmou Antonio Cesar Siqueira, que integra a 5ª Câmara Cível.

“Dano moral é uma roupa sob medida. Pode ter vários casos parecidos, mas nunca casos iguais. É simples. Não existem pessoas iguais, existem pessoas parecidas”, diz Pedro Raguenet, da 6ª Câmara Cível. Seu colega de colegiado, desembargador Benedicto Abicair, acha que a padronização dos valores é perigosa, além de ser extremamente difícil estabelecer regras com a fixação da quantia. Ele compara a inclusão indevida do nome do empresário Eike Batista nos cadastros restritivos de crédito com o de um magistrado. “É claro que a repercussão no primeiro caso é muito maior, as ações da empresa dele podem até perder valor na bolsa”, exemplifica.

Para Abicair, é possível, dentro do colegiado, estabelecer um limite entre o mínimo e o máximo, desde que não se distancie muito. Cada Câmara deve reunir seus integrantes e debater o assunto. Pode acontecer de, em algumas câmaras, todos terem uma posição muito próxima; em outras, é impossível haver convergência.

Para a desembargadora Luisa Bottrel, é importante que se chegue a um consenso na Câmara sobre o valor. Ela observa que causa certo constrangimento quando há uma espécie de “leilão” do dano moral. Ou seja, um julgador acha que tem de ser x, outro y, e, durante a sessão de julgamento, fique uma discussão interminável sobre qual será a quantia. O mesmo ocorre com as mudanças dos valores de um processo para o outro, em situações similares, em função dos relatores dos processos serem diferentes. Para Luisa Bottrel, é difícil haver o balizamento, embora seja possível o estabelecimento de parâmetros, mas não de forma a acarretar um engessamento.

Autor do livro Dano Moral e indenização punitiva, André Andrade, da 7ª Câmara, é contra toda e qualquer ideia de tabelamento. “Primeiro, porque acaba nivelando os casos.” Para ele, fixar limites rígidos não é interessante. “A imponderabilidade do valor faz parte da natureza desse tipo de indenização. É o caso concreto que vai dar dimensão da situação ao magistrado. Claro que a jurisprudência nos orienta. Entretanto, isso é diferente de fixar tabelas frias como se fossem textos normativos que o juiz tem de seguir”, diz.

Para o desembargador Bernardo Garcez, da 10ª Câmara, o dano moral tem que ser estabelecido caso a caso, observando-se os parâmetros expostos no artigo 53, da Lei 5.250, como a capacidade econômica do ofensor, a repercussão e a posição do ofendido. Assim, o arbitramento do dano moral fica a critério de cada juiz.

Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho também é contra a padronização através de um consenso do tribunal. Para ele, não haveria legitimidade para isso. “É uma matéria tipicamente legislativa, pois cria norma para valer para o futuro. O tribunal cria norma para situação que já passou e que está julgando agora”, diz. Já pela via legislativa, Luiz Fernando enxerga vantagens. “O excesso de subjetivismo, às vezes, atrapalha no arbitramento do dano moral. Mas não com tipos muito fechados, passíveis de uma abertura para interpretação do juiz.”

“Não creio que possa o juiz fazê-lo se nem a Constituição ou as leis ousaram criar patamares máximo e mínimo para os danos morais”, entende o desembargador Nagib Slaibi, para quem a reparação dos danos, inclusive morais, “depende do caso concreto, como, aliás, decorre do critério de equidade mandado seguir pelo disposto no artigo 944 do Código Civil”.

Mesma natureza
O desembargador Milton Fernandes, da 5ª Câmara Cível, diz que, de um modo geral, os próprios desembargadores fazem essa padronização. “Como o julgamento é coletivo, nós nos reunimos e firmamos um consenso sobre valores aproximados do dano moral. Nesse tipo de julgamento, não é só um voto que prevalece. Já ampliar esse consenso para o tribunal todo é mais difícil, pois depende de entendimentos. Também depende da situação concreta, pois cada uma é diferente da outra.”

Sua colega de turma julgadora, desembargadora Cristina Gaulia entende que, apesar de não haver um histórico de tarifação na lei, algumas questões mereceriam tal tratamento. “Não em relação às questões recorrentes. Estas deveriam ter indenização elevada e não tarifada. Quando os tribunais fazem tarifação jurisprudencial, buscam patamares muito baixos. No caso de reiteração constante, não basta tarifar, pois pode tornar, em algum momento, mais interessante para empresa pagar a indenização do que melhorar seus serviços”, constata.

Os casos que Cristina Gaulia entende que os casos que poderiam ter a tarifação são aqueles decorrentes de práticas abusivas, que não causam aborrecimento, mas provoca uma invasão da sua privacidade, como envio de cartão de crédito ao consumidor que não o requereu. “A tarifação, em grande escala, é uma injustiça, pois deixa de considerar as peculiaridades do caso”, diz a desembargadora.

Embora não seja a favor de uma tarifação fixa, Wagner Cinelli, da 6ª Câmara Cível entende que é importante haver uma homogeneização quanto a valores. “O brasileiro tem uma tendência a gostar muito do caso a caso, diferente do inglês ou americano, que prefere dar uma solução igual ou semelhante a casos de mesma natureza. Sou a favor de ter uma homogeneização quanto a valores. Ainda temos uma disparidade muito grande de valores em cima de uma mesma situação. A construção jurisprudencial ao longo tempo vai fazer com que haja uma diminuição entre o mínimo e o máximo que nós temos aplicado.”

A discrepância também é o que preocupa Ricardo Couto, da 7ª Câmara. “Muitas vezes nós nos deparamos com situações que valor do dano tem de ser maior, pelas circunstâncias fáticas. Por outro lado, há um problema de não se ter critérios, o que pode trazer insegurança e até uma quebra de padronagem. Ou seja, várias pessoas podem se envolver em uma mesma situação e obter reparações distintas. Isso é ruim. Talvez fosse interessante estabelecer parâmetros máximos e mínimos para certas situações, deixando uma margem de liberdade para o julgador.”

Na mesma linha, entende o desembargador da 8ª Câmara, Luiz Felipe Francisco. “As decisões, cada vez em maior número, são objetos de críticas devido à diversidade de resultados.” Ele reconhece que a questão é delicada, ficando sujeita à ponderação do juiz, que deve buscar a solução mais adequada para o caso em exame. “Da discricionariedade decorre a necessidade da observância de patamares.”

Cleber Ghelfenstein, da 14ª Câmara, entende que é extremamente positiva essa fixação de patamares. Ele conta que, no colegiado onde atua, foram pré-estabelecidos valores. As discussões são abertas quando há casos de indenização por morte de parente, por exemplo. Por se tratar de indenização de valor maior, diz, é preciso chegar a um consenso.

A desembargadora da 20ª Câmara Cível, Letícia Sardas, reconhece que é difícil fixar esses patamares. “Não é possível comprovar o tamanho da dor, mas se consegue provar que o ato foi muito ou pouco abusivo”, diz. Sardas afirma que quando os processos se referem a situações absolutamente idênticas, dá para estabelecer parâmetros médios de indenização. “Embora o juiz tenha de ser imparcial, na hora de julgar, levamos em consideração o que já aconteceu nas nossas vidas. Os parâmetros evitariam a tendência de alguns juízes de levar sentimentos internos para o processo.” Sem a padronagem, um juiz que já teve vários problemas com companhias aéreas, exemplifica, pode acabar por levar isso em consideração na hora de analisar um caso de abuso da empresa.

Caráter pedagógico
O Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2011 também traz a consideração dos desembargadores quanto ao caráter punitivo-pedagógico do dano moral. Ao ser questionado se levava em consideração tal aspecto na hora de fixar os danos morais, Fernando Foch, da 3ª Câmara, disse que toda indenização precisa ter o caráter pedagógico para que se perceba que há um juízo de reprovação para conduta ilícita. “Mas se não houver caráter punitivo, a indenização parece inócua. Existe uma tendência de diminuir o valor das indenizações, porque são muitas as ações. Acho que é o contrário. Se são muitas as ações, significa que a punição não é suficiente.”

Para o desembargador Marcelo Buhatem, itinerante que é designado para a 4ª Câmara, os valores da indenização devem ser altos para não prevalecer a ideia de que o “defeito compensa”. O mesmo é defendido pela desembargadora Marília de Castro Neves, da 20ª Câmara. “Sem o caráter pedagógico, não há como mensurar o dano moral, porque não se pode mensurar a dor. O caráter pedagógico é o importa na aplicação do dano moral”. Ela é a contra a fixação de dano moral de R$ 4 mil. Ou aplica dano moral considerável ou não aplica nada. A desembargadora é a favor de aplicar indenizações vultuosas. “Se aplicar uma, duas vezes indenizações de R$ 100 mil, o Judiciário não vai precisar aplicar uma terceira vez.”

É o mesmo que pensa a desembargadora Letícia Sardas. “O dano moral é sempre pedagógico. Basicamente, é da natureza jurídica do dano moral que tenha um caráter pedagógico, já que não repara nenhum bem material; repara uma violação da dignidade humana.”

Integrante da 4ª Câmara, Paulo Mauricio diz que considera tal caráter na hora da fixação. A justificativa para a aplicação é devido ao abuso do direito de cobrar o que não é devido e a punição para desestimular a repetição da falha.

Caetano Ernesto, da 7ª Câmara, tem considerado o instituto da reparação com sentido pedagógico, mas lamenta que alguns apenados, como os bancos, não se sensibilizam, pois repassam esses custos para seus próprios correntistas. Heleno Pereira Nunes, da 18ª Câmara, em tese, considera válido o instituto. Não sabe se, na prática, isso funciona.

Para o desembargador Ricardo Cardozo, da 15ª Câmara, não pode haver condenação só pelo caráter pedagógico, ou seja, fixar um valor determinado só para a empresa aprender e não repetir. O que justifica o dano moral, diz, é uma afronta injusta à dignidade da pessoa. Fixa-se o dano e ainda pode acrescentar o caráter pedagógico, no caso, por exemplo, de uma empresa que é contumaz na falha do serviço.

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