Ilegalidade difusa

STF julgará HC de francês preso por corrupção

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14 de agosto de 2011, 8h13

O Supremo Tribunal Federal deverá julgar Habeas Corpus do francês Marc Alain François Gouyou Eauchamps que, segundo o boletim de ocorrência policial, recebeu voz de prisão de policiais militares sob a acusação de tentar suborná-los. O estrangeiro é acusado de oferecer dinheiro para não ser levado a Polícia Federal, onde seria averiguada a existência de algum pedido de prisão contra ele. Ao chegar à PF, contudo, não foi constatado nenhum pedido de prisão ou sequer processo contra Eauchamps. Mesmo assim, o juízo da 26ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, decretou a prisão em flagrante. O francês está foragido e o seu caso, depois de passar pelo TJ-RJ e pelo STJ chegou ao Supremo. 

O advogado de defesa de Eauchamps, Marcos Thompson, argumenta que se ele não estava praticando nenhum crime em flagrante, a sua condução para a delegacia era absolutamente ilegal e arbitrária. Mesmo que tivesse havido oferecimento de vantagem indevida, o que o francês nega, não haveria o crime previsto no artigo 333 do Código Penal (corrupção ativa). 

O tipo do artigo 333 do Código Penal tem a seguinte redação: "oferecer ou prometer vantagem a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício". Respaldando-se no referido artigo, a defesa questiona: a suposta vantagem foi oferecida para que os policiais “esquecessem o assunto e os liberassem”, de quê? Da ilegal condução para a delegacia? Alegam ainda que a condução ilegal de pessoas que não praticara, qualquer crime para a delegacia não é ato de ofício. 

O desembargador Luiz Leite Araújo, do TJ-RJ, chegou a conceder o HC em caráter liminar para Eauchamps, mas o juiz Paulo de Tarso Neves, que recebeu o processo em redistribuição após afastamento do desembargador Araújo, votou em unanimidade com seus colegas da 6ª Câmara que revogaram a decisão liminar e indeferiram o pedido de liberdade solicitado no HC. 

A defesa do francês recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, que confirmou a decisão do TJ-RJ. De acordo com o HC impetrado junto ao STJ, o desembargador, durante audiência no TJ-RJ, chegou a ler um documento escrito em francês, que seria um mandato de prisão contra Eauchamps. A defesa alega que o documento não deveria ser validado no processo, uma vez que, não foi traduzido nos autos e se tratava de uma cópia simples sem nenhum tipo de autenticação. Além disso, mesmo que cumprisse esses requisitos, seria um mandato francês que não teria validade no Brasil, já que não foi oficiado às autoridades Brasileiras. 

Para alguns criminalistas, a decisão do STJ é correta, uma vez que, mesmo que os policiais estivessem fazendo abuso de poder, isso não conferiria ao estrangeiro o direito de tentar corrompê-los. Alguns entendem, que se houve conduta errada por parte dos policiais caberia a autoridade competente instaurar processo administrativo para apurar os fatos, portanto, um cidadão pode se recusar a cumprir medida ilegal, mas não subornar autoridade a fim de esquivar-se dela. 

No HC, a defesa citou o o ex-procurador de Justiça Fernando Capez que tem o seguinte entendimento: “Não havendo ato de ofício a ser praticado, omitido ou retardado, não há o crime de corrupção ativa. Não se compreende nesse dispositivo penal o fim de impedir a prática de ato ilegal, arbitrário, pelo funcionário público ou que não seja de sua competência. Assim, o indivíduo que oferece dinheiro para que a autoridade policial não o prenda em flagrante, por não ter praticado qualquer crime, não responde pela corrupção ativa”, finalizou o procurador. 

O criminalista Luiz Flávio Gomes acredita que uma decisão como esta só é tomada durante o curso do processo, ”A Justiça precisa resguardar a aplicação da lei penal. Talvez por ele ser estrangeiro tenham medo dele sair do país. No fim do processo, dificilmente decidirão por sua prisão sem provas substanciais do suborno e da existência de elementos que justificassem sua prisão pela autoridade policial.” 

Recusa do HC
Ao negar o pedido de HC no STJ, o  relator, ministro Gilson Dipp, recapitulou a decisão do TJ-RJ, que manteve a decisão de primeiro grau com base no fato de que o francês tivera quebrado a fiança (artigo 341, do Código de Processo Penal), já que fora preso em flagrante por fato igual (tentativa de suborno) seis meses antes.

Ainda segundo o relator, a Corte de origem entendeu que os policiais militares tinham a obrigação de conduzir os envolvidos à delegacia de polícia e, por isso, estavam cumprindo dever de ofício. Visando à comprovação da existência de mandados de prisão, oriundos da justiça francesa, o delegado, também por ato de ofício, ordenou o encaminhamento à Polícia Federal. Dessa forma, a condução do paciente não teria se revestido de ilegalidade e, estando eles praticando ato legal e de ofício, havendo a proposta do francês, materializa-se a corrupção ativa.

O ministro ressaltou que o estrangeiro tinha plena ciência das ordens de prisão, ignorando, no entanto, a necessidade de prévia homologação da justiça brasileira, providência pendente de cumprimento. “Considerando o cenário apresentado, não se constata, de plano, a alegada atipicidade da conduta”, concluiu o ministro. Diante do resultado negativo no STJ, a defesa do francês entrou com novo pedido de Habeas Corpus junto ao Supremo.

Sem tradução
No dia 7 de fevereiro, a Policia Militar do Rio de Janeiro recebeu uma ligação solicitando uma patrulha, pois um homem supostamente procurado pela Justiça francesa estava na Rua Senador Vergueiro, bairro de Botafogo no Rio de Janeiro. 

Ao chegar ao local, os policiais encontraram o informante que mostrou a cópia de um documento escrito em francês e que seria uma ordem de prisão contra o francês. Os policiais abordaram o estrangeiro, e mesmo nada encontrando, o conduziram à delegação sob a acusação de ser procurado pela Justiça da França. 

Com a chegada de todos os envolvidos à 5ª Delegacia Policial, a delegada de plantão solicitou que os policiais militares encaminhassem Eauchamps para Polícia Federal para saber sobre esse suposto mandado de prisão francês. Na PF, conforme o boleim de ocorrência policial, não foi constatado nenhum pedido de prisão contra o estrangeiro, também não havia nada no Superior Tribunal de Justiça, ou no Supremo Tribunal Federal, nem mesmo algum pedido da França às autoridades brasileiras.

Porém, segundo os policiais, no caminho entre a delegacia e a PF, Eauchamps ofereceu R$ 50 mil para que ele não fosse levado para a PF. Sendo assim, os policiais deram voz de prisão pelo crime de tentativa de corrupção ativa. 

Segundo a defesa, mesmo após consultar o STF que informou que nada constava contra o estrangeiro, a 26ª Vara Criminal do Rio indeferiu o pedido de HC e manteve a prisão de Marc. Em recurso ao TJ, a defesa alegou que, não havendo ato de ofício a ser cumprido pelos policiais, já que não haveria pedido de prisão expedido contra Eauchamps, mesmo que ele tivesse oferecido dinheiro o fato seria atípico e não se enquadraria em tentativa de corrupção ativa. O desenbargador Luiz Leite Araújo acatou liminarmente os argumentos e determinou que o francês fosse posto em liberdade.

No momento do mérito, sem a prsença de desembargador Luiz Leite Araújo, afastado por motivo de licença, o processo foi redistribuído para o desembargador Paulo de Tarso Neves que votou pela revogação da liminar e o restabelecimento da prisão de Eauchamps, decisão esta, seguida de forma unânime pelos outros julgadores. A defesa alega que o desembargador chegou a ler o tal documento em francês que seria uma ordem de prisão da autoridade francesa, mas este, não tinha nenhuma tradução nos autos, o que inviabilizaria sua apreciação pelo Tribunal. 

Para a defesa foi ”diante da flagrante violação ao princípio da presunção de inocência e da ilegalidade de ser utilizado um documento em língua estrangeira, sem qualquer tipo de autenticação, que impetramos HC junto o STJ. O Superior manteve a decisão do TJ-RJ. 

“Marc não estava em situação de flagrante, não havia nenhuma acusação contra ele, não havia nenhum mandado de prisão válido no território nacional. Se não havia flagrante delito e não havia nenhum mandado de prisão expedido contra o francês, ele não poderia ser detido e conduzido para três delegacias diferentes por um período de mais de duas horas. Na realidade ele foi detido de forma absolutamente ilegal, e foi vítima de crime de abuso de autoridade”, alega a defesa. 

Validade da prova
Para a maioria dos criminalistas, um mandado de prisão expedido por autoridade estrangeira não tem valor no Brasil a não ser que, este seja endereçado à autoridade central brasileira. 

Luiz Flávio Gomes ressalta que para um documento escrito em língua estrangeira ter validade no Brasil, ele precisa ser traduzido nos autos. “Não há como validar o documento como prova sem esse requisito”, afirma o criminalista. Ele ainda ressalta que tal exigência está descrita no Código de Processo Penal. Quanto ao fato de validar um documento estrangeiro, isto seria uma questão diplomática.

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