Anuário da Justiça

TJ-RJ discute se pode interferir em política pública

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12 de agosto de 2011, 13h20

Não restam controvérsias nos tribunais brasileiros de que o Judiciário pode interferir em uma política pública para, com base na garantia do direito à saúde, obrigar o Estado a fornecer tratamento hospitalar ou remédios a um cidadão doente. O que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro está discutindo é, se, partindo do mesmo princípio da dignidade humana e do direito à saúde, o juiz pode obrigar uma concessionária de serviço público a instalar ou reparar uma rede saneamento básico em determinado local. O Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2011 mostra que, vinculada a essa questão, há ainda uma divisão entre os membros do TJ-RJ sobre a legitimidade de um único morador entrar com esse tipo de ação no Judiciário.

Os dois temas são polêmicos. Decisão recente da 15ª Câmara Cível, por exemplo, entendeu que um consumidor pode, individualmente, entrar com a ação para exigir da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), no Rio, o reparo da rede na zona oeste da cidade. “O fato do direito postulado poder ser perseguido através da ação civil pública, não afasta o direito de a parte lesada intentar ação individual pela má prestação do serviço público”, afirmou o relator da apelação, desembargador Ricardo Cardozo.

Segundo o desembargador, o ajuizamento de ação civil pública não impede que consumidores entrem com ações individuais e nem gera litispendência. No caso concreto, tratava-se de uma ação em que a parte, já consumidora, exigia o reparo e não a instalação da rede.

O mesmo entendeu o desembargador José Carlos de Figueiredo, da 11ª Câmara Cível. “Em que pese a previsão legal de ação própria para as pretensões de direito coletivo, não se pode afastar, de plano o direito da autora de ter acesso à Justiça, na medida em que alega violação ao direito subjetivo individual”, disse. A possibilidade, continua o desembargador, de a obra de reparo proporcionar benefícios aos vizinhos dos autores da ação não impede o prosseguimento do processo.

Não é o que tem entendido os desembargadores da 13ª Câmara Cível. “Lamentam-se o desprezo, o desrespeito e tudo o mais que se possa dizer em relação ao comportamento dos administradores em relação aos Agravantes. Contudo, os eleitores de Nova Iguaçu elegeram seus governantes e a realização das obras pretendidas se insere na discricionariedade administrativa, devendo ser postuladas junto aos seus representantes. Ou, através de ação coletiva, porquanto interesse coletivo, através daqueles que são legitimados para tanto”, afirmou o desembargador Ademir Pimentel, relator de um dos casos apreciados pelo colegiado.

Em outro processo, dessa vez relatado pelo desembargador Fernando Fernandy, também da 13ª Câmara, a turma manteve o entendimento. No caso, uma mulher entrou com ação contra o município do Rio, alegando conviver com o transbordamento contínuo de esgoto, que corre a céu aberto pelas ruas do local onde vive. “A matéria em jogo tem conotação de interesse coletivo, não possuindo a parte autora legitimidade ordinária para defesa de tais direitos em Juízo ou legitimidade extraordinária para postular defesa de direito ou interesse alheio em seu próprio nome”, escreveu na decisão.

Instalação ou reparo
Na 9ª Câmara Cível, os desembargadores já enfrentaram tanto a questão da legitimidade quanto ao mérito. Em relação ao primeiro item, os desembargadores Carlos Eduardo Moreira e Odete Knaack acompanharam o voto do colega Rogério de Oliveira e entenderam que um único morador pode entrar com a ação. “Não se pode retirar a legitimidade do particular quando os próprios órgãos e entidades públicas deixam de agir na defesa dos interesses difusos ou coletivos, relegando o indivíduo ao esquecimento ou à condição de eterno pedinte de favores ao Poder Público.”

Em um processo julgado em outubro de 2010, a Câmara enfrentou o mérito e prevaleceu o entendimento de que não cabia à companhia de serviço público a responsabilidade pelo problema de esgoto no local. O desembargador Roberto de Abreu e Silva, acompanhado do desembargador Marco Aurélio Fróes, entendeu que a Cedae “não tem responsabilidade legal, tampouco contratual para proceder e custear a obra de esgotamento sanitário na área”. Ele levou em conta o Termo de Reconhecimento Recíproco de Direitos e Obrigações firmado entre a empresa, o município e o Estado do Rio.

Vencido, o desembargador Carlos Santos de Oliveira entendeu que o Judiciário podia obrigar que se fizesse a obra e prestasse o serviço público de forma adequada. “A invocação do princípio da separação dos Poderes, para impedir que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa, acabaria por legitimar a conduta da administração pública, direta ou indireta, quando esta viola direitos fundamentais, seja pela ação, seja pela omissão, como no caso em garantir o saneamento básico de comunidades carentes do município do Rio de Janeiro”, disse. De outubro de 2010 para julho deste ano, houve uma mudança de composição: o desembargador Marco Fróes se aposentou e, em seu lugar, passou a compor a turma julgadora a desembargadora Odete Knaack.

O caso julgado em outubro pela 9ª Câmara ensejou Embargos Infringentes distribuídos à 11ª Câmara do TJ, que reformou a decisão anterior. No recurso, relatado pelo desembargador Claudio de Mello Tavares, prevaleceu o entendimento de que a concessionária tinha de efetuar a obra além de indenizar os moradores pelos prejuízos causados. “Não se trata, portanto, de promoção de programas de saneamento básico, como asseverado no voto vencedor da Nona Câmara Cível, que reformou a sentença de procedência. Cuida-se de obrigação de reparar os danos provocados pela concessionária quando da instalação da rede de esgoto, em 2001”, afirmou.

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