Falta leve

Pequena falha em prestação de contas não gera cassação

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12 de agosto de 2011, 9h06

Uma falha de menor importância na prestação de contas de campanha não pode justificar a cassação de mandato. O entendimento foi reafirmado pelo ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral, ao conceder a liminar que garantiu, na segunda-feira (8/8), a manutenção do deputado distrital Raad Massouh em seu cargo na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Raad Massouh teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal por receber doação de R$ 30 mil de uma empresa constituída no ano da eleição. A doação, nestes casos, é proibida por resolução do TSE.

Isso porque, de acordo com a legislação eleitoral, empresas podem doar o limite máximo de 2% de seu faturamento bruto no ano anterior. Logo, se a empresa é constituída no ano da eleição, não há como aferir se a doação foi feita dentro dos limites permitidos por lei. Por conta dessa falha, o deputado teve o mandato cassado.

O deputado distrital recorreu ao TSE. As advogadas Gabriela Rollemberg, Kelly Barros e o advogado Rodrigo Pedreira, que representam Massouh, sustentaram que a infração revela apenas descuido em relação às regras de prestação de contas de campanha, o que não tem gravidade suficiente para gerar a cassação do mandato.

“Está em jogo o próprio mandato obtido nas urnas pelo voto popular, o qual não pode ser suprimido por meros equívocos formais ou descuido no cumprimento das determinações da lei eleitoral”, sustentou a defesa. O relator do processo no TSE, ministro Marcelo Ribeiro, acolheu os argumentos.

O ministro anotou que a jurisprudência da Corte Eleitoral vem se sedimentando no sentido de que a cassação do diploma tem de ser proporcional à gravidade da conduta. Ribeiro também registrou que o TSE, ao julgar processo com discussão idêntica, decidiu pela aprovação da prestação de contas, com ressalvas, por considerar o fato uma falha de menor envergadura. No caso, as contas do comitê financeiro do PT.

Com a liminar, o deputado fica no cargo até o julgamento do mérito do processo no TSE.

Leia a decisão do ministro Marcelo Ribeiro

Despacho

Decisão Liminar em 08/08/2011 – AC Nº 135386 MINISTRO MARCELO RIBEIRO

DECISÃO

Cuida-se de ação cautelar, com pedido de liminar, ajuizada por Raad Mtanios Massouh, deputado distrital eleito no pleito de 2010, visando à concessão de efeito suspensivo a recurso ordinário interposto contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE/DF) que, julgando procedente representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral, com base nos arts. 30-A da Lei nº 9.504/97 e 40, § 1º, da Resolução/TSE nº 23.217/2010, decretou a perda do mandato eletivo do autor, em razão de gastos ilícitos de campanha.

Noticia que as irregularidades que ensejaram a desaprovação das contas de campanha foram: a) utilização de veículos sem a devida integração desse bem ao patrimônio do doador; b) ausência de emissão de recibos eleitorais; e c) arrecadação de recursos no montante de R$ 30.000,00 (trinta ml reais) provenientes de pessoa jurídica constituída no ano da eleição, sendo somente o último item o fator determinante para a cassação do mandato do autor.

Sustenta, em síntese, que:

a) foi violado o princípio da reserva legal insculpido no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, pois a proibição do recebimento de recursos para campanha eleitoral oriundos de empresa criada há menos de um ano, de acordo com o disposto no art. 16, § 2º, da Res./TSE nº 23.217/2010, não consta na Lei nº 9.504/97 ou em qualquer outro dispositivo de lei;

b) o art. 24 da Lei nº 9.504/97, que estabelece a vedação do recebimento de recursos das fontes que especifica, deve ser interpretado de forma estrita, por se tratar de norma que tem reflexos no exercício dos direitos políticos;

c) "o simples fato de um candidato receber a doação dessa empresa não pode implicar automaticamente na cassação de seu mandato, em virtude do disposto no artigo 16, § 2º, da Resolução TSE nº 23.217/2010" (fl. 18);

d) não houve voluntariedade da prática da irregularidade, pois o candidato não teve ciência prévia de que a doação teria sido realizada por empresa constituída no ano da eleição, tendo tomado conhecimento do fato somente quando foi notificado pelo TRE/DF, em diligência recomendada pela Coordenaria de Controle Interno;

e) "o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) considerado, não apenas o contexto da campanha do candidato, mas na eleição de Deputado Distrital em 2010 (eleito com quase 18.000 votos), em plena capital da República, não assume, em hipótese alguma, relevância jurídica capaz de justificar a cassação do mandato" (fl. 28);

f) "o acórdão recorrido, ao concluir pela cassação do mandato, impôs desarrazoada, desproporcional e excessiva restrição ao exercício de direito político do ora requerente, o que implicou na desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido" (fl. 31);

g) "a empresa doadora auferiru considerável faturamento no ano de 2010, que implicou que a doação representou diminuto percentual em relação ao montante total, bem inferior ao limite estabelecido pela lei" (fl. 33);

Defende a existência do fumus boni juris, tendo em vista a ausência de interesse público na execução imediata do decisum, o direito de acesso ao duplo grau de jurisdição, a necessária cautela no exame de matéria inédita, introduzida pela Resolução/TSE nº 23.217/2010, sem previsão na lei eleitoral, a ausência de voluntariedade da conduta e a necessidade de se evitar sucessivas alterações no exercício do mandato eletivo.

Sustenta o periculum in mora decorrente da determinação constante do voto condutor do acórdão regional de encaminhamento de ofício à Câmara Legislativa do Distrito Federal para as providências pertinentes à execução da decisão.

Requer o deferimento de liminar "para conceder efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra o acórdão do e. TRE-DF, de modo a impedir a sua execução até o julgamento e respectiva publicação da decisão que julgar o recurso, mantendo o requerente no pleno exercício de seu mandado, até o julgamento do processo principal pelo TSE" (fl. 36).

É o relatório.

Decido.

Em juízo preliminar, entendo que se faz presente o fumus boni juris.

A procedência da representação, proposta com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, decorreu de três irregularidades constatadas na prestação de contas da campanha eleitoral de 2010 do ora requerente que, juntas, teriam gravidade suficiente para ensejar a cassação do seu mandato, segundo entendeu o egrégio TRE/DF.

As irregularidades consistiram na utilização de veículos sem a devida integração do bem ao patrimônio do doador (art. 1º, § 3º, da Res./TSE nº 23.217/2010); ausência de emissão de recibos eleitorais (art. 1º, IV, da Res./TSE nº 23.217/2010) e arrecadação de recursos no montante de R$ 30.000,00 (trinta ml reais) provenientes de pessoa jurídica constituída no ano da eleição, em contrariedade ao disposto no art. 16, § 2º, da Res./TSE nº 23.217/2010.

O Tribunal Regional, analisando o valor total das despesas de campanha, concluiu pela relevância jurídica das irregularidades constatadas. É o que se depreende do seguinte trecho do aresto (fls. 860-861):

As ilicitudes alusivas aos gastos com combustíveis e lubrificantes, estimadas em R$720,00 (setecentos e vinte reais), representando 0,54% (zero vírgula cinquenta e quatro por cento) do total de gastos realizados, e as referentes à cessão de 4 veículos, estimada em R$4.000,00 (quatro mil reais), representando 2,99% (dois vírgula noventa e nove por cento) do montante total das despesas, de si só, somadas, representando, então, 3,53% (três vírgula cinquenta e três por cento) do total de gastos realizados, não encerram relevância jurídica que, no contexto da campanha eleitoral, conduza à sanção da cassação do diploma. Todavia, somadas à ilicitude, grave, da doação oriunda de fonte vedada no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), representando 22,41% (vinte e dois vírgula quarenta e um por cento) do montante total das despesas, constituem no contexto da campanha política o considerável e expressivo peso de 25,94% (vinte e cinco vírgula noventa e quatro por cento) de recursos ilícitos empregados. Já então se configura relevância jurídica idônea para se julgar procedente o pedido de cassação do diploma do representado, porquanto a ilicitude cometida, assumindo medida significativa no contexto da campanha política, é proporcional à gravidade da sanção de cassação do diploma.

A jurisprudência desta Corte tem-se posicionado no sentido de que a aplicação da grave sanção de cassação do diploma com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 há de ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido pela norma.

Em exame prefacial, reputo correto o entendimento daquela Corte de que as duas primeiras irregularidades, quais sejam, a utilização de veículos cuja integralização ao patrimônio do doador não foi comprovada e ausência de emissão de recibos eleitorais, não teriam o condão, por si só, de ensejar a cassação do diploma.

Entretanto, no que se refere à terceira irregularidade, consubstanciada no recebimento de doação de empresa criada no ano eleitoral, penso, em princípio, que o recurso sustenta tese plausível.

Observo que a Lei nº 9.504/97, no capítulo atinente à arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais, não prevê tal conduta como ilícito eleitoral.

Frise-se que o § 2º do art. 16 da Res./TSE nº 23.217/2010, ao proibir o recebimento de doação originada de empresa criada no ano da eleição, teve como objetivo evitar burla ao disposto no art. 81 da lei, que veda a doação de pessoa jurídica para campanhas eleitorais acima do limite de dois por cento do faturamento bruto da empresa no ano anterior ao pleito.

Dessa forma, caso fosse permitida a doação feita por empresa constituída no ano eleitoral, não seria possível aferir o atendimento ao disposto no mencionado dispositivo de lei.

Ocorre que a violação ao disposto no art. 81 da Lei nº 9.504/97 acarreta penalidade ao doador: o pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso, consoante determina o § 2º do mencionado artigo, além das penas previstas no § 3º. Não há, contudo, previsão legal de cassação de diploma nessa hipótese.

Este tribunal teve a oportunidade de, ao julgar a PRESTAÇÃO DE CONTAS N° 4080-52.2010.6.00.0000, onde tal problemática foi examinada, entender que o recebimento de doação de empresa criada no mesmo ano da eleição configuraria falha de menor envergadura, tanto que levou, no caso, apenas à aposição de ressalva na prestação de contas. Em outras palavras, a prestação de contas foi aprovada, com ressalva.

Assim, parece-me, em um juízo meramente preliminar, próprio desta fase processual, que se mostra excessivamente rigorosa, no caso, a cassação do requerente.

O periculum in mora é evidente, pois a execução do acórdão regional está prestes a ocorrer.

Tais fundamentos me levam a crer que melhor será que o requerente seja mantido no cargo até o julgamento do recurso ordinário.

Ante o exposto, defiro a liminar pleiteada, para conferir efeito suspensivo ao recurso, até seu julgamento por esta Corte.

Comunique-se, com urgência, ao egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.

Cite-se. Publique-se.

Brasília-DF, 08 de agosto de 2011.

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