Reais intenções

A responsabilidade é da parte na litigância de má-fé

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7 de agosto de 2011, 8h48

São muitas as maneiras de a Justiça brasileira garantir o amplo direito de defesa do cidadão e afastar a hipótese de um julgamento leviano. Por outro lado, o juiz também deve ficar atento às artimanhas advocatícias para ganhar tempo e protelar o processo ou à possibilidade de as partes estarem usando a Justiça para seu benefício próprio.

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu que a multa por litigância de má-fé deve ser paga pela parte, e não pelo seu advogado. Para os ministros, o advogado não pode ser punido em um processo em que é acusado de ser litigante de má-fé, ainda que haja falta profissional. Essa falta deve ser apurada em ação própria e não em processo em que defende um cliente.

Esse entendimento foi aplicado no caso em que o advogado recorreu ao STJ depois de ter sido responsabilizado por litigância de má-fé pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que também determinou a compensação dos honorários e pagamento de multa. No recurso, ele alegou que não poderia ser responsabilizado, pois apenas representava as partes no julgamento. Além disso, afirmou que os honorários não poderiam ser pagos, pois eles pertencem aos advogados, nunca às partes.

O relator do caso no STJ, ministro Humberto Martins, concordou com o advogado. Afirmou que a decisão do TRF-5 “não está de acordo com a legislação processual vigente”, pois a multa por litigância de má-fé não pode ser descontada dos honorários, que são exclusivamente devidos aos advogados. O relator utilizou-se dispositivos 14 e 15 do Código de Processo Civil, os quais afirma ser da responsabilidade da "parte" a reparação decorrente da litigância de má-fé, para fundamentar seu voto.

Contudo, a visão STJ não é compartilhada pelo juiz substituto de 2º grau do TJ-SP, Carlos Henrique Abrão. Ele explica que quem sustenta a tese é o advogado, e não a parte. Logo, ele pode ser punido, sim. Abrão afirma que o advogado pode fazer as coisas mais “esdrúxulas” com a ação, sem sequer o conhecimento do autor, o que acaba por tornar-se uma disfunção do exercício profissional. Ele propõe esse tipo de multa aos advogados, “pois moralizaria muito a carreira e evitaria recursos protelatórios”.

Abrão afirma que o sistema jurídico brasileiro, romano-germânico, é mais tolerante com esse tipo de conduta, ao contrário do sistema anglo-saxão, que prevê punições mais rigorosas para esses casos. Para ele, advogados envolvidos em casos de litigância de má-fé, deveriam ter o nome enviado à OAB, servindo como filtro para saber se o profissional está agindo de forma ética.

Bruno Dantas, professor de Processo Civil que integrou a comissão do Senado que elaborou o projeto do novo CPC, pensa que no Brasil existe uma cultura equivocada de que o povo não sabe tomar decisões. Ele afirma que “a pessoa tem de ser responsável pela sua decisão” e que “o advogado no processo desenvolve um trabalho técnico em nome da parte”. Para Dantas, o discurso de que o profissional toma decisões sem consultar não existe e a jurisprudência do STJ é “acertadissíma” no sentido de punir o autor.

Ophir Cavalcante, presidente do Conselho Federal da OAB, compartilha da opinião de Dantas. “A partir do momento que uma procuração é delegada ao advogado, este é responsabilizado pelo comando do processo. O advogado exercita os recursos em função do interesse técnico.”

Má-fé e direito de defesa
O que não pode ser confundido é o direito de defesa com a litigância de má-fé. Segundo Carlos Henrique Abrão, existe litigância de má-fé quando não se trata de uma análise dos autos, e sim de uma reanalise de tudo que já foi apreciado, sem que o advogado traga algo de novo para a tese.

No sentido de sanar esse problema de forma objetiva e coibir o abuso do direto de defesa, a comissão do Senado dedicou especial cuidado a esse tema no projeto de lei de reforma do CPC.

Caso seja aprovado, o novo código deve instituir os “honorários de sucumbência recursal”, que funcionará de seguinte forma: se uma tese é pacífica e a parte ainda assim recorre, e o tribunal rejeita por unanimidade de votos, em vez de manter apenas a condenação, o tribunal aplica novos honorários. Dessa maneira, o advogado terá de pensar duas vezes antes de insistir em algo sem trazer algo novo ou uma nova perspectiva.

Essa seria uma forma objetiva de punir condutas consideradas protelatórias, de acordo com Bruno Dantas, uma vez que a atual punição, a multa por litigância de má-fé, é subjetiva e de difícil identificação. A ideia é que uma vez remediado esse problema, o Judiciário tenha mais fluidez.

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