Boi Barrica

Censura ao “Estadão” pesa sobre toda a imprensa

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  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é ex-presidente da OAB-SP (por três gestões 2004/2012) membro honorário vitalício da OAB-SP presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP.

2 de agosto de 2011, 19h22

A liberdade de imprensa é um bem valioso porque permite assegurar todas as demais liberdades, dentre elas, o direito de a sociedade ser livremente informada sobre questões de interesse público, da forma mais isenta possível, para poder formar uma opinião sobre fatos relevantes para seu dia-a-dia. A Constituição Federal, em seu artigo 220, é muito clara na defesa da plena liberdade de informação jornalística no país.

A mesma Carta Magna de 1988 assegurou o fim da censura prévia, deixando explícito o valor constitucional do direito à informação, que certamente produz mais bens do que males, na observação muito bem colocada de Aléxis de Tocqueville. Entre as virtudes, certamente estão o zelo pela democracia e seus valores, a liberdade de pensamento de diferentes correntes da sociedade e a vigilância constante sobre a malversação do dinheiro público e outras irregularidades praticadas pelos governantes, a preservar os valores da Res-Publica.

Por tudo isso, deve ser considerado um precedente que reclama atenção o período de dois anos da decisão judicial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que impediu o jornal O Estado de S. Paulo de publicar matérias sobre a chamada Operação Boi Barrica e os seus desdobramentos.

Em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 institucionalizou a censura no Brasil, suspendeu as garantias constitucionais e impôs outras medidas autoritárias. Dentro do hiato temporal de quase meio século, é importante refletir sobre os momentos sombrios de nossa história, as restrições impostas à liberdade de imprensa e, consequentemente, os danos causados ao interesse público. Com o AI-5 teve início a censura ao jornal O Estado de São Paulo, que duraria até 1975 e abrangeria mais de mil matérias. Ao longo de quase seis anos, textos jornalísticos foram suprimidos e cortados e censores chegaram a se instalar na redação, em 1972. No lugar das matérias censuradas, o jornal colocou poemas de Cecília Meireles, Olavo Bilac, Gonçalves Dias e, principalmente, Luís de Camões, a ensejar uma resistência ao arbítrio.

Se as mazelas de um regime de exceção não serviam ao Brasil nem à sociedade e nem à imprensa por impor visões autoritárias; certamente não fazem sentido hoje, dentro do Estado de Direito que impera no país. No Brasil atual, o que nós, brasileiros, menos precisamos é de uma imprensa acovardada, submissa, “chapa-branca”, que sirva aos poderosos e esteja mancomunada com o interesse de poucos.

Certamente, ninguém está acima da lei, inclusive a imprensa. No entanto, é necessário estipular de forma clara o que constitui cautela legal para preservar a privacidade e intimidade das partes, distinguindo-a do que seria uma prática de censura prévia. Entendo, também, que o trabalho do jornalista deve ter limites éticos e toda vez que um profissional fizer uso de informações, obtidas por meio de fontes ou conversas telefônicas sob sigilo legal, deve responder na Justiça pelos abusos praticados.

A decisão judicial de dois anos que cerceia o jornal O Estado de São Paulo, órgão de imprensa com uma história centenária de lutas contra as arbitrariedades e de defesa da democracia, não pesa apenas sobre este veículo; mas por derivação e precedente atinge todos os demais veículos da mídia nacional. A Carta Magna enfatiza que “a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

O risco que essa decisão judicial pode trazer para a nossa democracia seria de retrocesso em relação ao longo, custoso e dramático caminho que toda uma geração percorreu para restabelecer no país os princípios basilares do Estado de Direito, dentre eles o fim da censura. Ao lado da autonomia dos três Poderes, a liberdade de expressão é indissolúvel na perene tentativa, que é missão de todos, de aperfeiçoar os governos e esclarecer a opinião pública.

Nunca é demais lembrar que o constituinte de 1988 fez inserir, logo no início da nossa Carta Magna, o artigo 5º que, entre outros direitos e garantias fundamentais, assegura a livre manifestação do pensamento, com o cuidado de vedar o anonimato e a livre expressão da atividade de comunicação.

Dentro do Estado Democrático de Direito, essa decisão judicial constitui um episódio isolado. Não se pode transigir com a liberdade de imprensa, porque seria um desserviço à consolidação da cidadania e às salvaguardas da democracia na gestão do sistema de pesos e contrapesos entre o ente público e os cidadãos.

Em uma democracia plena, a postura crítica da imprensa sobre os Poderes da República é mais do que função, é dever. E, por isso mesmo, o livre exercício do direito de expressão precisa ser preservado no interesse da cidadania.

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