Realidade criminal

Pobreza ou desigualdade não geram crimes em si

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

21 de abril de 2011, 14h13

A desigualdade social não é a causadora do crime em si, mas o fato é que pessoas mais carentes, ou com pouco estudo, tendem a cometer crimes menos complexos como o roubo e furto, além de pequenos tráficos. Enquanto pessoas mais estudadas e com maiores recursos tendem a cometer delitos mais elaborados como o estelionato (golpes), crimes tributários, desvios de recursos e crimes de colarinho branco, os quais são mais difíceis de provar. Exemplo, uma pessoa mal vestida não conseguiria dar um golpe (estelionato) em uma loja, logo ele entra, subtrai a mercadoria e sai correndo (furto).

Outra diferença é que nos crimes mais elaborados as vítimas tendem a “perdoar” quando o criminoso devolve o valor subtraído uma vez descoberto. Como não é descoberto sempre, acaba ficando no lucro.

Nas últimas décadas tem sido imposto o conceito de que pobreza gera crime. Aliás, para muitos não é a pobreza em si, mas sim a desigualdade social, o que é medido com base no Índice GINI elaborado pela ONU (o qual mede o grau de desigualdade entre a parcela mais rica e a da distribuição de renda no país). Neste caso, o Brasil realmente está entre os primeiros do mundo na desigualdade social.

Inicialmente destaca-se que apesar de o Código Penal ter aproximadamente 1.600 delitos penais previstos, apenas três respondem por quase 80% dos presos no Brasil (furto, roubo e pequenos tráficos).

Importante ainda ressaltar isto, pois se faz necessário questionar as pesquisas sobre crime no Brasil, as quais são muito recentes e não mostram o retrato atual do que acontece.  

A rigor, alguns estudos criminólogos, elaborados mais por sociólogos do que por operadores de Direito, indicam que no Brasil para cada 100 crimes cometidos apenas um é punido. E ainda a pesquisa do IBGE em 2010 constatou que menos da metade das pessoas vítimas de furto (sem violência) ou roubo (com violência)  procuram a  polícia.  Este fato chamamos de “cifra negra”, ou seja, número de delitos cometidos  que não chegam a ser apurados ou punidos.

O meio jurídico é focado excessivamente na pena e muito pouco com meios preventivos ou estatísticos. O crime acaba alimentando um mercado de processos judiciais, tanto que nas faculdades de Direito não se estuda “Direito Criminal”, mas sim  “Direito Penal”.  Além de alimentar a indústria de produtos e serviços de segurança.

O que se vê na prática é que as pessoas têm dificuldade para comunicar o crime, o que poderia ser feito através da internet. Mas, alguns órgãos policiais não querem perder o poder de triagem e preferem gastar quase uma hora para lavrar uma ocorrência de crime em vez de permitir que a vítima faça isto pela internet, por exemplo.  No modelo atual  a vítima não consegue acompanhar a sua comunicação de crime, nem mesmo pela internet, o que acaba desestimulando o controle social sobre este serviço.

O sistema judicial, em geral, trabalha com o que a polícia quis formalizar. Portanto, não se pode medir “crime” pelos presídios, pois naquele momento já se fez a seleção, o que tem induzido em erro muitas pesquisas. Exemplificando, se a PM fizer blitz somente nas periferias e abordar veículos ou motos mais simples, apenas teremos processos penais contra pessoas mais simples.

Outro grande mito é achar que todo crime gera prisão como se crime e prisão fossem necessariamente a mesma coisa. Contudo,  há aproximadamente 500 mil pessoas cumprindo pena de prisão no Brasil, porém temos em torno  do mesmo número cumprindo pena alternativa (sem prisão).

A mente do criminoso habitual funciona como a de um comerciante, ou seja, busca o lucro e analisando o risco de ser pego e até mesmo a possibilidade de cumprir a pena.

A partir da década de 80 iniciou-se um movimento de quase idolatria ao réu e acentuou-se o esquecimento da vítima. Exemplo, em um crime de estupro o sistema jurídico praticamente nada oferece à mulher estuprada e vítima do crime, mas moverá o mundo para “ressocializar” o réu, incluindo assistência médica, psicológica, jurídica e até emprego. O mesmo acontece no homicídio, a família da vítima nada recebe do Estado.  O preso tem até “férias” de 35 dias ao ano (saídas temporárias), além do auxilio reclusão se estiver inscrito no INSS ou período de carência.  Hoje o réu sabe que tem poucas chances de ser flagrado e de ser preso, pois a defesa chega a ajuizar dezenas de recursos para que o réu fique solto e o crime prescreva, ou seja, não haja pena.

Nesta visão romântica do criminoso se esquece de que a mente psicopata não tem cura, pois é transtorno de caráter e pode até ser constatada através de ressonâncias magnéticas e por isto alguns setores reagem a exames neste sentido. Nem todo psicopata é criminoso e nem todo criminoso é psicopata, mas há uma relação acima da média entre estes dois fatores. Temos psicopatas inteligentes que poderão cometer delitos com “alto lucro”, como corrupção. E outros menos inteligentes que poderão cometer furtos e roubos. Isto é, se forem estudados e inteligentes não vão ficar furtando carteiras na rua, mas usarão a internet para dar golpes milionários e mais difíceis de serem pegos. Contudo, neste último delito não vai haver viaturas com policiais correndo atrás.

Logo, o grau de escolaridade do criminoso serve apenas para mudar o tipo de delito cometido.

O ditado “empresa quebrada e dono rico”, demonstra uma realidade de que muitos usam empresas para darem golpes e que são mais difíceis de serem provados. Além disso, há setores do Judiciário que tendem a exigir provas quase que impossíveis para se provar o crime ou então dar uma interpretação bem restritiva à lei quando se trata destes crimes elitizados.

Outro aspecto é o fato de que poucas pessoas sabem que venda casada de produtos é crime (Lei 8.137/90), logo não acionam a polícia, o que é uma faceta da “cifra negra”. Mas, todos sabem que furtar é crime.

A “triagem” de crimes é feita também na fase judicial (processual), porém a maior amplitude é na fase policial. E por isto é preciso aumentar atualmente o controle como colocar GPS nas viaturas policiais, exigir filmagens das abordagens, prestação de contas, lançamento das ocorrências na internet com consulta mediante senha e muito mais.

Existe um delito que tende a igualar ricos e pobres quando cometido no calor dos fatos que é o homicídio doloso (assassinato passional), mas em geral os crimes são diferentes em cada classe social. Se eventualmente um rico cometer um furto, a tendência é dizer que é cleptomaníaco e a própria vítima não procurará a polícia.

Normalmente, as pessoas que cometem crimes patrimoniais não gostam muito do trabalho, da rotina, da disciplina, têm muita ambição, acham-se mais inteligentes e preferem arriscar a obterem maiores lucratividades com atividades ilícitas. Afinal, não podemos crer que o tráfico de drogas, que é um dos maiores comércios do mundo, tenha os seus líderes morando em morros, favelas ou periferias. Na verdade, os grandes traficantes que lideram tudo intelectualmente estão nos bairros nobres. Ou seja, tanto pobre como rico cometem crimes, diferenciando apenas na forma. A rigor, “educar” estas pessoas não é como se tem pensado em dar apenas ensino escolar, mas sim, repensar os valores ensinados.

É preciso ressaltar que a impunidade grassa de tal forma que já se vê alguns integrantes da classe média e alta cometendo crimes de furto ou roubo, mas isto tem acontecido mais em razão do uso de drogas, em geral, o crack ou de excessiva preguiça para trabalhar ou estudar, bem com ambição exacerbada.

O que tem influenciado no aumento de crimes é a impunidade e também o próprio fato atual de tratarem os criminosos como se fossem as vítimas da sociedade. E então eles perdem a vergonha e o Estado perde o controle social. Imagine em uma sala de aula se o aluno mal comportado não tiver sanção ou se for tratado com privilégios, o que acontecerá? A tendência será que os outros também mudem para o mau comportamento e o efeito seria ampliado. O mesmo vale para uma empresa, a qual em vez de punir, então iria promover para tratar o coitado do servidor que desviou a verba.  No entanto, isto é o que tem acontecido no sistema criminal atualmente.

A questão não é de assistência jurídica, o que ocorre é que o crime de furto é fácil de condenar depois de descoberta a autoria. No estelionato além de ser difícil de provar a autoria, quando eventualmente esta é descoberta, ainda é difícil provar o que chamamos de “dolo antecedente” para provar o crime ou se houve apenas um “engano”. Ademais, a “assistência jurídica” na fase policial seja perante a PM ou perante a Polícia Civil costuma ser mais produtiva do que na fase judicial. Mas, para isto precisaríamos de um outro modelo de advocacia no Brasil, como já existe na Europa e nos Estados Unidos com os planos de assistência jurídica em que a pessoa liga para o número do plano e tem atendimento 24 horas. No Brasil, a advocacia de Delegacia é considerada menos nobre que a advocacia de Fórum em razão da formação elitista dos cursos de Direito. E nem se fala em eventual hipótese de corrupção, mas quando o advogado acompanha desde a fase de lavratura do BO tem muita mais chance de efetuar a defesa e até mesmo evitar a prisão provisória.

Outra medida importante é acabar com o monopólio de pobre que o atual Governo vem impondo com a estatização da assistência jurídica, o que tem dificultado os réus de escolherem advogados de confiança e que acaba gerando uma estranha figura em que Estado acusa e Estado defende, o que contribuiu para aumentar a quantidade de presos em 40% nos últimos oito anos.

No inconsciente coletivo a tendência natural é achar que crime é apenas furto, roubo, tráfico e homicídio, além de algumas agressões verbais e físicas, como estupro, lesão corporal e outros delitos desta natureza. Como a população não sabe o que é crime, tem dificuldade de comunicar à polícia e não há no Brasil um site explicando os crimes, nem mesmo no sites policiais e isto acaba dificultando. Aparentemente, há um desinteresse em democratizar estas informações, pois quanto mais esotérico, mais empodera o meio policial e o jurídico.

Outro ponto que tem passado despercebido pelas pesquisas é saber diferenciar em criminoso habitual e criminoso eventual. Este último retorna naturalmente à sociedade. Por exemplo, o que cometeu um acidente de trânsito, mas o criminoso que vive de dar golpes dificilmente abandonará esta vida.

Raramente se vê arrependimentos reais por parte do criminoso, este tende a se colocar quase sempre no papel de vítima, o que é reforçado pela atual concepção social de que é um “coitadinho”.  Quase nunca o criminoso se preocupa em reparar o dano ou com a situação da vítima, mas sempre é muito exigente com os seus direitos.  Mesmo quando descumpre as regras da execução penal não se sente envergonhado de pedir para que se descumpra a lei para lhe dar uma nova chance e para que não sofra sanção, afinal sempre tem uma história de “perseguição” para contar.

Um grande erro das pesquisas e da sociedade é considerar criminoso apenas quem está preso, mas sem computar os que cumprem pena alternativa. Além disso, temos criminosos que não foram descobertos (e que não são poucos), temos condenados que não cumprem pena por estarem foragidos (estima-se em 300 mil pessoas).

No Brasil estamos no absurdo de não se poder divulgar que alguém foi condenado, pois viola a sua imagem. O errado passou a ser o exemplo e uma espécie de mártir.

É preciso repensar esta filosofia atual, pois quem dirige embriagado o faz por que quis e não porque a sociedade o reprime, logo é um coitadinho. O mesmo valendo para outros crimes como assaltos a bancos, estupros, assassinatos, golpes e muito mais. A punição destes é essencial para que haja prevenção e os demais não cometam os mesmos delitos, e isto vai gerar a diminuição da quantidade de presos, o que não ocorre quando tratados como coitados. Não se defende punições humilhantes, mas durante o cumprimento de pena alternativa, por exemplo, deveria usar o jaleco quando prestasse serviço como é nos Estados Unidos.

De forma paradoxal, quanto mais tratarmos os criminosos como coitadinhos, mais os crimes aumentam e mais as prisões também. As pessoas precisam ter vergonha de ter cometido o crime, o que não implica em punições desumanas, mas as sanções devem ser rápidas e não pode um processo durar vinte anos com base na ampla defesa, pois para tudo é preciso ter limites.

Por fim, pobreza gera crime? A pobreza não gera crime em si, mas o pobre ou pessoa com poucos recursos ou estudos tende a cometer crimes de furto, roubo e pequenos tráficos, enquanto as pessoas mais ricas ou mais estudadas tendem a cometer crimes mais elaborados ou a ficarem na parte intelectual, o que é mais difícil de provar, e se for comprovado e condenado, a pena é mais leve.

Portanto, a pobreza ou a desigualdade social tende a gerar determinados tipos de crime menos elaborados, e não o crime em si, sendo que a maioria dos crimes é cometida por questão de caráter, expectativa de impunidade, ambição e ausência de interesse em manter uma rotina de trabalho. A rigor, cada um comete o delito dentro de sua habilidade intelectual ou social, sendo que os crimes de furto e roubo, bem como pequenos tráficos são menos complexos para serem cometidos e normalmente as pessoas menos instruídas cometem este delito, enquanto as mais instruídas cometem crimes similares a golpes e são mais difíceis de serem provados, além de comportarem penas alternativas, por isto há menos presos, o que não significa que tais crimes não ocorram. Em suma, tanto ricos como pobres cometem crimes, variando apenas o tipo de crime para cada classe social, logo a questão é de oportunidade, caráter, risco e conseqüência.

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