Licença de usina

OEA dá oito dias para Brasil responder sobre usina

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20 de abril de 2011, 18h25

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), concedeu mais oito dias para que governo brasileiro se manifeste sobre medida cautelar que pede a suspensão do processo de licenciamento da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. De acordo com a CIDH, a ampliação do prazo atende ao pedido feito pelo governo. A notícia é da Agência Brasil.

Com a decisão da comissão, o governo brasileiro terá até o dia 26 de abril para responder à medida cautelar que solicita a paralisação do projeto de Belo Monte até que sejam ouvidas as comunidades indígenas que vivem na região. O prazo inicial dado pela CIDH para a resposta era de 15 dias e terminou na segunda-feira (18/4).

Além de ouvir os índios, a decisão da CIDH pede que os estudos de impacto ambiental, apresentado aos índios, sejam traduzidos para a língua indígena e que o Brasil adote medidas “vigorosas e abrangentes” a fim de proteger a vida dos integrantes das comunidades locais.

A decisão da CIDH é uma resposta à denúncia encaminhada, em novembro de 2010, por entidades como o Movimento Xingu Vivo Para Sempre, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a Prelazia do Xingu, o Conselho Indígena Missionário (Cimi), a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Justiça Global e Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA). De acordo com a denúncia, as comunidades indígenas e ribeirinhas da região não foram consultadas de forma apropriada sobre o projeto.

O governo anunciou que não abre mão da construção de Belo Monte que será a maior hidrelétrica totalmente brasileira (levando em conta que a Usina de Itaipu é binacional) e a terceira maior do mundo. A usina terá capacidade instalada de 11,2 mil megawatts de potência e reservatório com área de 516 quilômetros quadrados. Até o momento, o empreendimento tem apenas uma licença parcial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para iniciar o canteiro de obras.

A OEA alega que a oitiva das comunidades é prevista na Constituição brasileira e na Convenção Americana dos Direitos Humanos e Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das quais o Brasil é signatário.

O governo pretende instalar uma representação próxima à região de construção da Usina Belo Monte para mediar conflitos e não permitir que os impactos da obra no Rio Xingu (PA) gerem problemas como os enfrentados recentemente nos canteiros do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Rio Madeira, em Rondônia. De acordo com o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, a representação terá atendimento das várias pastas envolvidas com assuntos relacionados à construção da usina.

“Nossa ideia é ter lá um interposto do governo federal fazendo um diálogo. Seria uma representação federal, uma espécie de delegacia da presidência, coordenando toda intervenção federal na região e intermediando a relação dos trabalhadores com as empresas, com o consórcio, com o poder público local, com a sociedade local e assim por diante”, disse Carvalho, em entrevista à Agência Brasil.

Carvalho informou, ainda, que a presidenta Dilma Rousseff convocará para a próxima semana uma reunião com todos os ministérios envolvidos na construção da Usina Belo Monte, principalmente, as pastas que cuidem dos problemas sociais e ambientais decorrentes da instalação da usina.

O ministro disse que Dilma quer fazer de Belo Monte o “exemplo de bom funcionamento de uma intervenção federal”. Segundo ele, o governo entendeu que há a necessidade de se ter em Belo Monte uma presença maior do Estado, postura diferente da que ocorreu com os canteiros de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, palcos de manifestações de trabalhadores no mês passado. O ministro criticou, ainda, a determinação da Organização dos Estados Americanos (OEA) de suspender as obras da Usina Belo Monte. Para ele, o pedido “não foi adequado” e causou estranhamento ao governo.

O ministro garantiu que o governo vai cobrar das empresas participantes do consórcio o cumprimento das condicionantes previstas no projeto. “Os erros que reconhecemos no caso de Santo Antônio e Jirau é que nós não estivemos suficientemente presentes. Muitas vezes deixamos as empresas, que assumem aquela parte das compensações ambientais e sociais. E as empresas nem sempre dão para essas compensações o mesmo ritmo que dão para as obras”, disse o ministro.

O ministro falou, ainda, da relação da presidenta Dilma com os movimentos sociais e das obras para a Copa do Mundo de 2014.

Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo ministro Gilberto Carvalho à Agência Brasil:

Agência Brasil — No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o próprio presidente era o interlocutor com os movimentos sociais. No atual governo, o senhor assumiu essa função. O que mudou?
Gilberto Carvalho — De fato, isso é real. O presidente Lula tem uma comunicação epidérmica com os movimentos. Está na índole, na história e na intuição dele. A presidenta Dilma Rousseff, embora tenha vindo de uma grande luta da esquerda, não tem essa proximidade e essa história pessoal mais recente de ser expressão do movimento social como foi a do presidente Lula. É muito interessante como ela, até por isso talvez, tenha sentido e expressado de maneira muito clara, a intenção política de manter nesse governo uma relação muito estreita, muito próxima e muito organizada com os movimentos sociais. Tudo que a presidenta Dilma faz, naturalmente só é possível porque houve um Lula antes. Tudo que eu faço aqui [na Secretaria-Geral da Presidência], só é possível porque houve um Dulci [Luiz Dulci, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência] antes. Um governo de continuidade de projeto tem essa característica.

Agência Brasil — Mas o que mudou?
Gilberto Carvalho — O que está havendo agora é que, como a presidenta Dilma não assume proscênio [a frente do palco] dessa ação, pela característica de gestão dela, ficou reservado a mim um papel de ocupar esse espaço público de encontro. O que nós estamos tentando fazer, diferentemente do que havia no ano passado, é ter uma relação mais estável. Todo mês nós teremos aqui no Palácio do Planalto as centrais sindicais reunidas. A cada dois meses teremos aqui os movimentos do campo. Estamos tentando dar um pouco mais de organicidade e estabilidade nessa relação. Essa é a única diferença que eu veria.

Agência Brasil — Na sua avaliação, esse diálogo está fluindo com os movimentos?
Gilberto Carvalho — Até agora, está bem adequado, guardadas as características desse tipo de diálogo. Toda vez que eu sento com os movimentos sociais eu lembro a eles o seguinte: governo é uma coisa datada, tem dia para acabar, tem conjuntura de correlação de forças, tem limites institucionais. Movimentos não. Não tem tempo para acabar, tem que trabalhar utopia, tem que pressionar. Então, é uma relação naturalmente tensa.

Agência Brasil — Em que momentos nesse governo ela foi mais tensa?
Gilberto Carvalho — Vou dar o exemplo do salário mínimo. Nós sentamos à mesa com as centrais sindicais, dizendo para eles que iríamos conversar, mas com um limite. Não vai passar disso. Foram duras as conversas, em quatro ou cinco rodadas. Não cedemos ali, mas cedemos no Imposto de Renda [correção da tabela], cedemos nessa coisa de ter uma pauta permanente, de abrir a discussão sobre a valorização dos aposentados, de abrir a possibilidade de discutir a questão do fator previdenciário.

Agência Brasil — E na negociação em relação às usinas Jirau e Santo Antônio?
Gilberto Carvalho — Na pauta relativa à questão de Jirau e Santo Antônio foi uma coisa mais construtiva, porque conseguimos unir as empresas, os sindicalistas e o governo para tentar fazer um compromisso tripartite. Assim como na questão da cana-de-açúcar, estamos conseguindo fazer um acordo para o trabalho decente. Queremos fazer a mesma coisa na construção civil, tendo em vista a importância das obras do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e das obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O que a gente quer é ter paz no setor e grande produtividade. É um diálogo que, se for franco, leal e transparente, o fato de ele ser tenso não desconstrói, não impede que ele continue existindo.

Agência Brasil — E em relação à Usina de Belo Monte?
Gilberto Carvalho — Os eventos de Jirau e Santo Antônio [protestos de funcionários nos canteiros de obras] nos alertaram muito para os riscos de Belo Monte. Faz 30 anos que se planeja a construção de Belo Monte. Se Porto Velho está enfrentando dificuldades com a chegada de Jirau e Santo Antônio, Altamira (PA), que é a cidade mais importante daquele ponto de 12 cidades, vai sofrer muito mais. Ontem [segunda-feira, 18], eu recebi a prefeita de Altamira, que está preocupada. Uma obra dessa é uma grande oportunidade para o município, o comércio ri à toa com a perspectiva de um grande movimento, mas há também a perspectiva de problemas na área de saúde, na questão sanitária, no esgoto, na poluição, na prostituição, na violência, droga, violência, tudo isso.

Agência Brasil — Como minimizar esses problemas?
Gilberto Carvalho — O Estado tem que estar presente. Os erros que reconhecemos no caso de Santo Antônio e Jirau é que nós não estivemos suficientemente presentes. Muitas vezes deixamos as empresas, que assumem aquela parte das compensações ambientais e sociais. As empresas nem sempre dão para essas compensações o mesmo ritmo que dão para as obras. A obra vai dar dinheiro logo, vai dar lucro, então elas aceleram e deixam para um segundo momento as compensações.

Agência Brasil — Que áreas do governo tem de estar presentes?
Gilberto Carvalho — Nossa ideia é ter lá um interposto do governo federal fazendo um diálogo. Seria uma representação federal, uma espécie de delegacia da presidência coordenando toda intervenção federal na região e intermediando a relação dos trabalhadores com as empresas, com o consórcio, com o poder público local, com a sociedade local e assim por diante.

Agência Brasil — Ao fazer isso, o senhor acha que o governo está respondendo à observação feita pela Organização dos Estados Americanos (OEA) de descumprimento das condicionantes?
Gilberto Carvalho — Nós estranhamos muito essa intervenção da OEA porque nós entendemos que não foi adequada. Foi provocada por elementos da sociedade lá da região, mas nós não achamos que foi adequada. Nós não estamos tão preocupados em responder à OEA, e sim responder à necessidade que nós temos de criar uma referência positiva de como se pode construir uma obra com esse porte sem prejuízos sociais.

Agência Brasil — Quais são as preocupações do governo em relação à Copa do Mundo?
Gilberto Carvalho — Vamos ter remoção de populações para construir as vias de acesso aos estádios. Essa gente tem que ser bem tratada, assim como os atingidos por barragens precisam ser bem tratados quando se faz uma hidrelétrica. Nós vamos ter o problema das grandes obras, com a concentração de muitos trabalhadores, como tivemos em Jirau  e Santo Antônio. Então, a gente quer criar um padrão de intervenção de obras no qual os prejuízos sejam mitigados. As obras não podem ser vistas como um problema, e sim como uma vantagem, uma solução.

Agência Brasil — Com esse novo padrão, a obra acaba saindo mais cara do que o governo previa? Como equacionar a necessidade de fazer a obra com a política de contenção de gastos?
Gilberto Carvalho — Na verdade, não temos um aumento tão importante de gastos. Toda obra dessa já prevê uma compensação ambiental. Há algum tempo já se trabalha com esse conceito. Já foi o tempo de Itaipu, de Tucuruí, onde as máquinas chegavam, metiam bala. Os movimentos sociais e a pressão da sociedade geraram um processo em que os custos sociais para a empresa já estão embutidos no valor da obra. Então, não se trata de acrescentar coisas, mas fazer com que as empresas cumpram o que está escrito. É claro que podem ocorrer gastos a mais para o governo, que ainda não estão contemplados, mas aí, esses recursos podem vir do Orçamento Geral da União. Mas se as empresas realizarem o que está ali, nas condicionantes, já há um volume importante de recursos previstos para essas compensações.

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